A Recuperação Judicial foi concebida no Brasil com o advento da Lei 11.101/2005[1], dez anos antes da lei brasileira que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública (Lei 13.140/2015). Em que pese o lapso de uma década entre as duas legislações, a correspondência entre os dois institutos é inegável.
A Recuperação judicial é procedimento destinado a viabilizar a preservação da empresa, entendendo-se como empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966, CC). Segundo Eduardo Goulart Pimenta, a recuperação judicial representa “uma série de atos praticados sob supervisão judicial e destinados a reestruturar e manter em funcionamento a empresa em dificuldades econômico financeiras temporárias”[2].
Para que a recuperação judicial atinja seus objetivos, alguns princípios devem ser considerados na interpretação da Lei 11.101/2005. São considerados princípios da recuperação judicial: princípio da preservação da empresa e de sua função social, da dignidade pessoa humana, igualdade entre os credores, a lealdade, a impossibilidade de imposição de sacrifício maior aos credores, o tratamento jurídico diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte, valorização do trabalho, da segurança jurídica e da efetividade do direito[3].
A Lei 11.101, atual Lei de Falência e Recuperação de Empresas, apresenta o conceito de recuperação judicial, em seu artigo 47, abaixo transcrito:
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
O conceito trazido pela Lei de Falências e Recuperação contempla a função social da empresa, que passa a desempenhar papel que transcende a geração de lucro, alcançando também a geração de empregos, a remuneração dos empregados, a circulação de capital e arrecadação de tributos.
A mediação por sua vez é procedimento voluntário de resolução de conflitos, conduzido por mediador capacitado para atuar de forma imparcial e independente. Na mediação busca-se alcançar a compreensão do conflito e dos reais interesses das partes envolvidas, por meio do diálogo e da investigação de questões (problemas) e motivações.
Nesse sentido, é recomendável que o mediador tenha habilidades necessárias para facilitar o diálogo entre os envolvidos, permitindo a busca por soluções que atendam aos seus respectivos interesses. De forma concisa, a mediação é um meio de gestão do conflito que permite às partes uma melhor comunicação e expressão de interesses em busca da solução. Via de regra, existe entre os envolvidos no conflito submetido à mediação um vínculo relacional mais longo.
Nos termos do art. 1º, parágrafo único da Lei 13.140/15, a mediação consiste na “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.
Segundo Carlos Eduardo de Vasconcelos[4], a mediação é:
(...) método dialogal de solução ou transformação de conflitos interpessoais em que os mediandos escolhem ou aceitam terceiro(s) mediador(es), com aptidão para conduzir o processo e facilitar o diálogo, a começar pela apresentações, explicações e compromissos iniciais, sequenciando com narrativas e escutas alternadas dos mediandos, recontextualizações e resumos do(s) mediador(es), com vistas a se construir a compreensão das vivências afetivas e materiais da disputa, migrar das posições antagônicas para a identificação dos interesses e necessidades comuns e para o entendimento sobre as alternativas mais consistentes, de modo que, havendo consenso, seja concretizado acordo.
Para Maria de Naareth Serpa[5], a mediação é:
Um processo informal, voluntário, onde um terceiro interventor, neutro, assiste aos disputantes na resolução de suas questões. O papel do interventor é ajudar na comunicação através de neutralização de emoções, formação de opções e negociação de acordos. Como agente fora do contexto conflituoso, funciona como catalisador de disputas ao conduzir as partes às suas soluções, sem propriamente interferir na substância destas.
Diego Faleck[6] elenca como benefícios da mediação empresarial: drástica redução de custos; solução rápida das disputas, com economia de tempo; redução dos custos diretos e indiretos de resolução de conflitos; gasto reduzido de executivos e gerentes internos da Empresa; redução do desgaste de relacionamentos importantes para a Empresa; minimização de incertezas quanto aos resultados; e, mesmo quando a Mediação não gera um acordo imediatamente, sua utilização propícia vantagens para as partes, como: a melhor compreensão da disputa e o estreitamento de pontos que posteriormente serão submetidos à Arbitragem ou ao Poder Judiciário.
No âmbito da recuperação judicial, pode existir considerável divergência de interesses entre os credores, dado que esses são segregados em classes com ordem de recebimento de acordo com a classificação do crédito em caso de eventual decretação de falência. Dessa forma, um credor que possua crédito com garantia real, poderá ter interesses diversos de outro detentor de crédito trabalhista.
Fica evidenciado assim que a mediação pode ser um instrumento valioso para estimular o necessário fluxo de informações entre os sujeitos envolvidos na recuperação judicial, auxiliando na redução da assimetria de informações. Ademais, poderá contribuir para que os reais interesses dos envolvidos sejam identificados permitindo eventuais soluções que atendam aos interesses dos credores.
Podem ser objeto de mediação tanto direitos disponíveis quanto direitos indisponíveis que admitam transação, nos termos do art. 3º da Lei 13.140/15, o que amplia a possibilidade de utilização do instituto no âmbito da recuperação judicial.
Recentemente, em decisão inédita, o Superior Tribunal de Justiça[7]autorizou a realização de mediação entre a Oi e seus credores, mesmo a companhia estando em processo de recuperação judicial. A decisão monocrática é do ministro Marco Buzzi e manteve o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitando o recurso interposto pelo Banco do Brasil.
Embora os institutos da Recuperação Judicial e da Mediação tenham profundas diferenças, é possível notar a interseção entre os mesmos. A Lei 11.101/05 estabelece como princípios basilares do sistema recuperacional a celeridade e a eficiência. Seguramente princípios que guardam intrínseca relação com a mediação.
Participam ativamente da recuperação judicial tanto a sociedade empresária recuperanda quanto os respectivos empregados, clientes e fornecedores. Ou seja, é inegável a existência do vínculo relacional entre as partes envolvidas, seja empregatício ou comercial. Muitas vezes, as partes envolvidas na recuperação judicial têm ou tinham a intenção de manter os vínculos relacionais.
Outro ponto de interseção encontra-se na necessária facilitação do diálogo entre os sujeitos de uma recuperação judicial. Isso porque, nos termos do disposto no §2º do art. 52 da Lei 11.101, após o deferimento da recuperação judicial, os credores podem requerer a convocação de assembleia-geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros.
Além disso, nos termos do art. 56 da mesma lei, após a apresentação do plano de recuperação judicial, os credores poderão apresentar objeção. Havendo tal objeção, o juiz convocará a assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.
Nesta fase da recuperação judicial a mediação poderá contribuir para melhora da comunicação entre as partes e para conferir maior celeridade ao processo. Poderá contribuir, ainda, para a apresentação de um plano de recuperação judicial mais claro, realístico, que se adeque aos interesses dos credores, mas também às reais possibilidades da empresa em recuperação, aumentando o comprometimento de todos em relação ao cumprimento do plano.
Se no processo de recuperação judicial o que se espera é uma atuação do juiz e das próprias partes voltada ao princípio da preservação da empresa, a mediação é um instrumento facilitador, uma vez que potencializa o envolvimento dos credores na análise e discussão do plano de recuperação, o que implica em maior credibilidade em relação ao plano apresentado, em função da participação ativa dos envolvidos, sobretudo em sua discussão e aprovação.
Assim, com vistas a alcançar a almejada comunhão de interesses na recuperação judicial, uma das fases onde a mediação é absolutamente recomendável é a fase deliberativa, ou seja, após a fase postulatória que se inicia com a petição inicial de recuperação e se encerra com o despacho judicial determinando o processamento do pedido (art. 52 da lei 11.101/05). A fase deliberativa tem início com o despacho que determina que seja processada a recuperação Judicial e se conclui com a decisão concessiva do benefício (art. 58 da lei 11.101/05).
Na fase deliberativa é que se discute e aprova o plano de reestruturação da empresa, o cerne principal de todo o processo de recuperação. Daí porque, essa é a fase ideal para a inserção da mediação, fomentando o contato de todos os envolvidos no processo com os fundamentos fáticos e econômicos do plano de recuperação. Com isso, aumenta-se a participação dos sujeitos envolvidos, possibilitando a estes a compreensão das razões por trás de cada medida posta no plano. Conhecer estes fundamentos pode ser essencial para que as partes compreendam e sintam maior segurança na execução do plano.
Em casos de recuperação judicial, o mediador atua como um facilitador do diálogo em um ambiente sigiloso conduzindo as partes a um estado de cooperação que propicie a efetiva negociação entre as partes o que é exatamente um dos objetivos da recuperação judicial.
Nesse diapasão, diante de tantas e tão vantajosas interseções, resta clara a necessidade de cada vez mais se buscar a utilização da mediação como um instrumento facilitador dos complexos procedimentos de recuperação judicial. E aqui vale destacar uma das grandes vantagens da mediação, não há prejuízo em sua utilização ou vinculação a nada do que for discutido durante o procedimento.
Em outras palavras, se não houver a composição entre as partes, o processo de recuperação judicial retorna ou prossegue sem nenhum prejuízo a qualquer das partes e podendo até trazer benefícios em função de terem sido sanadas assimetrias informacionais.
Em relação ao tema, recentemente foi publicado o enunciado 45 da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígio:
A mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais.
Vale relembrar ainda o exemplo prático citado, “o caso Oi” para demonstrar não só a aplicabilidade teórica da mediação em procedimentos de recuperação, mas também prática, na maior recuperação judicial do Brasil.
De janeiro a novembro de 2017 foram feitos 1.605 pedidos de falência e 1.302 de recuperação judicial de empresas brasileiras, segundo a Serasa Experian[8]. Esses números demonstram a atual situação econômica do país e, sem dúvida, aumentam o número de processos no judiciário. Vale destacar que procedimentos de recuperação judicial e falência não apenas engrossam o número de processos, mas trazem ainda um dificultador, pois, via de regra, são intrincados por envolverem diversas partes e juridicamente complexos por envolverem diversas matérias.
Por todo o exposto é que se questiona: os envolvidos na recuperação judicial podem se dar ao luxo de nem mesmo tentar a mediação?
O Novo Código de Processo Civil de 2015 prevê a mediação como etapa processual nos casos que tramitam perante o poder judiciário, o que se aplica à recuperação judicial e falência.
A utilização da mediação empresarial em casos de recuperação judicial de empresas não apenas é possível como desejável em determinadas relações, sobretudo para que os conflitos possam ser resolvidos diretamente pelas partes e em tempo exíguo. No âmbito da recuperação de empresas, a mediação pode ser utilizada tanto em relações específicas, quanto como forma de acomodar os interesses dos credores, viabilizando a aprovação do plano.
[1] A Lei 11.101/2005 modificou a legislação concursal brasileira suprimindo o instituto da concordata, em suas duas modalidades, preventiva e suspensiva – anteriormente vigentes na égide do Decreto-Lei nº 7.661 de 1945.
[2] PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação de empresas. São Paulo: IOB, 2006, p. 68.
[3] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3 /
Marlon Tomazette. – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo : Atlas, 2017.
[4] VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. São Paulo: Editora Método, 2014, p.54.
[5] SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e Prática da Mediação de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 90.
[6] Revista de Arbitragem e Mediação da RT (RArb, ano 11, volume 42, julho-setembro – 2014, pp. 263/278) o artigo Mediação empresarial: Introdução e aspectos práticos, p. 265.
[7] Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=78301834&num_registro=201702849596&data=20171113&tipo=0&formato=PDF> Acesso em: 11/11/2017.
[8] SERASA EXPERIAN. Indicadores Serasa Experian de falências e recuperações, s/d. Disponível em: <http://noticias.serasaexperian.com.br/indicadores-economicos/falencias-e-recuperacoes/>. Acesso em: agosto de 2017.
Fonte: Revista Consultor Jurídico