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19/08/2019

Artigo - Lei assegura direitos ao cônjuge hipossuficiente após o divórcio – Por Izabelle Antunes Zanin e Ricardo Key Sakaguti Watanabe

  1. Introdução
    Ainda se percebe em nossa sociedade o arquétipo de família clássico em que um dos cônjuges exerce a função de provedor material, enquanto o outro se dedica exclusivamente aos cuidados do lar, aos afazeres domésticos e a zelar pela educação, pela saúde, pelo lazer e bem-estar dos filhos. Este abre mão de projetos pessoais, de renda própria, não busca qualificação profissional nem colocação no mercado de trabalho e, na mesma medida, assegura ao outro a “liberdade” e as condições necessárias para se dedicar ao trabalho, focar o desenvolvimento de sua carreira e seus negócios, empreender e crescer economicamente.

No entanto, ao final de um casamento de vários anos amoldado no referido padrão, surgem incertezas e indefinições sobre a continuidade da vida de cada consorte após a separação, notadamente no que diz respeito à subsistência do cônjuge materialmente hipossuficiente.

Nesse texto, serão abordadas três modalidades de verbas comumente debatidas nas demandas de separação e divórcio com o escopo de assegurar direitos dos cônjuges.

  1. Da pensão alimentícia — alimentos provisórios
    Com a ruptura do matrimônio, ao cônjuge em situação de vulnerabilidade econômica sobrevém o direito de receber verba alimentar suficiente à mantença de seu padrão de vida e condição social, no mesmo padrão em que vivia durante o casamento (período em que o outro consorte sempre atuou como seu provedor).

Se o cônjuge hipossuficiente não demonstra chances de se inserir no mercado de trabalho, qualificação ou experiência profissionais condizentes com sua condição social, há possibilidade de fixação de pensão alimentícia (alimentos provisórios), devida pelo outro consorte com base no dever de assistência mútua que permanece mesmo após a separação (artigos 1.694 e 1.695 do Código Civil). Essa obrigação se condiciona à comprovação das necessidades alimentares de quem a pede, das possibilidades de quem há de pagá-la e do vínculo entre os envolvidos.

E sobre os critérios de fixação do valor dos alimentos provisórios, Rodrigo da Cunha Pereira leciona que “seja qual for sua origem o quantum deve ser estabelecido em atendimento ao binômio necessidade /disponibilidade, mas se compatibilizando com o padrão de vida e condição social das partes envolvidas (art. 1.694, CC/2002)” (Divórcio: Teoria e Prática, Rio de Janeiro: GZ Editora, p. 103).

A jurisprudência é pacífica no sentido de que “os alimentos devidos entre cônjuges destinam-se à manutenção da qualidade de vida do credor, preservando, o tanto quanto possível, a mesma condição social desfrutada na constância da união” (STJ, 3ª Turma, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, REsp 1.726.229/RJ, DJe 29/5/2018 — grifo nosso).

  1. Da prestação compensatória — “alimentos compensatórios”
    Por outro lado, existe a prestação compensatória, também conhecida como “alimentos compensatórios” (inapropriadamente, segundo alguns doutrinadores que a diferenciam conceitualmente dos alimentos propriamente ditos).

A prestação compensatória não tem por finalidade suprir as necessidades de subsistência de quem a pede (como ocorre com os alimentos provisórios), mas visa compensar materialmente um desequilíbrio econômico-financeiro oriundo da separação.

Diferentemente dos alimentos provisórios, a prestação compensatória não depende da incapacidade de sustento de quem a pede (requisito da pensão alimentícia), mas, sim, da efetiva caracterização do desequilíbrio, da abrupta mudança no padrão de vida de um dos cônjuges notadamente quando este não tem direito à partilha de bens (meação).

Segundo lição de Rolf Madaleno, “o propósito da pensão compensatória é indenizar por algum tempo ou não o desequilíbrio econômico causado pela repentina redução do padrão socioeconômico do cônjuge desprovido de bens e meação, sem pretender a igualdade econômica do casal que desfez sua relação, mas que procura reduzir os efeitos deletérios surgidos da súbita indigência social, causada pela ausência de recursos pessoais, quando todos os ingressos eram mantidos pelo parceiro, mas que deixaram de aportar com o divórcio” (Curso de Direito de Família. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 996. — grifo nosso).

Ambas as modalidades tratadas até aqui — alimentos compensatórios e pensão alimentícia — são autônomas e independentes entre si. O direito ao pensionamento (exposto no tópico anterior) há de ser apreciado e deferido independentemente de haver (ou não) direito a “alimentos compensatórios” e vice-versa. Tanto que o STJ já admitiu a cumulação de ambos:

Processual civil. Direito civil. Família. Separação judicial. Pensão alimentícia. Binômio necessidade/possibilidade. Art. 1.694 do CC/2002. Termo final. Alimentos compensatórios (prestação compensatória). Possibilidade. Equilíbrio econômico-financeiro dos cônjuges. Julgamento extra petita não configurado. Violação do art. 535 do CPC não demonstrada.
(...)
As conclusões do Tribunal local, respaldadas nos pressupostos fáticos coligidos aos autos, recomendam não só a manutenção da prestação compensatória, visando a restaurar o equilíbrio econômico e financeiro rompido com a dissolução do casamento (sem, no entanto, a pretensão de igualar economicamente os excônjuges), mas também a manutenção da pensão alimentícia nos moldes fixados pelo acórdão impugnado, exceto, nesse caso, quanto ao seu termo final, tendo em vista o lapso temporal decorrido desde a separação do casal. (...) (STJ, 4ª Turma, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, REsp 1.290.313/AL, DJ 07/11/14 — grifo nosso).

  1. Da participação nas rendas
    No caso de separação com direito a meação, o cônjuge tem direito à participação nas rendas do patrimônio comum, enquanto não ultimada a partilha, com fulcro no parágrafo único do artigo 4º da Lei 5.478/68 (segundo o qual “o juiz determinará igualmente que seja entregue ao credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor”). Trata-se de uma espécie de antecipação dos efeitos de futura partilha.

É usual que o patrimônio comum do casal permaneça sob a posse e administração de apenas um dos consortes — normalmente aquele que já figurava como provedor material da família — mesmo após a separação. Nesse contexto, e havendo direito a meação, o outro cônjuge tem direito à metade dos rendimentos (frutos) desses bens enquanto permanecerem administrados pelo outro e até que seja ultimada a partilha. Caso contrário, o tempo de tramitação do processo de partilha de bens poderia privilegiar um dos cônjuges (aquele investido na posse e administração dos bens partilháveis) em prejuízo do outro.

O direito à participação nas rendas dos bens comuns (desde a separação e até a efetivação partilha) não depende nem da incapacidade de sustento de quem a pede (requisito da pensão alimentícia) nem da caracterização de mudança no padrão de vida oriunda da separação (requisito da prestação compensatória), mas, sim, de dois critérios objetivos: a) o direito à meação; e b) a existência de bens comuns capazes de gerar frutos, mantidos na posse e administração exclusiva de um dos consortes.

Por exemplo: o cônjuge que se mantém na posse de imóvel comum deve indenizar o outro, em valor equivalente a metade do valor de aluguel desse bem. E mesmo que o imóvel não gere renda propriamente dita (se não estiver alugado, mas sendo utilizado para residência própria), a indenização será devida proporcionalmente a um valor estimado de aluguel.

Segundo o entendimento do STJ, configura-se “estado de condomínio que se iniciou após o encerramento do matrimônio por divórcio” e, assim, “cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa (art. 1.319 do CC), de modo que, se apenas um dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização àquele que se encontra privado da fruição do bem, reparação essa que pode se dar, como busca o recorrido, mediante o pagamento de valor correspondente a metade do valor estimado ou efetivamente apurado do aluguel do imóvel” (STJ, 3ª Turma, rel. min. Nancy Andrighi, REsp 1.375.271/SP, DJ 2/10/2017 — grifo nosso).

O objetivo é evitar que apenas um dos cônjuges se beneficie da fruição do bem comum enquanto não efetivada a partilha. E, como bens comuns, também podem ser mencionados a título meramente exemplificativo: investimentos, maquinários, participação em empresas etc.

Por fim, sobre a distinção entre pensão alimentícia, prestação compensatória e participação nas rendas dos bens comuns — e, inclusive, a possibilidade de serem deferidos cumulativamente —, cabe citar o seguinte precedente do STJ:

Ressalte-se, por oportuno, que a verba correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto aquele se encontra na posse exclusiva do ex-marido, não se confunde com o instituto denominado pela doutrina como "pensão compensatória" ou "alimentos compensatórios", que tem por desiderato específico ressarcir o cônjuge prejudicado pela perda da situação financeira que desfrutava quando da constância do casamento e que o outro continuou a gozar. Efetivamente, estes alimentos (compreendidos em seu sentido amplo), chamados de “compensatórios”, não se prestam (também) a subsistência do alimentado, tanto que podem ser concedidos independente de o alimentado possuir meios suficientes para sua mantença. Os “alimentos compensatórios”, portanto, objetivam minorar o desequilíbrio financeiro experimentado por apenas um dos cônjuges em razão da dissolução da sociedade conjugal.

Por sua vez, a verba sob comento (parte dos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto aquele se encontra na posse exclusiva do ex-marido) tem por escopo, como visto, evitar o enriquecimento indevido por parte daquele que detém a posse dos bens comuns, bem como ressarcir ou compensar o outro cônjuge pelo prejuízo presumido consistente na não imissão imediata nos bens afetos ao quinhão a que faz jus.

Efetivamente, tais verbas, embora distintas, especificamente, quanto à finalidade e à concepção, aproximam-se, nitidamente, quanto à natureza compensatória e/ou ressarcitória, não se prestando, por conseqüência, a conferir a subsistência (ao menos, diretamente) do respectivo credor.

Delimitada, assim, a verba sob comento, tem-se, inclusive, que o seu reconhecimento não obstaria, concomitantemente, o deferimento de alimentos (em seu sentido estrito, destinados, portanto, à subsistência de quem os vindica), desde que existência do binômio necessidade/possibilidade restasse pedida, demonstrada e assim reconhecida na decisão judicial, circunstâncias inocorrentes na espécie. Aliás, este entendimento pode ser extraído, inclusive, do parágrafo único do artigo 4º da Lei n. 5.478/68, que, por tratar especificamente da verba correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que o cônjuge faz jus, enquanto aquele se encontra na posse exclusiva do outro, distingue-se do pedido de alimentos provisórios, propriamente ditos. (STJ, 3ª Turma, RHC 28.853/RS, min. Massami Uyeda, DJ 12/3/2012).

Com efeito, o direito à participação nas rendas geradas pelo acervo patrimonial mantido sob a posse e administração de um dos cônjuges independe do direito à pensão alimentícia (alimentos provisórios) e do direito à prestação compensatória, e com eles não se confunde.

  1. Considerações finais
    A lei assegura direitos ao cônjuge que se vê em situação de vulnerabilidade e hipossuficiência material após a ruptura do casamento, sobretudo aquele que: a) não tem condições de se sustentar após a separação; b) sofre abrupta mudança no padrão de vida, sem ter direito a partilha de bens (meação); c) vê-se tolhido dos rendimentos dos bens comuns, mantidos sob posse e administração exclusiva do outro consorte.

Com isso, garante-se a subsistência do cônjuge hipossuficiente, atenua-se eventual desequilíbrio econômico oriundo da ruptura e evita-se o abuso de direito e o enriquecimento sem causa, inclusive decorrentes de eventual morosidade no trâmite do processo de partilha.

Fonte: Conjur


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