Se vivemos em um país política e economicamente instável, é essencial que as relações contratuais sejam sólidas e que o Poder Judiciário esteja habilitado para enfrentar as discussões com sobriedade, analisando caso a caso, fundamentando as decisões com qualidade e contribuindo para que haja segurança jurídica no mercado.
Sob a ótica do direito privado, é possível afirmar que a autonomia da vontade ganha novas feições a cada dia e segue sendo exercida nos limites não proibidos pela legislação em vigor. A validade de todos os atos particulares fica, portanto, condicionada sempre à observância da ordem jurídica e não apenas à vontade dos agentes. É evidente, nesse contexto, que os contratos jamais deverão ser utilizados para a prática de condutas lesivas ou abusivas, mas sim como mecanismo de afirmação de valores socialmente tutelados para guiar o interesse dos particulares.
Contudo, ainda que as partes estejam bem intencionadas e busquem uma sofisticação técnica, há tempos o Poder Judiciário tem sido um contrapeso à autonomia da vontade. Talvez induzido pelo volume expressivo de processos e às metas do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o Poder Judiciário, não raro, tem colaborado para que haja uma sensível relativização das cláusulas contratuais e do quanto acordado inicialmente pelas partes, sem que as decisões judiciais sejam efetivamente fundamentadas e contextualizadas às especificidades do caso concreto.
A massificação dos processos, inicialmente analisada sob a ótica da qualidade do trabalho entregue pelos advogados, agora assola o Poder Judiciário e não é de hoje que a qualidade das decisões passou a ser publicamente questionada. Analisando criteriosamente o que vem sendo decidido pelos Tribunais, é possível concluir que muitas vezes a análise de princípios (contratuais e legais) é superficial, sem que a complexidade e os aspectos econômicos que orbitam ao redor de cada relação contratual sejam devidamente encarados e levados em consideração.
Criou-se uma generalização tão grande dos institutos que muitas das relações contratuais, que deveriam necessariamente ser interpretadas na sua individualidade com mais cuidado, foram estereotipadas. Nesse contexto de questionamento, o decreto 9.830, de 2019, regulamenta o disposto nos artigos 20 ao 30 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e, em que pese focar em questões no âmbito do direito público, reforça a necessidade de que as decisões judiciais de um modo geral sejam sempre contextualizadas e devidamente fundamentadas.
É evidente que o Código de Processo Civil – CPC (especificamente no artigo 11) já impõe às decisões, sob pena de nulidade, a necessidade de serem fundamentadas; por seu turno, o mencionado decreto (destaque para os artigos 2º e 3º) explicita o que seria efetivamente a fundamentação e motivação esperada em uma decisão judicial.
Se vivemos em um país política e economicamente instável, é essencial que as relações contratuais sejam sólidas e que o Poder Judiciário esteja habilitado para enfrentar as discussões com sobriedade, analisando caso a caso, fundamentando as decisões com qualidade e contribuindo para que haja segurança jurídica no mercado. Nesse contexto, exatamente para fazer valer o investimento na customização e sofisticação dos negócios, é essencial que os Tribunais analisem as relações contratuais, ainda que incialmente idênticas, com o devido zelo, permitindo que as especificidades de cada caso sejam levadas em consideração no momento do julgamento, evitando a massificação das decisões, quando não estamos diante de casos massificados.1
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1 CRASWELL, Richard. Passing on the costs of Legal Rules: Efficiency and distribution in buyer-seller relationships. Stanford Law Review, Vol. 43, N 2 (Jan. 1991), pp 362.
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*Elisa Junqueira Figueiredo é sócia advogada do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.
*Bruno Maglione é advogado associado do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.
Fonte: Migalhas