“Quando elas chamam ‘mamãe’, nós sabemos, pelo tom de voz, qual mãe elas querem. Quando a gente responde errado, elas falam: ‘Não, é a outra mamãe’”, diz, orgulhosa, Mônica Drumond, mãe de Giovanna, 5 anos, e Lorena, 3.
“Mamãe, eu nasci da sua barriga?”, perguntou Giovanna à mãe Jeanne d’Arc Tostes Drumond.
“Não minha filha, você nasceu de uma outra barriga.”
“De qual barriga que eu nasci então, da Mamamon?”
“Não, você nasceu da barriga de uma moça.”
“Como essa moça se chama?”
“Filha, eu não sei o nome, mas ela fez você para nós.”
Assim, as mães Mônica e Jeanne vão lidando com as demandas da pequena Nana, que, aos poucos, vai ficando curiosa sobre sua origem.
É a mãe Mônica quem explica os apelidos carinhosos pelos quais as filhas as chamam. Mamamon é de “mamãe Mônica”, e Babadi foi uma transformação de “mamãe Di”. “Di era uma forma carinhosa pela qual eu chamava a Jeanne, por isso criamos o nome ‘mamãe Di’, mas Giovanna o transformou em Babadi”, conta a empresária.
A segunda adoção
As mães contam que procuraram a Vara Cível da Infância e da Juventude de BH para entrar com o processo de adoção e se habilitarem. Depois disso, receberam a visita da equipe em sua casa, foram entrevistadas pela psicóloga e pela assistente social e fizeram o curso preparatório, que elas, aliás, elogiam muito. “Entramos com o pedido de habilitação para adotar a Lorena pelo desejo de que a Giovanna, nossa filha mais velha, tivesse uma irmã”, conta Mônica. O perfil solicitado pelo casal era de uma menina de 0 a 3 anos, de qualquer raça, saudável ou com doença curável. Elas foram contatadas para ver gêmeas e, numa outra ocasião, para ver uma criança com doença tratável, mas não curável. Elas avaliaram que não teriam condições de ter mais de duas filhas, e adotar uma criança que demandaria cuidados especiais também seria inviável, uma vez que as duas trabalham o dia todo para poderem dar uma vida confortável para as filhas.
Quando os profissionais da vara cível localizaram a Lorena, o casal foi chamado. A equipe relatou às mães as condições do nascimento da menina e de sua saúde e perguntaram se elas queriam ver fotos. As mães responderam que preferiam ver a criança ao vivo e em cores e foram buscá-la no abrigo. “Então conhecemos a Lôla, com nove meses. Ela era muito brava, e é até hoje, era também muito arredia, até que aos poucos foi relaxando... Demorou para falar ‘mamãe’, mas agora ela é superagarrada a nós”, lembra Mônica.
As mães sonham com um futuro promissor para suas pequenas. Fazem questão que tenham ensino de qualidade, pratiquem esportes e aprendam outras línguas. “Queremos prepará-las, dar o peixe e também ensinar a pescar”, diz Jeanne. Ela, que é dentista, se preocupa especialmente com a saúde das filhas e já planeja congelar os seus dentes de leite em clínica especializada. Jeanne explica que a ideia é preservar as células-tronco presentes na parte interna do dente, chamada de polpa, uma vez que não foi possível congelar o cordão umbilical das pequenas Nana e Lôla.
A realização da maternidade
“Ao adotá-las, nosso desejo era exercer a maternidade, aumentar nossa família, criar um laço maior, nos completar... Éramos só nós duas e estava faltando alguma coisa”, diz Mônica. “E, agora, a gente percebe que não era ‘alguma coisa’, era muita coisa”, completa Jeanne. “O que nos impede de ter mais filhos é a questão financeira, adoraria que fossem uns dez, a casa cheia de crianças, aquela mesa enorme... e esperamos ter saúde para ver nossos netos”, continua.
Além das filhas, o casal apadrinha um adolescente, que trabalha na empresa de próteses de Mônica, e uma outra criança, que passa finais de semana com elas. Para apadrinhar, também é necessário passar pelo estudo psicossocial da vara cível, então elas dizem que já estão peritas no assunto. Apesar do incômodo de serem avaliadas, elas reconhecem a necessidade da pesquisa e do cuidado dispensado pela Justiça para evitar situações de abuso de crianças que já passaram por situações de abandono.
“Para os pais adotivos são tantas exigências... Temos que contratar advogado, é uma devassa nas nossas vidas, somos sabatinados. A Justiça tem que ter certeza de que aquelas pessoas estão dispostas a serem de fato pais e mães. Qualquer um pode ter filho biológico, mas para adotar o rigor é enorme. Não falo criticando, tem que ser assim mesmo, porque é uma situação de muita responsabilidade”, diz Jeane. “Eu entendo a demora, a exigência, mas não é confortável. O nosso sonho agora é ter as certidões das nossas filhas”, completa Mônica.
Perguntas inconvenientes
“O que é inconveniente é o tanto que as pessoas fazem perguntas, na frente das nossas filhas, por pura curiosidade. Uma senhora no supermercado perguntou: ‘Ela é moreninha assim porque o pai era escuro?’. Eu respondi: ‘Não sei, não me lembro’”, diz Mônica, com muito bom humor, e completa: “Somos normais, está tudo certo” (risos).
Segundo Jeanne, às vezes a vontade é responder: “Quer saber por quê? Vai fazer diferença na sua vida?”. Elas dizem que passam por “poucas e boas”, contam que inúmeras vezes já ouviram as perguntas: “São suas netas?”, “São irmãs de verdade?”. E elas respondem, ainda que as filhas não sejam irmãs biológicas: “Sim, são irmãs de verdade”. “E ela?”. “Ela é minha esposa”. Jeanne e Mônica contam que já passaram por situações inacreditáveis que se repetem com frequência. Ao constatarem que a família é formada por um casal de mulheres brancas com duas filhas negras, as pessoas sempre têm uma história sobre adoção ou sobre um casal homoafetivo que conhecem para contar. Mas o que mais as incomoda é o fato de muitos considerarem que a adoção é uma ação de caridade. “Isso magoa, a gente não faz caridade, nós criamos nossas filhas, são nossas filhas”, enfatiza Jeanne.
Casadas oficialmente, elas sabem que são uma família diferente, que não passa desapercebida numa esquina, e avaliam que uma mudança de cultura para a aceitação natural da adoção e do casamento homoafetivo é uma esperança para as próximas gerações. “Somos responsáveis por começar essa transformação”, afirma Mônica.
Fonte: TJMG