Andando por terras portuguesas, na solitude das ruas de trás dos montes e reconhecendo alguns de nossos descobridores, veio à mente uma indagação sobre os direitos sucessórios que se originam após o reconhecimento tardio da paternidade.
Estariam eles “perdidos” juridicamente? A morte revela direitos sucessórios a aqueles que descendem, ascendem, a parentes colaterais e até em razão da relação matrimonial ou da união estável, estes dois últimos determinados pelo Código Civil de 2002, quando concorrenciais. Todavia, estes direitos só poderão ser reconhecidos com a existência do título de herdeiro, quer seja o registro de nascimento, certidão de casamento ou contrato de união estável, quando herdeiros legítimos; ou quiçá o título testamentário que institui como herdeiro desta espécie aquele escolhido pelo testador. Algumas vezes o desconhecimento da filiação faz com que retarde a busca pelos direitos sucessórios. Caberá primeiro a busca pela obtenção do título de herdeiro para posteriormente habilitar no processo de inventário. Mas pode acontecer que o conhecimento da filiação ocorra muito depois do falecimento; ou ainda, muito depois de haver terminado o inventário, com a transferência já feita dos bens aos herdeiros, até então, conhecidos e habilitados. Entretanto, não pode ficar desacobertado, quanto aos direitos sucessórios, aquele que ao tempo do inventário não possuía titularidade de herdeiro. Assim, sabiamente, a jurisprudência do Superior Tribunal, utilizando da teoria da actio nata, reconhece que o início para a postulação de seus direitos sucessórios é a data do reconhecimento da paternidade. Assim, após o trânsito em julgado da sentença que reconhecer a paternidade, fica ao alvedrio do então agora filho postular os seus direitos materiais sucessórios; e desta data começará a contar o prazo que extinguirá o seu direito sucessório. Nada mais lógico, pois o que rege o princípio da actio nata é a determinação de que não corre prescrição contra quem não possui pretensão exercitável. Sem o título de herdeiro legítimo, no caso filho, não se pode pleitear os direitos sucessórios, de ordem material. Ser herdeiro é condição sine qua non para a postulação na herança. Como a ação de investigação de paternidade é imprescritível, acaba por desaguar na consequência jurídica de que somente após a declaração desta paternidade iniciará a pretensão de reivindicar os direitos materiais, ficando assim em aberto a possibilidade de posterior pedido, mesmo após efetivada toda a transferência patrimonial para o nome dos herdeiros que outrora habilitaram. Pois bem, são as interligações que se compõe o direito de família e o direito sucessório, não podendo menosprezar a importância e valor que cada direito material tem e suas implicações nas soluções pacificadoras dos fatos. Mas ainda, não tendo retornado das terras lusitanas, a caminhada continua e as questões pululam na mente que aflige, seja por questões jurídicas, seja por questões éticas. Como poderia ficar ao relento aquele que só tardiamente conheceu a sua ascendência? Pois a solução veio de pronto, não se pode perder o direito se ele ainda não existe. Logo, o direito só será exercitável diante do seu conhecimento. E ninguém melhor que o poeta de tantas Pessoas, Fernando, para nós explicar: “Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo”. O direito sucessório coexiste ao direito da filiação! Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil e professora universitária. E-mail: monicacradv@hotmail.com |
||
Fonte: JM Online |