Nossa idade não importa. Nem nossa vontade. Hoje somos paulatinamente envolvidos pelas novas tecnologias, que mudam nossa relação com as coisas e com as pessoas. Já houve uma época em que cem anos se passavam sem nenhum avanço notável, mas agora a ciência nos surpreende todos os dias. A sociedade se transforma em progressão geométrica, mais velozmente do que nosso cérebro foi biologicamente moldado para aceitar.
Se você duvida, experimente. Pense numa folha de papel de míseros 0,1 milímetros de espessura. Agora imagine-se dobrando-a por 51 vezes. Qual será a espessura resultante? Cinco milímetros? Meio metro? Bom, se fosse fisicamente possível fazer tantas dobras, o resultado seria de aproximadamente 150 milhões de quilômetros. A distância que separa a Terra do Sol.
Nesse turbilhão contemporâneo, a área jurídica é especialmente conservadora, e costuma ser a última a abraçar as inovações, já quando, sem nem perceber, foi engolida. Boa parte de nós ainda usa gravata, abotoadura, imprime tudo o que lê e se apega à boa e velha agenda física. Assuntos como blockchain, lawtech, identidade digital e smart contract ainda nos assustam, e torcemos, ingenuamente, para que só afetem as gerações futuras.
A palavra inglesa drone, como a conhecemos popularmente, significa zangão. Quem já viu um aparelho desses em ação deve se lembrar do zumbido que ele produz ao voar.
O atual Código de Processo Civil (“CPC”) permite o uso da ata notarial para atestar “a existência e o modo de existir de algum fato”, dela podendo constar quaisquer “dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos” (art. 384). Mais abrangente, impossível.
O CPC é complementado, em São Paulo, pelas Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral de Justiça/SP, que estabelece as informações obrigatórias, reitera sua fé pública, diz onde lavrá-la (no livro de notas) e lista os documentos obrigatórios a serem arquivados. Contudo, não há restrição quanto ao meio de captação dos fatos: basicamente, os cinco sentidos do notário, a fotografia e o vídeo. As imagens são captadas por uma ou mais câmeras, e estas, por sua vez, são carregadas pelo drone.
Vistorias em locais de difícil acesso, como telhados e fachadas, morros e encostas, espaços estreitos entre edifícios; cumes de árvores e locais subterrâneos; topos de grandes estruturas como moinhos, antenas de telefonia, pontes estaiadas e torres de transmissão; checagem de imóveis supostamente abandonados ou invadidos; áreas violentas. O drone serve à captação de imagens em tais situações e em muitas outras, a fim de auxiliar engenheiros, arquitetos, advogados e outros profissionais. Como disse Julio Verne, “tudo o que um homem pode imaginar, outros homens poderão realizar”. Definitivamente, essas pequenas e notáveis aeronaves chegaram para expandir drasticamente o horizonte do uso da ata notarial.
Pois bem. Você é um notário alinhado com seu tempo, e quer adquirir um drone para as suas atas notariais. Basta ir a uma loja, adquirir um e começar a usar? Para responder, preciso de uma breve explicação.
Se o drone[1] for utilizado somente para lazer, hobby ou competição, ele é classificado como um aeromodelo. Se usado para outras finalidades, e carregar uma câmera ou objeto para entrega, ele se classifica como um VANT: Veículo Aéreo Não Tripulado.
Então, se você pretende usar um VANT para uma ata notarial, deve observar as seguintes regras[2]:
(i) o drone deve ser remotamente controlado por uma pessoa: o piloto[3];
(ii) o piloto não precisa ser o próprio notário; o importante é que ele acompanhe o vôo para se certificar de que as imagens estão sendo realmente captadas pelo aparelho;
(iii) não se exige licença para comprar um zangão de qualquer tamanho e potência;
(iv) ele não pode ser utilizado próximo a multidões ou aeroportos, nem pode subir a mais de 121,92 metros (400 pés); e
(v) é necessário pedir uma licença à ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) com antecedência de 18 dias corridos, com cópia para o DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo da Aeronáutica), informando os dados básicos do drone e do trajeto do vôo. Não é complicado como parece. Confira os itens 12.1 e seguintes da ICA 100-400, publicada em 3/1/2019: https://publicacoes.decea.gov.br/?i=publicacao&id=4944, que também traz as normas para cada faixa de altura do vôo.
Respeitar as regras acima é importante para evitar multas e seu enquadramento no art. 33 da Lei das Contravenções Penais, o Decreto-Lei 3.688/41 (“dirigir aeronave sem estar devidamente licenciado”). Além disso, é claro, fique atento para evitar eventual violação à privacidade de terceiros.
Como se vê, o drone pode ser um grande aliado do notário na elaboração de atas notariais, e seu uso deve ser estimulado. Abrace a tecnologia! Com planejamento e cuidado, é possível inserir os RPAs na rotina do cartório, com ganho para todos.
Fonte: Recivil