Se depender do presidente eleito do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Dias Toffoli, o Judiciário vai deixar de ser um obstáculo. A duas semanas de assumir o comando da Justiça do país, ele planeja usar da força do cargo para contribuir para a harmonia entre os Poderes e para se colocar como uma liderança da magistratura.
“A ideia é destravar”, diz. Os planos são muitos. Por exemplo, levantar quais são as grandes obras de infraestrutura que estão paradas por decisão judicial. Ou discutir com lideranças políticas formas para dar efetividade à Justiça — uma das principais ideias é um projeto para estabelecer que condenados pelo júri sejam presos imediatamente e não possam recorrer em liberdade.
Com o Supremo, Toffoli afirma que não pretende ser um presidente, mas um coordenador. Na prática, isso significa ouvir os outros ministros sobre suas prioridades antes de fazer a pauta, em vez de esperar que eles peçam por determinado processo. E estabelecer quais processos serão julgados com mais antecedência e previsibilidade.
Para este ano, ele avisa que não pretende colocar em pauta nada "polarizante". Portanto, ficarão pelo menos para 2019 casos como os embargos de declaração que pedem a modulação da proibição da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, ou os que pedem a definição do alcance e do cumprimento da declaração de constitucionalidade do Funrural para produtores rurais com empregados.
Ou ainda o mérito das ações que pedem a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado da condenação, exceto em casos de flagrante ou de medida cautelar. As já célebres ADCs sobre a execução antecipada da pena.
Internamente, o ministro dividiu sua assessoria de imprensa. O jornalista Adão Paulo Martins de Oliveira, ex-secretário de comunicação da Advocacia-Geral da União, trabalhará para a presidência e atenderá demandas relacionadas ao ministro Toffoli. A Secretaria de Comunicação ficará responsável pelo tribunal e pela instituição. Esse cargo deve ficar com o jornalista Marcio Aith, amigo de longa data do ministro.
A atual chefe de gabinete, Daiane Nogueira de Lira, vai para a Secretaria-Geral do Supremo cuidar da atividade-fim do tribunal. Isso envolve a pauta do Plenário, organizar a repercussão geral, as atas de julgamento, entre outras atividades. A chefia de gabinete, que cuidará da assessoria parlamentar, representação internacional e agenda do ministro, ficará com Sérgio Braune, hoje assessor. Eduardo Toledo continua na diretoria-geral do tribunal.
No CNJ, outra divisão interna importante: a secretaria-geral será dividida em duas. Uma para cuidar da atividade-fim do conselho, como os convênios, contratos, tecnologia etc., que ficará a cargo do desembargador Carlos von Adamek, do Tribunal de Justiça de São Paulo. A outra será dedicada à execução de projetos. Será comandada pelo juiz Richard Pae Kim, também de São Paulo.
Conheça alguns dos planos do ministro para sua gestão:
Infraestrutura
Toffoli pretende criar uma comissão no CNJ para identificar todas as grandes obras que estão paradas por decisão judicial. “O combate à corrupção é importante, mas as obras precisam ser concluídas”, afirma. “Quem perde com os atrasos e abandonos é o povo, que fica sem a ponte, sem a rodovia, sem a ferrovia.”
Ex-advogado-geral da União, o ministro conhece bem a realidade de obras que ficam paradas por causa de discussões burocráticas, ou de discussões sobre a licitude do contrato. Esses debates costumam ser interrompidos por liminares cujo principal efeito é engavetar os processos e embargar as obras.
De acordo com levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil tem hoje 2,7 mil obras paradas. Desse total, 517 são de infraestrutura, normalmente interrompidas no início — segundo o estudo, a maioria das obras para antes de chegar a 25% da execução. E a área que mais sofre é a de saneamento básico, com 447 obras interrompidas. O levantamento não detalha se elas foram interrompidas por decisão judicial ou não.
“Às vezes a obra está 80% concluída, mas para porque começa uma discussão sobre a licitude do contrato. A discussão tem de ser feita, mas a obra tem que terminar”, afirma o ministro. “A Justiça existe para resolver o problema.”
Retomar a colegialidade
Toffoli quer resolver o problema das cautelares monocráticas em ações de controle concentrado. Uma de suas primeiras medidas para 2019 será pautar todas as ações de controle que já foram objeto de liminar monocrática, mas ainda não ratificadas pelo Plenário. Uma vez zerado o estoque, a ideia do ministro é sempre levar as ações do tipo que tiverem pedido de cautelar ao colegiado.
É uma crítica contra a qual o tribunal tem poucos argumentos. O artigo 10 da Lei das ADIs estabelece que medidas cautelares em ações de controle concentrado só podem ser tomadas “por decisão da maioria absoluta dos membros do tribunal”. Ainda assim, tramita na Câmara um projeto de lei que quer proibir expressamente ministros do Supremo de suspender ou cassar leis por meio de decisões monocráticas.
Reação natural, dizem observadores, ao comportamento expansivo de alguns ministros. Só no primeiro semestre deste ano, o pesquisador José Carvalho identificou a imposição de cautelares monocráticas em oito ações diretas de inconstitucionalidade. Tornou-se prática frequente, escreveu, em artigo publicado na ConJur.
Repercussão geral
Toffoli pretende encampar a ideia do ministro Luís Roberto Barroso para os recursos com repercussão geral reconhecida. Basicamente, Barroso defende que o Supremo estabeleça um número fixo de repercussões gerais para reconhecer ao final de cada semestre. E assim que reconhecer a repercussão, escolher uma data de julgamento.
Os que não forem selecionados, defende Barroso, transitam em julgado, mas não produzem efeitos extensivos. Dessa forma, o Supremo consegue “se livrar” daquele recurso, mas não impedir que a tese venha a ser discutida em outro momento.
É que não há muito como fugir da constatação de que o Supremo reconheceu mais repercussões gerais do que tem condições de julgar. Entre 2007 e janeiro deste ano, havia reconhecido a repercussão de 661 casos, mas só julgou 359 deles. Segundo as contas do ministro Barroso, a corte hoje consegue julgar 35 recursos com repercussão geral por ano — se só julgasse isso, seriam necessários oito anos para dar conta do acervo que já está lá, sem receber nenhum processo novo, calculou o ministro em seu artigo Como Salvar o Sistema da Repercussão Geral, publicado em março em parceria com o juiz Frederico Montedonio.
Harmonia entre os Poderes
O artigo 2º da Constituição diz que os Poderes da União são “independentes e harmônicos entre si”. Mas Legislativo e Executivo passam por uma crise de legitimidade que dá ao Judiciário tamanho maior do que o planejado pelos constituintes, criando atritos institucionais.
A estratégia de Toffoli para enfrentar esse quadro é fazer reuniões mensais e públicas com o presidente da República e os presidentes da Câmara e do Senado, os quatro juntos. A intenção é discutir projetos e ideias e passar para a sociedade a ideia de harmonia, previsibilidade e respeito mútuo. “Isso é simbólico, significa investir em segurança jurídica, dizer que não conversamos só quando aparece um problema, mas para discutir o país também”, diz.
Uma dessas ideias é remodelar o teto do funcionalismo público e fazer com que o tribunal deixe de ser a referência salarial. As remunerações dos servidores são, por regra constitucional, porcentagens dos salários dos ministros. “É um sistema que pesa sobre os ombros do tribunal e da instituição”, diz Toffoli. A proposta é que se construa uma nova forma de limitar o salário dos servidores sem que o salário dos integrantes do Supremo sirva de referência e sem vinculações automáticas.
Outro projeto é acabar com penduricalhos como auxílio-moradia, auxílio-creche etc. e incorporar tudo isso ao salário. Até porque o parágrafo 4º do artigo 39 da Constituição estabelece que o salário do funcionalismo público deve ser pago em parcela única. E o Supremo já decidiu, no Recurso Extraordinário 609.381, que o teto do funcionalismo tem aplicação imediata e obrigatória. O recurso tinha repercussão geral reconhecia e foi relatado pelo ministro Teori Zavascki.
Cultura da magistratura
Toffoli espera receber o quanto antes estudo encomendado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) à PUC-Rio sobre o perfil da magistratura brasileira. Segundo ele, é importante investir na formação cultural dos juízes, e não apenas jurídica. Nem só da leitura de códigos esquematizados pode viver um magistrado, afirma o ministro.
Ele pretende criar um canal de troca de informações e ideias entre o CNJ e as escolas de magistratura para contribuir com a formação dos juízes, que têm ingressado na carreira cada vez mais jovens e menos vividos. A falta de uma formação mais ampla do ponto de vista humano e social foi identificada como uma causa de insegurança jurídica pelo ministro e por seus interlocutores — entre eles, o ministro Humberto Martins, próximo corregedor nacional, e o ministro João Otávio de Noronha, atual corregedor e presidente eleito do Superior Tribunal de Justiça.
Para o ministro Toffoli, a única forma de estancar o problema do desrespeito sistemático às decisões do Supremo pelas instâncias locais é investir na formação. “O juiz não pode imaginar que está resolvendo a briga dos vizinhos. O Judiciário define questões sociais e suas decisões influenciam na sociedade”, diz. “O juiz precisa entender que suas decisões têm consequência.”
Justiça penal
O ministro tem se preocupado com a influência que a falta de efetividade do sistema de justiça tem sobre a segurança pública. Durante a discussão de um Habeas Corpus em que o ex-presidente Lula argumentava a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena, Toffoli foi claro no diagnóstico: o problema não é o sistema recursal, mas o primeiro grau. Segundo ele, só 8% dos júris são instalados depois que se conclui que houve crime contra a vida.
Uma das ideias é justamente estabelecer que o réu pode ser preso já depois da decisão do júri, com base no princípio da soberania do tribunal do júri. Seria voltar ao sistema anterior à Lei Fleury, uma alteração de 1973 no Código de Processo Penal que autorizou a réus primários com residência fixa a recorrer de condenações por homicídio em liberdade.
Toffoli também pretende usar o CNJ para estudar formas de dar proteção a vítimas de violência, especialmente crianças, e de violência doméstica. Segundo ele, há experiências de sucesso já transformadas em modelo pela Comissão de Direitos Humanos da União Europeia e que podem ser traduzidas para o Brasil. O que falta aqui, segundo o ministro, são políticas que olhem para as vítimas, e não só para punir quem comete crimes.
Tripé
“O juiz tem que ter transparência, eficiência e responsabilidade”, defende Toffoli. Para transformar o tripé em realidade, ele pretende usar o CNJ para comandar o investimento do Judiciário em tecnologia e se acostumar ao uso de inteligência artificial para ajudar na gestão.
Por “transparência”, Toffoli entende que a sociedade precisa ter acesso irrestrito a todos os processos judiciais em trâmite — exceto os sigilosos — sem grandes dificuldades. Até para mostrar eficiência e possibilitar a responsabilização, caso fique claro que o juiz ou tribunal não está resolvendo os problemas que lhe são postos a tempo.
Uma frente importante nesse passo são as execuções fiscais. Elas respondem por quase 40% de todo o acervo de processos do país e são de responsabilidade do Estado. Programas de computador podem agilizar tarefas burocráticas como levantamento de bens, rastreamento do endereço, conta bancária e outras tarefas que atrapalham o andamento processual.
Outro passo é consolidar o PJe como ferramenta de processo eletrônico e investir em interoperabilidade com os sistemas usados por outros tribunais. Com isso, acredita o ministro, os juízes deixarão de perder tempo com relatórios e informes de cumprimento de metas, porque a fiscalização será automática, em tempo real — e sempre acessível aos jurisdicionados.
Fonte: Conjur