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30/10/2018

Justiça paulista impede tributação de herança recebida no exterior

Moradores de São Paulo que receberam bens por doação ou herança no exterior têm conseguido, por meio de ações judiciais preventivas, impedir a Fazenda do Estado de cobrar ITCMD – o imposto que incide sobre as transmissões e doações de bens e direitos. Eles evitam, dessa forma, a aplicação de autos de infração, que incluem multa, e se livram de ter que garantir o valor do pagamento para poder discutir tais cobranças na Justiça. Essa é uma briga antiga no Estado.

A Fazenda usa a Lei estadual nº 10.705, de 2000, para cobrar o imposto. Já os contribuintes alegam que a Constituição Federal determina, no artigo 155, que tal cobrança depende de lei complementar federal e que essa legislação nunca foi editada. Não poderia, então, o Estado, por meio de uma lei própria, ditar a regra.

Já há manifestação do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) sobre o tema. Os desembargadores, em 2011, declararam a cobrança de ITCMD sobre doações e heranças recebidas no exterior como inconstitucional.

O Estado recorreu e o caso, hoje, está no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros reconheceram a repercussão geral em 2015, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já se posicionou contra o imposto, mas a matéria ainda aguarda o julgamento do plenário da Corte. Trata-se do RE nº 851.108.

Sem a decisão, no entanto, a Fazenda de São Paulo continua autuando os contribuintes toda vez que percebe as doações e transmissões de bens nas declarações de Imposto de Renda e verifica que o imposto não foi recolhido. O Estado aplica a alíquota de 4% sobre os valores envolvidos e geralmente inclui multa pelo atraso do pagamento.

Essas autuações demandam discussão no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), que julga de forma administrativa os recursos dos contribuintes paulistas, e sobre essa questão específica, afirmam advogados, as decisões são majoritariamente favoráveis à incidência do ITCMD.

É para evitar todo esse processo que eles têm se antecipado às autuações e ingressado com as ações preventivas – por meio de mandado de segurança ou pedidos de tutela. “E eles vêm sendo atendidos. A decisão do TJ [que declarou a cobrança inconstitucional] é vinculante dentro do próprio tribunal”, contextualiza o advogado Daniel Franco Clarke, do escritório Siqueira Castro.

Há ao menos cinco decisões recentes nesse sentido. A advogada Camila Xavier, do escritório L.O. Baptista, atuou em um desses casos. O cliente dela havia recebido como herança da mãe, que morava no Reino Unido, títulos, dinheiro, obras de arte e imóveis que somavam cerca de R$ 20 milhões. Se tivesse que pagar o ITCMD, seriam aproximadamente R$ 800 mil direcionados ao governo paulista.

Ela entrou com um pedido de tutela para impedir a cobrança. “Essa medida evita que o contribuinte tenha que garantir o valor cobrado pela Fazenda mediante um depósito judicial, por exemplo, ou que sofra alguma constrição patrimonial”, diz Camila Xavier.  O pedido foi aceito pela juíza Ana Luiza Villa Nova, da 16ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo (processo nº 1037128-48.2018.8.26.0053).

Existem decisões favoráveis aos pedidos dos contribuintes também na segunda instância. Dois irmãos conseguiram, na 13ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, o direito de não recolher ITCMD sobre uma doação feita pelos pais. Tratava-se de participação societária em três empresas nas Ilhas Virgens Britânicas.

“A existência de vácuo legislativo não confere ao Estado a possibilidade de exercer a competência legislativa plena em matérias que prescindem de lei complementar nacional”, afirmou, no voto, o desembargador Ricardo Anafe, ao atender o pedido do contribuinte (processo nº 1060201-83.2017.8.26.0053).

Há decisão semelhante na 10ª Câmara de Direito Público. A contribuinte havia ingressado com mandado de segurança para reconhecer a inexigibilidade do imposto sobre valores recebidos como herança do pai, que morava na França.

A quantia estava depositada em um banco do país e, segundo o relator do caso, desembargador Antonio Celso Aguilar Cortez, mesmo “ao transferir o montante para o Brasil a herdeira não poderia ser obrigada a quitar o ITCMD para obter a liberação do dinheiro” (processo nº 1000693-46.2016.8.26.0053).

Advogados chamam a atenção que essa discussão entre Fazenda e contribuintes pode ficar ainda mais acirrada por causa do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), o programa do governo federal que fixava percentuais de alíquota de imposto e multa e livrava os contribuintes com bens no exterior, até então não declarados, de responderam a ações criminais.

No artigo 7º da Lei nº 13.254, que instituiu o RERCT, consta que a Receita Federal e o Banco Central não poderiam compartilhar as informações decorrentes da regularização com municípios e Estados. O problema, afirmam os especialistas, é que apesar de existir essa previsão, a maioria dos Estados têm convênio firmado com a Receita Federal para acessar as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes. Se constar doação ou herança, acrescentam, é certo que haverá risco de autuação.

Daniel Franco Clarke, do escritório Siqueira Castro, diz que a discussão ficou ainda mais acirrada porque a Secretaria da Fazenda de São Paulo, em abril do ano passado, publicou uma norma sobre o assunto – o Comunicado CAT nº 9. Tratava especificamente sobre o ITCMD em relação aos recursos abrangidos no RERCT, com instruções de preenchimento das declarações e informações sobre o recolhimento do tributo.

Para Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, o posicionamento do Estado em relação aos valores envolvidos no RERCT, além de indevido, por não haver lei complementar que permita a cobrança, é inoportuno. “Muitas pessoas só aderiram ao programa porque existia a promessa de sigilo fiscal”, diz. E, no caso de autuação, acrescenta, o contribuinte acaba tendo que se expor judicialmente. “Para discutir uma cobrança que não é devida e por um ente que sequer fez parte do RERCT na sua origem.”

A Procuradoria-Geral do Estado foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico


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