Caso o registrador seja interpelado por ordem judicial ao assentamento de indisponibilidade de bens em imóvel cedido em alienação fiduciária, deve informar o juízo dessa realidade, mas caso o juízo insista na ordem equivocada, não tem alternativa a não ser cumpri-la.
1.A alienação fiduciária é espécie de compra e venda com pagamento diferido no tempo e garantida pelo próprio objeto transacionado. Tecnicamente, é o “negócio mediante o qual o devedor (fiduciante), transmite a propriedade imobiliária ao fiduciário (credor), em garantia da dívida assumida pela aquisição do imóvel” (SCAVONE JUNIOR, 2018, p. 541).
É um modelo contratual muito utilizado por trazer vantagens a ambas as partes: o consumidor, com posse direta, desde logo pode usar e fruir dobem; o credor tem a segurança de ter o próprio bem como garantia (propriedade resolúvel), uma vez que a propriedade passará ao consumidor apenas com a quitação do contrato.
Esse modelo contratual pode ser utilizado para bens móveis – sendo o mais comum para comércio de veículos automotores – mas também para bens imóveis. Nesse caso, incide o regramento dos artigos 22 a 33 da lei 9.514/97.
O art. 22 da aduz que, dada a alienação fiduciária, a propriedade do imóvel é do credor, ainda que em caráter resolúvel. Segundo o § 1º desse dispositivo, não apenas a propriedade plena pode ser cedida, mas também bens enfitêuticos, o direito de uso especial para fins de moradia e o direito real de uso.
Quando a garantia recai sobre a propriedade plena, o bem objeto da garantia não mais se encontraria no patrimônio do devedor. A propriedade resolúvel do credor, ou propriedade fiduciária, é constituída mediante registro na matrícula do bem (art. 23). O título que fundamenta o assentamento é o próprio contrato de alienação, e deve preencher os requisitos do art. 24. Nesse momento, ocorre o “desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel” (art. 23, parágrafo único).
Caso o devedor realize o adimplemento, a propriedade fiduciária é resolvida (art. 25). Apresentado o termo de quitação, o oficial promoverá o cancelamento do registro (art. 25, § 2º). Todavia, reza o art. 26 que “vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante” a propriedade é consolidada em prol do credor; o procedimento é descrito nos parágrafos do art. 26. Após a consolidação, a lei assegura a reintegração liminar na posse, com prazo de sessenta dias para desocupação (art. 30). Ainda, diz a lei que: “na hipótese de insolvência do fiduciante, fica assegurada ao fiduciário a restituição do imóvel” (art. 31).
Pelo que se percebe, vários são os meios que a lei utilizou para proteger o credor fiduciário de bem imóvel, tornando célere a satisfação da garantia, caso necessário.
Quando um devedor tem contra si essa determinação, seus bens não podem ser alienados ou transferidos para terceiros. Quaisquer imóveis da pessoa estarão indisponíveis, sendo a cláusula assentada nas respectivas matrículas dos bens.
Na prática, a indisponibilidade alcança ao bem oferecido em garantia para alienação fiduciária.Porém, nessa última situação, o que se tem é uma indisponibilidade recaindo sobre propriedade alheia. Afinal, a propriedade resolúvel é do credor, não do devedor. Assim, caso o devedor não pague pelo bem, o credor não poderá executar o contrato e consolidar a propriedade fiduciária. Ou seja, a indisponibilidade de bens contra o devedor obriga o credor fiduciário a se abster de utilizar seus legítimos poderes de domínio.
Todavia, caso o juízo já tenha ciência desse fato ou mesmo assim insista na determinação de indisponibilidade, nada pode fazer o oficial. Isso porque a qualificação registral não pode alcançar ao mérito da decisão, conforme se percebe dos seguintes julgados de processos administrativos do E. TJ/SP: apelação cível 1000328-93.2015.8.26.0451, Dje 15/3/17; apelação cível 1025290-06.2014.8.26.0100; rel. Elliot Akel, Foro Central Cível; Dje. 30/1/15; apelação cível 0001717-77.2013.8.26.0071; rel. José Renato Nalini; Foro de Bauru; Data de Registro: 19/12/13).
Com efeito, é possível postergar uma ordem para fornecer, ao juízo, informações adicionais que podem fazê-lo decidir de maneira diversa. Trata-se de uma atuação do oficial em relação a elementos extrínsecos à decisão. Contudo, uma vez que o juiz decidiu pela indisponibilidade, há decisão de mérito, o que foge à análise da qualificação do agente delegado (PEDROSO, MONTEIRO FILHO, 2017, p.122).
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (). RESp 1.493.067. rel. min.Nancy Andrighi, Dje. 24 mar. 2017. Disponível em: Acesso em 17 jul. 2019.
PEDROSO, Alberto Gentil de Almeida; MONTEIRO FILHO, Ralpho Waldo de Barros. Registro Imobiliário. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2017.
SCAVONE JUNIOR, Luiz A. Direito Imobiliário: teoria e prática. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
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*João Rodrigo Stinghen é advogado.
Fonte: Migalhas