Na abertura da audiência pública sobre penalidades por atraso na entrega de imóveis, promovida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta segunda-feira (27), representantes de entidades de classe, defensores dos consumidores, professores e outros especialistas discutiram a cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal e a possibilidade de inversão desta última contra a construtora.
As discussões fornecerão subsídios para os ministros da Segunda Seção do tribunal julgarem recursos repetitivos sobre essas duas controvérsias jurídicas, registradas como Temas 970 e 971. O andamento dos processos pode ser acompanhado na página de repetitivos do STJ. A audiência foi convocada pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator dos recursos.
A advogada Maria Catarina Bustos Catta Preta falou em nome de uma das recorrentes, compradora de imóvel entregue com atraso. Ela defendeu a justa indenização ao consumidor em virtude do planejamento financeiro feito para a aquisição de um imóvel, e comentou os transtornos advindos do atraso contratual.
“O consumidor não é um investidor e deve ser amparado. As multas são irrisórias, em alguns casos é de R$ 30 por mês para quem passa mais de um ano esperando o imóvel. É preciso garantir igualdade contratual entre as partes”, afirmou.
O advogado da recorrida, André Jacques Luciano Uchôa Costa, argumentou que as construtoras não têm nenhum interesse nos atrasos, já que isso acarreta prejuízo à sua imagem. Ele mencionou o esforço de todos os envolvidos na incorporação para entregar os imóveis dentro do prazo, e questionou os valores de indenização pedidos.
“Em um imóvel de R$ 116 mil, temos um pedido de indenização de R$ 95 mil por supostos 19 meses de atraso. Os valores não podem ser exagerados para não gerar enriquecimento sem causa”, disse.
Cláusula penal
O professor Otávio Luiz Rodrigues Junior, da Universidade de São Paulo (USP), destacou a bilateralidade que as cláusulas devem ter, para não privilegiarem uma parte. “Nós temos um duplo problema que é a cumulação de pedidos com a unilateralidade da aplicação de uma cláusula em favor de uma parte”, comentou o professor ao sugerir o equilíbrio nas relações.
Para o professor Flávio Tartuce, também da USP, a própria legislação já traz a solução em muitos casos, tendo em vista que as penalidades devem ser vistas por ambos os lados envolvidos na relação. Ele apontou o risco de cláusulas contratuais estabelecidas sem pactuação, como a multa unilateral, no estilo “pegar ou largar”.
Eduardo Abreu Biondi, da OAB/RJ, alertou para o possível risco da inversão da cláusula penal em primeira e segunda instância, esvaziando o debate nos tribunais superiores: “O magistrado pode aplicar o entendimento e impossibilitar a discussão no STJ, em virtude da Súmula 7, que impede o reexame de provas.”
O representante da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação, Alexandre de Barros Tavares, lembrou que atualmente as divergências ocorrem apenas nas cortes estaduais, já que no STJ a solução para ambos os temas é pacífica: “Podemos citar vários julgamentos do STJ nos temas discutidos. As questões já foram pacificadas há muito tempo, tanto no tema 970 quanto no 971.”
O professor da USP José Fernando Simão afirmou que há um óbice para a inversão da cláusula penal, já que a discussão nos contratos versa sobre obrigações de natureza diversa. “Como aplicar da mesma forma já que estamos falando de obrigações distintas? Não podemos inverter coisas distintas”, declarou o professor.
A audiência pública continua. Os debates podem ser acompanhados pelo canal do STJ no YouTube.
Fonte: STJ