Existe a necessidade de reduzir a burocracia na compra de um imóvel, isso ninguém pode negar. O boom imobiliário dos últimos anos ocasionou grande demanda por financiamento bancário, processo que pode durar mais tempo do que o consumidor imagina. Isso porque, quando uma pessoa compra um imóvel sem utilizar crédito bancário, a escritura é formalizada diretamente no Tabelionato de Notas com a fé pública do Tabelião e, então, o documento é registrado no Ofício de Imóveis. Neste processo o prazo máximo é de 30 dias e são solicitadas certidões negativas e comprovantes de pagamentos de tributos, processo que garante a segurança jurídica da compra às partes.
Já no caso de imóveis financiados, o próprio contrato de concessão de crédito imobiliário tem força de escritura, sendo necessário apenas o registro no cartório de imóveis. E é exatamente aí que está um dos entraves à agilidade. Devido ao grande volume de negócios fechados e ao tipo de procedimento adotado para elaborar o documento, longos prazos têm sido observados na finalização do processo. Os principais agravantes são a contratação de intermediários por parte dos bancos para juntar as certidões dos envolvidos, assim como o envolvimento de correspondentes para receber as demandas, o que torna a elaboração do contrato mais cara e mais demorada do que uma escritura pública.
Com o objetivo de reduzir esse descompasso, algumas iniciativas têm sido adotadas, entre elas um projeto em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara dos Deputados, que prevê reconhecida redução dos prazos. Caso seja aprovado, todos os atos jurídicos envolvendo um imóvel serão concentrados na sua matrícula de registro. A proposta transfere ainda, a responsabilidade do comprador para o proprietário do imóvel, que passará a ser obrigado a registrar na matrícula todos os dados envolvendo aquela residência. Dessa forma, a atualização e veracidade dos dados na matrícula passam a ser de responsabilidade do vendedor e não mais do comprador.
Outra proposta, dessa vez estadual, é da Corregedoria de Justiça de São Paulo que prevê o registro eletrônico de imóveis, sob a constatação de que a demora está atrelada à necessidade de impressão de vias do contrato para todos os envolvidos para então levá-las ao cartório para registro. Trata-se do provimento 11/2013, que, apesar de trazer o benefício da redução de prazo para o cidadão e tornar o processo mais fácil para o banco, aumenta a responsabilidade dos cartórios, que, pelo provimento, devem registrar apenas o estrato resumido do contrato com força de escritura, sem análise de certidões e comprovantes. Será como atestar a validade do documento sem análise prévia, confiando a procedência ao banco.
Diante disso, é preciso levar em conta que, apesar da necessidade de reduzir a burocracia, cortar atalhos pode até possibilitar prazo reduzido para o consumidor, mas as consequências poderão vir no futuro. É preciso encontrar medidas que sejam seguras e adequadas para todos os envolvidos: vendedor, comprador, bancos e cartórios.
O registro eletrônico é sim necessário, desde que as manobras adotadas para redução da burocracia não tragam consequências negativas. Por que então não instituir uma escritura digital completa, com todas as informações necessárias a garantia da segurança? E mais, por que não estabelecer uma parceria entre bancos e cartórios, de forma a eliminar a existência de prestadores de serviço terceirizados?
A elaboração de escrituras digitais é uma possibilidade viável e que já tem sido aplicada como projeto-piloto em algumas cidades de Minas Gerais, entre elas em Belo Horizonte, Betim, Uberlândia e Uberaba, e também em algumas cidades de Pernambuco e São Paulo. O primeiro documento do tipo foi feito em 2002 durante uma feira de construção civil, quando um vendedor pessoa jurídica fez a assinatura eletrônica do contrato do banco por meio da certificação digital. Apenas o comprador teve que comparecer ao cartório, visto que, de acordo com o Código Civil, a capacidade jurídica da pessoa física deve ser avaliada pessoalmente.
Esse seria, digamos, o único entrave para formalização digital da compra entre pessoas físicas, a necessidade de exame de documentos pessoalmente. Já entre pessoas jurídicas o único desafio seria o desapego dos consumidores quanto ao papel e a confiança no documento digital. Uma coisa é certa, toda nova tecnologia gera certa desconfiança e demanda de tempo para adaptação. Mas quem já experimentou fazer negócios dessa forma sente a diferença quanto a celeridade, rapidez e segurança jurídica.
*Rogério Portugal Bacellar é presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR).