Em 12 de março foi sancionada a Lei federal 13.811 de 2018, que proibiu no País o casamento de pessoas menores de 16 anos. Agora, o artigo 1.520 do Código Civil passa a decretar o seguinte: “Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil (1), observado o disposto no art. 1.517 deste Código”.
Até então, juridicamente era permitido que o casamento fosse celebrado, em caráter excepcional e desde que houvesse prévia autorização dos pais/representantes do adolescente ou de um juiz, quando havia gravidez. A ideia que norteava a referida autorização era de viabilizar, para a criança já em gestação, um ambiente seguro e estável que adviria da entidade familiar autorizada pelo Estado.
Além da gravidez, também era possível que houvesse casamento para “evitar imposição ou cumprimento de pena criminal” (antiga redação do artigo 1.520). A referida hipótese dialogava com o inciso VII e VIII do artigo 107 do Código Penal, os quais decretavam que a punibilidade era extinta “pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes” e “pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração”.
Desde 2005, todavia, diante da acertada revogação dos citados incisos VII e VIII pela Lei 11.106/2005 – a qual evidenciou uma importante mudança de paradigma do direito criminal -, essa permissão para o casamento já havia sido bastante mitigada.
Mostra-se inegável que a positiva alteração do Código Civil, – que nitidamente visa resguardar, principalmente as garotas, de casamentos precoces -, deu mais um importante passo para o enfrentamento deste vergonhoso problema social brasileiro.
De fato, segundo informações de diferentes organizações nacionais e internacionais, o Brasil é o quarto país do mundo no ranking dos casamentos de meninas, estando atrás somente da Índia, Bangladesh e Nigéria.
Estudo da ONG Promundo, publicado em 2015, por exemplo, informa que são 877 mil mulheres, com idades entre 20 e 24 anos, que se casaram antes dos 15 anos (11%) (2). Já de acordo com o estudo Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência (3), do Banco Mundial, existem 554 mil meninas de 10 a 17 anos casadas em nosso país, sendo mais de 65 mil entre 10 e 14 anos. De toda a população feminina brasileira, 36% se casam antes dos 18 anos.
O problema obviamente não é só brasileiro. Diante da seriedade de suas consequências – evasão escolar, alta natalidade, maior mortalidade materna e infantil, exposição aumentada à violência doméstica, manutenção do estagio de dependência financeira da esposa a terceiros, dificuldade de inserção no mercado de trabalho e de melhoria de rendimento familiar, etc. – figura como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, mais precisamente por meio da meta de erradicação dos casamentos infantis até 2030.
Somente a imprescindível mudança legislativa, todavia, não garantirá que os adolescentes estarão a salvo de constituir uma família prematuramente.
Afinal, os adolescentes poderão ficar a margem da proibição estatual simplesmente se unindo aos seus companheiros por meio da constituição de união estável (que independente de formalidades).
Portanto, para o adequado enfrentamento do problema, também é imprescindível que sejam recrudescidas as políticas públicas que enfrentem as causas que levam a constituição de famílias tão prematuramente, sabidamente, a pobreza e o estado de vulnerabilidade que esta impõe, sobretudo às jovens mulheres, a gestação precoce e a falta de instrução dos adolescentes e de seus familiares.
(1) Importante que seja lembrado que a idade núbil, pelo sistema jurídico brasileiro, continua sendo de 16 anos, sendo exigida apenas a prévia autorização dos pais/representantes legais do menor de idade ou do juiz.
(2) https://promundo.org.br/recursos/ela-vai-no-meu-barco-casamento-na-infancia-e-adolescencia-no-brasil/
(3) http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2017/03/Fechando-a-Brecha-WBL-Port.pdf
*Eleonora S. Saltão de Q. Mattos, advogada do escritório Silvia Felipe e Eleonora Mattos Advogadas – SFEM. Especializada em Direito de Família e Sucessões e Direito Processual Civil; diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/SP; e vice-presidente do NúcleoFam – Núcleo de Aprimoramento Prático de Direito de Família e Sucessões
Fonte: Estadão