A tão famigerada pensão alimentícia que incita as partes (credor e devedor) a grandes discussões deve ser tratada com a delicadeza que lhe é própria e com as peculiaridades de um crédito diferenciado dos demais.
O que por via de consequência acaba também reverenciando o credor, em seu direito de cobrar os alimentos inadimplidos, por uma forma diferenciada das demais, ou seja: a prisão por dívida alimentar. O único crédito civil que aceita a restrição da liberdade. O que implica pela mesma forma dar um tratamento diferenciado ao devedor, no tocante a prova do cumprimento do pagamento.
Escolhida pela legislação e oferecida ao cidadão/credor estas duas modalidades de recebimento, ao devedor resta comprovar o pagamento, pagar ou justificar porque não o fez. E ao Estado, na figura do Juiz, ao resolver a questão, acaba por finalizar e apontar se caberia ou não considerar paga ou inadimplida a dívida.
Pois bem, o devedor, não raras as vezes, não cumpre o pagamento na forma devida, mas sim, adequando as necessidades do credor, que assentiu tacitamente, e o pagamento é feito não em dinheiro, mas in natura.
Todavia, após reiterados pagamentos de forma diversa daquela sentenciada ou acordada eis que surge o credor, intencionalmente, querendo receber o débito, com a simplista alegação de que não houve pagamento como devido.
Pasmem, mesmo com a anuência e concordância, tácita, do credor, o devedor efetuou o pagamento de forma diversa do que havia sido sentenciado ou acordado, como já dito, e agora eis que surge o credor não reconhecendo aquela forma de pagamento que recebeu.
Esmiuçando... a condenação foi pagamento de um valor econômico, mas o devedor acaba convertendo este valor e pagando a escola diretamente, e não entrega o dinheiro nas mãos do credor.
E lá vem o credor, as barras da Justiça, querendo fazê-la!!!
Ciente e consciente de haver recebido o valor de seu crédito através do pagamento da escola, conforme o exemplo, e não diretamente o dinheiro correspondente, alega que o devedor está inadimplente e requer sua prisão.
Como dito inicialmente, o crédito alimentar tem peculiaridades, a exemplo da incompensabilidade, melhor dizendo, o devedor não pode se valer de algum pagamento feito ao credor para se isentar da pensão. Pensão é pensão e é sagrada.
Com a magnitude que é peculiar a Nossa Corte Superior, em recente julgado, entendeu que esta regra de incompensabilidade não é absoluta, pode ser sopesada e via de consequência suavizada, comportando a exceção quando o pagamento da pensão, que é somente em dinheiro, foi adimplido in natura, por um período expressivo e significante para o credor.
Haja vista que, a reiterada substituição da forma de pagamento, ao invés de dinheiro ser in natura, sem qualquer oposição do credor, e mais este pagamento estar dentre os benefícios da subsistência primordial do credor, sem qualquer oposição, não desnatura e nem lhe retira a força de pagamento da referida pensão alimentícia.
A atenção maior é para estas três características: o pagamento in natura não pode acontecer de forma eventual, não haver a oposição do credor e este pagamento incluir bens primordiais ao credor.
A excepcionalidade para aceitar como forma de pagamento de pensão alimentícia de modo diverso da que foi acordada ou sentenciada visa sempre a não eventualidade, razão da possível compensação do pagamento in natura outrora feito ao crédito em execução.
Tudo isto atentando a coibição do enriquecimento sem causa por parte do credor da verba alimentar, que recebeu o benefício em igual valor, mas de forma diferente a acordada, e agora insurge desejante em cobrar algo que já recebeu.
O Poder Judiciário tem a nobre missão de sempre separar o joio do trigo, sob pena de não o fazendo acabar estragando o alimento!!
Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil e professora universitária
Fonte: JM Online