Para celebrar o Dia da Visibilidade Trans, conversamos com a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Keila Simpson, e a YouTuber Thiessa Woinbackk sobre como é feita a escolha de um nome social
Qual é a relação que você tem com seu nome? Muitas pessoas o amam e super se identificam com ele, enquanto outras apenas não conseguem entender o porquê de os pais terem escolhido aquele nome tão específico. Entretanto, há um grupo que não consegue se identificar com o nome que recebeu por conta de uma grande questão: também não se identifica com o gênero ao qual foi designado no nascimento. E é aí que entra o nome social.
Nem todo mundo que é transgênero ou travesti sente a necessidade de escolher um nome social , mas há, sim, quem sofra muito preconceito e constrangimento por carregar um nome que não condiz com sua identidade de gênero . A presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, explica que quem passa por uma transição costuma querer um nome que reflita essa nova identidade de gênero.
"Em sala de atendimento coletivo, como em médico ou em entrevistas de emprego, geralmente se chama para a consulta ou entrevista pelo nome do documento. Nesse momento, em que é chamado em alto e bom som, o nome no registro pode ser masculino, mas a pessoa tem uma identidade feminina. A pessoa se levanta, e, então, todas as pessoas na sala vão olhar. É aí que está o constrangimento".
Keila foi um nome que surgiu na vida da presidente quando ela ainda era muito nova, com apenas dez anos, e que ela traz consigo até hoje. Entretanto, encontrar um nome social pode não ser uma tarefa fácil para as pessoas. O homem ou mulher trans pode alterar o primeiro nome, apenas, sem mexer no sobrenome. É possível também trocar um nome composto por um simples ou vice-versa.
Por exemplo: uma pessoa que foi designada para o sexo masculino, mas se identifica com o gênero feminino, pode trocar o nome João Silva para Fernanda Silva ou Ana Maria Silva. Da mesma forma, alguém que se chama Maria Aparecida Moreira, por exemplo, pode alterar o nome para Julio Moreira ou Pedro Henrique Moreira.
Na hora de escolher seu nome, Keila lembrou da infância, mas muita gente também se inspira em personalidades ou acaba homenageando pessoas queridas.
Documentos oficiais
Além dos relacionamentos sociais, o nome social pode ser usado em lugares específicos, como na prova do Enem, nos registros escolares da educação básica e no cartão do SUS, mas trocar o nome civil é um processo demorado e que ainda precisa de muitas melhorias.
"Não é um ato imediato. Leva de oito meses a um ano para que uma pessoa trans consiga modificar o pronome [primeiro nome]. Em alguns Estados é mais difícil alterar o nome e o gênero, varia de acordo com o sistema judiciário. É um processo muito longo e muitas pessoas nem querem entrar", revela Keila.
Manter apenas o nome social é algo mais barato e simples, mas, para a presidente da Antra, ainda é preciso sensibilicar a sociedade e os profissionais que atuam com a população para respeitar a forma como a pessoa quer ser chamada e não como está no documento.
"A sociedade ainda não absorveu o respeito que precisa ter com o outro. Nenhuma pessoa trans evitar dar os documentos nos lugares que são requisitados. Elas apenas reivindicam o respeito ao nome social", completa Keila.
Experiência própria
Thiessa Woinbackk é uma mulher trans que viveu todo o processo de encontrar um novo nome. Em entrevista ao iGay , ela conta que não chegou a Thiessa de primeira. Na verdade, ela até mesmo chegou a ser Beatriz por um tempo. Hoje, com o nome que realmente representa quem ela é, se tornou YouTuber e inspiração para milhares de seguidores. Confira a conversa que tivemos com a jovem:
iGay: Quando você passou a sentir necessidade de um novo nome? Quando descobriu que poderia ter um e passou a pensar nele?
Thiessa Woinbackk: O nome social veio antes do fato de eu me entender [como mulher], sabe? Porque eu sempre tive uma fisionomia muito "feminina", mesmo antes da minha transição. Em qualquer lugar que eu fosse e alguém perguntasse o meu nome e eu não dissesse algum nome feminino respectivamente, gerava estranheza nas pessoas. Então, desde essa época, comecei a usar vários nomes ditos femininos. Mas quando eu me entendi de fato como a mulher que sou, foi incrível.
iGay: Como foi o seu processo até chegar a Thiessa? Teve ajuda de outras pessoas?
Thiessa Woinbackk: Eu fui crescendo e percebendo que nunca fui um homem, sabe? Em 2010, tudo começou a mudar. Foi quando comecei a me permitir viver e ser feliz. Comecei a usar as coisas que, de fato, queria usar, a ir para outra cidade - uma cidade vizinha - para ir nas baladas porque lá ninguém me conhecia e eu podia ser quem eu quisesse. Na época, eu me chamava Beatriz.
E fui vivendo tudo aquilo que eu de fato era. Em 2010 mesmo, eu conheci o nome Thiessa e me apaixonei. Me representou tanto que a sensação é que eu nunca sabia o meu nome até aquele momento. Desde então, eu fui uma pessoa de verdade. Um sujeito pensante e que tem consciência de si. Eu sempre brinco na minha psicóloga que eu existo depois de 2010, parece que antes foi tudo um robô que viveu por mim, sabe? Você se sentir livre como é não tem preço.
iGay: Qual a importância do nome social para você? Você chegou a passar algum tipo de constrangimento com o nome civil e gostaria de falar sobre isso?
Thiessa Woinbackk: Acho fundamental. Meus documentos ainda estão na Justiça, e nada deles liberarem, estou aguardando. Mas toda vez que preciso ir em balada, aeroporto, hospital, lugares em que precisa ser mostrado documento, é péssimo, porque sempre acham que eu estou mentindo, que estou fingindo ser outra pessoa ou não entendem. E aí vira aquele constrangimento porque, se tem fila, está todo mundo olhando. É péssimo porque a sensação é que vale muito mais o que tá em um papel do que o que você se sente de fato, sabe? Parece que deslegitimiza a pessoa que sou.
iGay: Qual a dica que você dá para quem está escolhendo o nome social?
Thiessa Woinbackk: Escolha aquele que seu coração vai bater mais forte quando ler ou ouvir e que tenha a ver com você. Comigo foi assim na hora de escolher o nome social. Seja quem você é, independentemente do que digam. Você não é esse monstro que pintam por aí, você não é o erro da sociedade. Errado não é você não se sentir pertencente ao corpo que nasceu, errado é o preconceito, o ódio e a maldade.
Fonte: Último Segundo