O desembargador José Renato Nalini, Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, fala sobre as conquistas do Provimento n° 19, a polêmica da mediação e crava: "Se dependesse da vontade do Corregedor, inúmeras outras atribuições seriam desempenhadas por essa família forense que é o extrajudicial".
Os últimos dois anos foram de intensas mudanças para o serviço extrajudicial paulista. Novas normas de serviço que modernizaram os registros solucionando questões controversas sobre casamentos homoafetivos, registros de natimortos, união estável. Provimentos avassaladores que alteraram a forma de trabalhar dos cartórios, possibilitando a emissão de certidões digitais, certidões à distância e interligações interestaduais. Normas que delegaram novas atribuições aos cartórios paulistas, como a mediação, e que começam a se espraiar para todo o País.
Por trás de todas estas inovações, a capacidade e o conhecimento de um magistrado ímpar. Iniciando o último semestre de sua gestão, o desembargador José Renato Nalini, Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, não para. No mês de julho percorreu todas as Comarcas paulistas e inicia a busca para uma intricada questão: a viabilização dos cartórios deficitários. Nesta entrevista, exclusiva à Arpen-SP, o Corregedor dá o aviso: “dentro de alguns meses, no máximo, teremos alguma novidade no front”.
Arpen-SP - O Provimento 19/2012, que deu origem à Central de Informações do Registro Civil, acaba de completar 1 ano. Já contém 20 milhões registros e por ela 78 mil certidões eletrônicas já foram emitidas. Unidades Interligadas em maternidades de todo o Estado de São Paulo já emitiram mais de 360 mil certidões de nascimento. Como avalia os resultados do Provimento?
José Renato Nalini - Sinto-me gratificado e credito o êxito à parceria estabelecida entre a Corregedoria Geral da Justiça e as entidades de classe dos parceiros extrajudiciais. Como visitei todo o interior paulista em julho de 2013, pude perceber a satisfação dos Oficiais e dos usuários ante a facilidade gerada com a obtenção de certidões num lapso temporal inimaginável. É uma forma de se comprovar que o extrajudicial descobriu o caminho da eficiência e resolve os problemas dos interessados no mesmo ritmo das demais prestações oferecidas pela iniciativa privada. Ainda há muito a percorrer nessa trilha, mas passos iniciais foram importantes e testemunham a possibilidade de se aprimorar a cada dia essa relevante delegação estatal.
Arpen-SP - Como avalia os benefícios que esta Central trouxe para o cidadão que precisa de uma segunda via de certidão?
José Renato Nalini - As pessoas vinculam a obtenção de segundas vias ou mesmo da primeira, quando não dispõem dela, com burocracia, demora, complexidade. Quando percebem que podem obter em algumas horas o documento se surpreendem e recobram uma parcela da autoestima vulnerada quando não recebem o melhor tratamento por parte de qualquer agência estatal. Além do benefício em si, a celeridade colabora para a formação de um conceito verdadeiro de cidadania, que é o direito a ter direitos. Tomara que os demais Estados membros se apressem para participar dessa experiência exitosa, que serve para todo o Brasil.
Arpen-SP - São Paulo e Espírito Santo agora são Estados interligados. O novo serviço permite, entre outras coisas, ao cidadão que nasceu em território capixaba e hoje mora em São Paulo solicitar e receber certidões de nascimento, casamento ou óbito do Espírito Santo em qualquer cartório paulista, o mesmo ocorrendo vice-versa. Como avalia a importância desta iniciativa?
José Renato Nalini - O sistema funciona e isso está comprovado. Agora, é conscientizar as demais unidades da Federação a que se ajustem ao projeto. Tecnologia existe e está disponível. Falta apenas vontade. As associações de classe, notadamente a Arpen-SP, podem colaborar para acelerar essa expansão. Basta mostrar como é que o sistema funciona a contento em São Paulo e no Espírito Santo.
Arpen-SP - Vê a possibilidade de ampliação desta rede para todo o País, interligando todos os cartórios de Registro Civil brasileiros?
José Renato Nalini - Naturalmente. Respeitadas as diferenças entre os Estados membros, é uma questão de vontade política. A cidadania das unidades da Federação ainda não assistidas por esse direito deve provocar os responsáveis para que a disseminação não demore a atingir todo o território nacional. Assim como as redes virtuais já cobrem todo o planeta e propiciam contato imediato com qualquer parte do mundo, pois este é interligado e se torna cada vez menor, em termos de comunicação e informação.
Arpen-SP - Que balanço faz da situação atual dos cartórios de Registro Civil no Estado de São Paulo após as visitas correicionais realizadas em todo o Estado?
José Renato Nalini - Tenho encontrado todas as situações que se possa imaginar. Num balanço geral, tenho de louvar o entusiasmo dos Oficiais das pequenas unidades, que não desistem, mesmo diante das vicissitudes. Repito à exaustão: o Registro Civil das Pessoas Naturais é o mais importante dentre os serviços extrajudiciais. Aquele que atende a todos, indistintamente. Aquele de que todos necessitam. Aquele que está a participar do dia mais feliz e do dia mais triste de cada cidadão. Merece toda a atenção da sociedade e, nesta gestão da Corregedoria Geral da Justiça, penso ter evidenciado o carinho e o respeito que devoto a quem se encarrega dessa delegação estatal. Comprovei que em muitos municípios e distritos, o Registrador Civil é a única presença efetiva do Estado que ouve, atende, assiste, orienta, aconselha e resolve problemas de toda a ordem. Não apenas jurídicos.
Arpen-SP - Em qual estágio estão os projetos que tratam da melhoria das condições das serventias deficitárias?
José Renato Nalini - Tenho estimulado discussões e estudos e gostaria de anunciar algo de efetivo antes de terminar minha gestão. Preocupa-me realizar tantos concursos - já estamos no nono certame, depois da legislação de regência - e verificar que há Registros Civis que permanecem vagos ou, pouco tempo depois de escolhidos, são alvo de renúncia. É preciso também disseminar uma consciência de que o concurso, para os iniciantes, oferece uma fase inicial difícil, antes de propiciar as remoções e a conquista legítima de serventias mais sedutoras. Penso que dentro de alguns meses, no máximo, teremos alguma novidade no front.
Arpen-SP - Com amplo apoio da sociedade o Provimento n° 17 sobre mediação ainda não é aceito pela OAB. Como avalia esta resistência?
José Renato Nalini - Estranhei o repúdio. Pensei, depois de 40 anos de Magistratura, que conciliar é dever de todos. Independentemente de profissão, de formação, de cargo ocupado. A Constituição da República se apoia sobre o fundamento da resolução pacífica das controvérsias. Todos reconhecem a situação aflitiva do Judiciário com quase 100 milhões de processos, o que é uma patologia. Na verdade, o Judiciário está na UTI, se analisados apenas os números, hoje disponíveis pelo trabalho do CNJ no programa "Justiça em Números". Depois, os notários e registradores já desempenham essa função pacificadora. Devem ser capacitados a conciliar. Nada mais justo que se reconheça, institucionalmente, essa condição e se estimule o trabalho preventivo que, além de solucionar controvérsias, é muito mais ético do que a decisão judicial. Esta é uma intervenção estatal que nem sempre satisfaz a parte, convertida em objeto da deliberação, não em sujeito, embora a doutrina fale em "sujeito processual". Pelo nosso sistema, depois de relatar o fato concreto ao profissional provido de capacidade postulatória, o interessado não tem qualquer outra participação ativa no processo, enquanto que no sistema da conciliação e mediação, ele continua a participar, cresce como indivíduo e como cidadão. Sente-se responsável pela solução que vier a ser alcançada. Acreditei que os advogados fossem os primeiros a adotar as inúmeras formas de negociação que o pragmatismo anglo saxão propicia, pois há mais de 50 modalidades já utilizadas no esquema das ADR norte-americanas (Alternative Dispute Resolution). A sociedade precisa amadurecer e concluir que o melhor é obter a harmonia, independentemente de lançar as pessoas à aventura interminável dos processos, que devem ser reservados apenas para as questões intrincadas e complexas, que não podem dispensar a atuação de um juiz.
Arpen-SP - Recentemente o senhor disse em que “a gestão está chegando o fim, mas ainda não acabou, há muito que fazer”. Quais são os projetos para os próximos quatro meses da Corregedoria?
José Renato Nalini - Estamos revisando tudo aquilo que se pleiteou e não mereceu resposta. Conseguimos, com a ajuda de colegas desembargadores devotados, percorrer todas as comarcas e foros distritais do Estado. Continuo a visitar os Registros Civis e, se houver vontade dos demais delegados, pois a visita se faz aos sábados, também percorrer Tabelionatos e demais Registros. Faço questão de levar a cada delegado e a cada servidor a mensagem de que a Corregedoria Geral da Justiça compreende e reconhece o protagonismo e a relevância daquilo que se concretiza em termos de jurisdição voluntária e que, dependesse da vontade do Corregedor, inúmeras outras atribuições seriam desempenhadas por essa família forense que é o extrajudicial. Aliás, sou do tempo em que as serventias acumulavam as funções e tudo funcionava a contento. Vamos terminar a revisão e atualização das Normas de Serviço, sempre com o objetivo de facilitar o acesso à possível segurança jurídica propiciada pelos extrajudiciais. E ainda elaboramos uma História da Corregedoria, missão difícil, pois não costumamos preservar a memória. Contudo, alguns fragmentos do que se conseguiu amealhar, nessa trajetória que tem um marco em 1927, serão publicados. Para permitir à posteridade acompanhar o aperfeiçoamento de um órgão que nasceu com a missão de punir e que aos poucos se convenceu de que prevenir - assim como ocorre com a Justiça Criminal - é mais salutar. Daí a vocação de orientação, aconselhamento, apoio, modalidades mais eficientes de se aperfeiçoar a Justiça. A proposta da Corregedoria é investir na qualidade da prestação jurisdicional e dos préstimos extrajudiciais. Não se pode transigir com qualquer espécie de injustiça, pois esta, mesmo em doses homeopáticas, é fatal. E aproveito para agradecer à Arpen-SP a exitosa parceria, a confiança, o prestígio e a disponibilidade para enfrentar os desafios postos por uma sociedade que quer mais e tem direito a esse contínuo aprimoramento do sistema de Justiça, o qual todos integramos.