Procurados em momentos de resolução de pendências, os cartórios de registro de imóveis ganham um espaço pouco atraente no imaginário da população, de forma que suas funções sociais e econômicas quase não são notadas. Por outro lado, é justamente a atuação desse setor, em questões como a regularização fundiária, que ajuda os municípios a se desenvolverem.
O presidente do Colégio Registral Imobiliário do Estado de Minas Gerais (Cori-MG), Fernando Pereira do Nascimento, fala sobre a importância do segmento e como ele evolui para atender a população de forma mais eficiente.
O que é o Cori e qual sua função?
O Cori é uma associação de registradoras de imóveis fundada em 2014 e hoje congrega os 320 oficiais de registro de imóveis de Minas Gerais. É importante explicar que o registro de imóveis é um dos segmentos de atuação dos cartórios.
O Cori tem objetivo de disponibilizar ferramentas aos associados para melhorar a prestação de serviços públicos e padronizar os procedimentos nos cartórios.
Temos um setor que trabalha só com essa questão da padronização, criando minutas, orientações, pareceres para os associados e para o público em geral.
Dessa forma, o Cori também faz a ponte entre as registradoras e a população, entendendo o que a sociedade está demandando dos cartórios e trabalhando com foco no usuário.
A regularização fundiária é um desafio em Minas Gerais? Por que ainda há tantas propriedades irregulares?
Há um levantamento do Ministério das Cidades que apontou que 50% dos municípios no Brasil têm algum nível de irregularidade. Isso representaria 3 milhões de imóveis irregulares em Minas Gerais.
A irregularidade surge por vários fatores: pode ser um assentamento, que é quando uma população ocupa uma região e forma uma comunidade; pode surgir de um parcelamento irregular: às vezes um empreendedor faz um parcelamento e não leva ao cartório de registro de imóveis; ou a irregularidade pode surgir na construção: às vezes o lote está registrado, mas a construção não.
E como o Cori atua nesse campo?
O Cori tem um departamento específico de regularização fundiária, que foi criado em 2014. O objetivo dele é mapear os níveis de irregularidade e ajudar a promover essas regularizações. Isso ficou mais fácil a partir de 2017, quando foi publicada a Lei 3645, que é um novo marco da regularização fundiária.
Antes, havia uma série de dificuldades para regularizar os imóveis porque se usava as mesmas leis que são usadas no dia a dia para imóveis que seguem todo o processo de regularização na origem. Mas, quando você tem uma situação de irregularidade, obviamente você tem que flexibilizar esses princípios. Se a gente tratar os imóveis irregulares da mesma maneira que os demais nenhum imóvel será regularizado.
De que forma a regularização fundiária contribui para a economia dos municípios?
A regularização é de suma importância para o município. Se observarmos as áreas regulares e as irregulares veremos nitidamente a diferença de desenvolvimento. Onde há regularização há empreendimentos, pois grandes empresas só se instalam onde há segurança da propriedade e onde possa fazer uso do financiamento. Nas áreas irregulares há um subdesenvolvimento: no máximo pequenos comércios, mas nenhum grande empreendimento.
A regularização também gera recursos para o município como tributos diretos e indiretos, pois aquece o comércio local e outros segmentos. E o grande benefício é a qualidade de vida da população: as pessoas adquirem seus títulos de propriedade e podem usá-los como investimento, as áreas passam a receber obras de infraestrutura, a região se desenvolve em qualidade de construções e de serviços.
A tecnologia e a digitalização de documentos são preocupações dos cartórios em Minas Gerais? Como o Estado avançou nesse sentido?
Vinulamos as imagens dos cartórios aos livros e papéis, mas isso tem mudado. Em Minas Gerais, 100% dos cartórios usam sistemas de informática e muitos deles têm acervos digitalizados. A inserção de tecnologia no setor começou com essa adoção de sistemas de informática em cada cartório, mas percebemos que isso não era suficiente, pois os cartórios ainda trabalhavam de forma isolada e desconectada. Isso evoluiu em 2009, quando a legislação permitiu a criação de centrais de registro.
Em Minas Gerais, o Cori liderou esse processo de criação de uma Central de Registro Imobiliário, que é uma plataforma eletrônica que conecta todos os cartórios entre si, mas também com a população, com os órgãos públicos e o judiciário. Hoje, não há necessidade de a pessoa ir até o balcão do cartório pedir uma certidão: basta solicitar pela plataforma. Desde 2016, já foram 460 mil certidões solicitadas de forma eletrônica nos cartórios de Minas Gerais. Além disso, há diversos outros serviços, como localização de bens, registros e averbação de imóvel.
O senhor acredita que os cartórios podem ser substituídos por outras soluções de tecnologia, como o blockchain?
O sistema registral é diferente em cada país, então pode ser que alguns países, como os Estados Unidos, essa substituição do setor por ferramentas tecnológicas possa acontecer. Mas no modelo brasileiro, que inclusive é o mais adotado no mundo, é inviável. A evolução da tecnologia é importante, mas ela é apenas uma ferramenta e, por si só, não garante o que os cartórios garantem: a segurança jurídica.
Antes de fazer um documento de compra e venda de um imóvel, por exemplo, o cartório vai investigar se o imóvel está regularizado, se quem está ali é de fato o proprietário e, só depois que todas essas questões foram validadas, é que o contrato é feito. Muito se fala no blockchain na substituição dos cartórios. Eu acredito que essa é uma tecnologia importante e muitos cartórios estão fazendo projetos-piloto com essa estrutura. Mas o blockchain não tem um validador dos contratos e é por isso que podemos, sim, usar essa tecnologia, mas como ferramenta do cartório.
Os cartórios ainda são enxergados pela população como ambientes burocráticos. De que forma o Cori atua para desconstruir essa imagem?
Muitas vezes essa visão tem a ver com o fato de o cartório ter que seguir requisitos legais das legislações municipal, estadual e federal. A questão é que o Estado usa os cartórios como agentes de fiscalização e é por isso que passa por esse segmento diversas verificações exigidas pelo poder público.
É claro que segmento pode pensar de forma diferente sobre os processos. Há alguns dias me reuni com o corregedor-geral de Justiça e estávamos conversando sobre o provimento, que é a norma que regulamenta a atividade em Minas Gerais. E eu apresentei a ele como o provimento às vezes burocratiza algumas questões e levei uma proposta de simplificação dessa regulamentação. A ideia é dar mais autonomia aos cartórios, de forma que eles possam, por exemplo, deixar de cumprir um requisito formal se entenderem que documentos complementares substituem aquela exigência.
Fonte: Diário do Comércio