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28/02/2018

Advogada explica testamento vital

O testamento vital – ou diretivas antecipadas, como prefere Márcia Sabino de Freitas – pode ser feito por meio de instrumento particular registrado nos cartórios de Títulos e Documentos

Doutora em Saúde Pública e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Márcia Araújo Sabino de Freitas concede ao Informativo do IRTDPJBrasil uma entrevista sobre a importância do testamento vital, documento por meio do qual a pessoa especifica os tratamentos médicos que deseja ou não receber, caso lhe venha faltar capacidade para decidir sobre essas questões.

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a entrevistada cursou Bioética na Universidade de Georgetown/EUA e é advogada associada do escritório Botelho Advogados.

Informativo IRTDPJBrasil – Hoje, fala-se muito sobre o testamento vital. Conte-nos um pouco sobre a importância desse instrumento.

Márcia Araújo Sabino de Freitas – Em razão da designação “testamento vital” poder levar a confusões (sobretudo por poder fazer crer que se relacionaria com o testamento do direito sucessório) e me parecer também muito imprecisa, prefiro utilizar a expressão “diretivas antecipadas de vontade”. Há quem diga que os dois termos são equivalentes perfeitos. Mas, em sentido estrito, nos Estados Unidos, a locução “living will”, da qual advém a designação “testamento vital”, se refere mais precisamente a disposições sobre os tratamentos futuros aos quais a pessoa deseja se submeter caso perca a capacidade de tomar decisões. Já “advanced directives” (diretivas antecipadas) engloba quaisquer manifestações de vontade sobre tratamento médico futuro, o que pode incluir também, por exemplo, a nomeação de um procurador de saúde.

As diretivas antecipadas são importantes para salvaguarda de direitos dos pacientes e de suas manifestações de vontade. Destaco seu impacto inclusive nos tão importantes direitos da personalidade – aqueles essenciais, fundamentais, à pessoa, como a disposição sobre o próprio corpo – que são centrais ao fundamento de todo o direito brasileiro.

Passamos toda uma vida fazendo escolhas variadas e tendo poder de decisão sobre nossos projetos pessoais, nossa trajetória, nosso corpo e nossos valores. Como esse direito pode não ser resguardado logo quando estão em jogo algumas das decisões mais importantes para a pessoa? Então, esse direito de decidir deve ser mantido nos momentos críticos e finais da vida – que podem até ser alguns dos mais importantes na vida do sujeito!

Além disso, as diretivas antecipadas podem prestar grande auxílio ao corpo clínico, que provavelmente se sentiria mais seguro em suas decisões tendo notícia de quais escolhas e caminhos os pacientes gostariam que fossem feitos se pudessem se manifestar naquele momento.

Como fazer o testamento vital? Existe em nossa legislação algum procedimento específico?

As diretivas antecipadas podem ser realizadas tanto oralmente como por escrito e não há formato específico para sua execução. Recomenda-se, no entanto, que as diretivas sejam feitas por escrito e até trazidas aos prontuários, para maior garantia de sua aplicação nos momentos em que se fizerem necessárias.

Não há lei no Brasil que regule as diretivas antecipadas de vontade. O Conselho Federal de Medicina, no entanto, editou a Resolução 1.995/2012, dispondo sobre a matéria da seguinte maneira:

“Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

  • 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.
  • 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.
  • 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
  • 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.
  • 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente”.

Destaco que, em 2013, em resposta à publicação dessa resolução, o Ministério Público Federal ingressou com a Ação Civil Pública n. 1.039-86.2013.4.01.3500 em face do Conselho Federal de Medicina. Na sentença, favorável a este, a juíza da 1ª Vara Federal de Goiânia entendeu que:

“É de todo desejável que tal questão venha a ser tratada pelo legislador, inclusive de forma a fixar requisitos atinentes a capacidade para fazer a declaração, sua forma, modo de revogação e eficácia.

Todavia, dado o vazio legislativo, as diretivas antecipadas de vontade do paciente não encontram vedação no ordenamento jurídico. E o Conselho Federal de Medicina não extrapolou os poderes normativos outorgados pela Lei n. 3.268/57”.

O Supremo Tribunal Federal já analisou essa matéria?

Não, o STF ainda não se pronunciou sobre o assunto. Assim, por ora, temos apenas essa norma administrativa, direcionada aos médicos, acerca das diretivas antecipadas de vontade, que permanecem sem legislação que estabeleça procedimentos e formalidades específicas.
São válidas, portanto, todas as formas de expressão de diretivas antecipadas, inclusive oralmente.

Qualquer pessoa está apta a fazer o testamento vital?

A princípio, qualquer pessoa que tenha capacidade para os atos da vida civil (vide capítulo I do Código Civil, sem se esquecer das alterações realizadas pela recente Lei n. 13.146/2015) pode realizar diretivas antecipadas. E essas diretivas serão válidas desde que não estejam a contrariar a lei. Isso é o que temos na legislação. Contudo, a bioética alerta para a necessidade de que as escolhas realizadas pelos pacientes sejam informadas (ou seja, que haja a compreensão das informações necessárias para a tomada da decisão) e livres (isto é, que não ocorra a manipulação da vontade ou a intervenção excessiva de terceiros).

O que seria o mandato duradouro, termo muitas vezes relacionado ao testamento vital?

É a nomeação, pelo próprio paciente, de um representante, que é uma pessoa de sua confiança, para tomar decisões de saúde em seu lugar quando não puder manifestar sua vontade. Utiliza-se também a expressão “procurador de cuidados de saúde”, ou as suas correspondentes em inglês, como “durable power of attorney”, “proxy directive”, “medical power of attorney”.

Esse representante não precisa ser o representante legal da pessoa. Também não se confunde com seu curador, que se ocupa dos bens da pessoa incapaz, não de suas decisões de saúde em fim de vida.

Não há qualquer norma no Brasil dispondo sobre requisitos para o procurador de cuidados de saúde, mas, para evitar futuros questionamentos na Justiça e eventuais conflitos de interesse, recomenda-se que o paciente não indique para essa função pessoa beneficiária de seu testamento.

Fonte: IRTDPJ - Brasil


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