Adquirir um imóvel próprio é o sonho de muitas pessoas nesse país e requer esforço, dedicação e motivo de muito trabalho. No entanto, algumas vezes, a realização desse sonho pode ser frustrado ou se tornar um pesadelo. O conhecimento adequado para realização de um negócio ágil, menos oneroso e com a devida segurança jurídica é crucial.
Na hora de se organizar com a papelada para aquisição do bem é sempre bom consultar pessoas especializadas no setor imobiliário, pois a aquisição de um imóvel é um ato solene, prescrito em lei, bem diferente da aquisição de um carro, por exemplo. Este último se forma pela tradição, e requer atos simples como o reconhecimento de firma dos partícipes no recibo do documento do carro, registro no Detran e a assim a transferência da propriedade ao novo dono. Já a aquisição de um bem imóvel requer etapas mais complexas, às quais requer muita atenção com a documentação, e se perfaz com o registro da escritura pública no cartório de registro de imóvel competente (art. 1.245, C.C\02).
Decidindo pela aquisição do bem, é cauteloso realizar uma pesquisa sobre a sua situação jurídica, bem como perante alguns Órgãos. Para isso nosso ordenamento jurídico nos permite o acesso às informações através do cartório de Registro de Imóvel da localidade do bem mediante uma certidão da sua matrícula; nesta constarão todos os negócios ocorridos pertinentes ao bem, inclusive a qualificação completa de todos que um dia foram ou ainda são proprietários do bem, a natureza dos atos realizados (doação, compra e venda, hipoteca, ação de execução, etc), possibilitando, assim, mais transparência na negociação.
Referente a pesquisa do bem perante alguns Órgãos é fazer uma busca nos cartórios judiciais quanto a existência de feitos ajuizados, débitos trabalhistas ou fiscais em nome do atual proprietário. Com essas informações em mãos um advogado poderá orientar melhor o adquirente quanto á possibilidade ou não de problemas futuros em relação à validade e eficácia do negocio jurídico.
Decerto, o código civil brasileiro em seu art. 1.225, traz algumas formas de garantias passíveis de averbações na matrícula do imóvel. Essas garantias nada mais são que direitos atribuídos às pessoas sobre os bens corpóreos, cuja eficácia é contra todos (“erga omns”), garantindo-lhe, portanto, um direito absoluto sobre o bem. Simplificando, ainda que alguém seja proprietário de um imóvel e este possa ser alienado, uma outra pessoa poderá ter sobre este mesmo imóvel direito preferencial. O que poderá impedir o comprador de algumas “prerrogativas” e trazer-lhe alguns transtornos. Desta maneira podemos dizer que está aqui um dos pontos importantes que justifica a análise de um advogado ou especialista da área na documentação do bem.
Um exemplo clássico que podemos citar é a instituição ou reserva do usufruto. O que nada mais é um direito real que concede a quem o detém (usufrutuário) o poder de usar e gozar, temporariamente, e de maneira inalienável e impenhorável, da coisa (imóvel), explorando-a economicamente, mas no entanto, não possui o poder de alienação da nua-propriedade. Conforme definição de Maria Helena Diniz, usufruto seria “o direito real conferido a alguém de retirar, temporariamente, da coisa alheia os frutos e utilidades que ela produz, sem alterar-lhe a substância” (pag.1111, Código Civil comentado, 2006). Ou seja, trata-se de um exercício de um direito sobre um imóvel alheio, mas somente de usufruir o bem e jamais de alienar o mesmo. Ainda em outras palavras, quem adquirir um determinado imóvel e este estiver com o ônus real de usufruto, deverá respeitar tal ônus detendo para si apenas o domínio do bem (a nua-propriedade) e não poderá, portanto, utilizá-lo ou explorá-lo.
Nesse sentido, uma vez que o adquirente não esteja ciente do gravame existente no imóvel, o seu negócio poderá ser frustrado e sua vida financeira prejudicada; além de transtornos com usufrutuário, pois terá que respeitá-lo até que haja de sua parte renúncia ou sua morte aconteça.
Outro bom exemplo é a garantia hipotecária (direito real sobre coisa alheia, art. 1.419, C.C\02), a qual se fundamenta no oferecimento de um imóvel como garantia em troca de um empréstimo pecuniário. Do mesmo modo, ainda que se tenha esse ônus sobre o imóvel, será possível sua alienação, mas quem o adquirir sem conhecimento prévio poderá correr risco de perdê-lo para o credor hipotecário e assim arruinar seus negócios.
As vantagens de se conhecer as premissas para aquisição de um imóvel são diversas. Fato é que com a certidão da matrícula do bem em mãos além de ser possível saber se o imóvel possui algum ônus ou gravame, é possível saber se haverá necessidade de gastos com regularização de instituição de condomínio e\ou averbação de construções, no momento de lavrar a escritura pública no Tabelionato de Notas ou no ato do seu registro no cartório de registro de imóveis competente. Conforme o Provimento 260\CGJ\2013, art. 932 e seguintes, antes da efetivação do registro de uma unidade autônoma, é preciso regularizar o condomínio, bem como as construções, caso as averbações na documentação (matrícula) do imóvel ainda esteja pendente.
Temos hoje, dentre os princípios do Direito Registral Imobiliário, o princípio da concentração, bastante aceito pela jurisprudência e Tribunais, e também expresso no art. 621, IX, do Provimento 260\CGJ-MG\2013, que vem nos fornecer maior segurança jurídica aos negócios imobiliários. Tal princípio determina que todos os fatos ou atos jurídicos referentes a um imóvel sejam registrados/averbados na matrícula imobiliária, garantindo a publicidade dos atos, o adquirente de boa-fé e impedindo ao credor de postular a ineficácia de um negócio jurídico transacionado.
Ao passo que esse princípio exista e seja extremamente importante ao meio jurídico notarial e registral, proporcionando-nos mais tranquilidade, o conselho sempre será consultar um advogado ou profissional da área imobiliária para analisar atenciosamente toda documentação. Por certo algumas questões irão requerer maior entendimento da matéria, e outras poderão não ter caráter de créditos ou direitos de terceiros, como é o caso das construções não averbadas, condomínios irregulares, parcelamentos ou desmembramentos pendentes de regularização.
Nessa linha, como o brasileiro ainda não assimilou a importância da averbação do seu direito na matrícula do bem (como é o caso de alguns credores), explorar as formas, os meios e as ferramentas de pesquisa disponíveis é uma opção inteligente para minimizarmos situações desagradáveis e se ter mais clareza com o que está sendo adquirido. Haverá quem irá dispensar todo cuidado relatado, na compra do imóvel, mas é importante compreender e olhar para toda burocracia exigida para aquisição, venda, regularização e garantia de direitos, não como um entrave para realização dos negócios, mas como uma necessidade, cujo objetivo nada mais é que a busca da segurança jurídica dos negócios imobiliários.
*Renata Míriam Merlo Rocha
Advogada, especializada em Direito Notarial e Registral, com atuação também nas áreas Cível e Empresarial