A partir da sanção da Lei 13.606, de 9 de janeiro de 2018, iniciou-se um debate jurídico sobre a efetividade, a legalidade e a constitucionalidade da “averbação pré-executória”, instituto criado no artigo 25 desse diploma legal.
Relevo destacar, nesse pormenor, que a Lei 13.606 veio acrescer os artigos 20-B, 20-C, 20-D e 20-E à Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, a qual dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais (Cadin) e dá outras providências, fato esse pouco destacado até agora. É fácil perceber que a natureza das críticas ao novel instituto, “averbação pré-executória”, são similares às que foram realizadas no passado em face da lei que criou o Cadin (Lei 10.522/2002) e a que permitiu o protesto extrajudicial de certidões de dívida ativa (Lei 12.767/2012, alterando a Lei 9.492/1997). Seguindo esse encadeamento lógico e histórico é fulcral rememorar a decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1.454/DF, de relatoria da ministra Ellen Gracie, julgada em 20/6/2007, DJe, 3 ago. 2007, na qual se declarou a constitucionalidade do Cadin (Lei 10.522/2002, precipuamente seus artigos 6º e 7º), pela maioria de seus ministros. Mais recentemente também foi ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.135/DF) em face da Lei 12.767/2012, que alterou a Lei 9.492/1997, permitindo o protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa. O Supremo, da mesma forma, por maioria, entendeu que o protesto, para promover a cobrança extrajudicial de CDAs, é constitucional e legítimo, buscando acelerar a recuperação dos créditos públicos, tendo a tese vencedora assentado que: “O protesto das certidões de dívida ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política”. (ADI 5.135/DF, relator Min. Roberto Barroso, 09/11/2016. DJE 242, divulgado em 14/11/2016). Antes desse julgamento o Superior Tribunal de Justiça, por meio do RESP 1.126.515/PR, também já havia declarado a legalidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa. (REsp 1.126.515/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013). Ante ao exposto, seja pelo entendimento do STJ ou do STF, decidiu-se que, entre outros argumentos que: (a) não há reserva de Lei Complementar para a respectiva matéria; (b) a Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980) não exclui outras modalidade de cobrança extrajudiciais; (c) não há violação ao contraditório e ampla defesa, pois o contribuinte pode participar do processo administrativo para questionar o débito, bem como se valer da prestação jurisdicional para anulá-lo; e (d) não há violação dos direitos fundamentais garantidos aos contribuintes. Esse esforço argumentativo se justifica pelo fato de que a “averbação pré-executória” é mais um instrumento destinado a minimizar o impacto da judicialização, o qual está norteando o processo civil moderno, sem descurar das garantias aos cidadãos, e cuja relevância foi destacada pelos respectivos relatores dos julgados acima citados, quando da análise da legalidade e constitucionalidade do protesto: “O relator destacou que a redução do número de cobranças judiciais deve fazer parte do esforço de desjudicialização das execuções fiscais, pois, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 40% das ações em tramitação no País são dessa categoria.” (ADI 5.135/DF, relator Min. Roberto Barroso, 09/11/2016. DJE 242, divulgado em 14/11/2016). “A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo". (REsp 1.126.515/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013). Logo, a “averbação pré-executória” segue a mesma lógica: trata-se de um ato administrativo extraprocessual que, independe de decisão judicial, e se destina a produzir efeitos contra terceiros, evitando tanto a fraude à execução quanto a fraude contra credores, objetivando dar segurança jurídica aos negócios realizados com pessoas devedoras da Fazenda Pública, restando assim positivada no artigo 20-B, § 3º, II, da Lei 10.522/2002: Art. 20-B - § 3º Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá: II - averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis. Vale ressaltar que o presente instituto possui similar no novo Código de Processo Civil, Lei 13.115/2015, qual seja, a averbação premonitória, positivada no artigo 828: Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade. Perceba-se que aqui também não se exige decisão judicial para efeitos de realizar a averbação, mas apenas admissão da execução, requisito que a Certidão de Dívida Ativa já possui por si só, que é a liquidez e certeza, conforme dispõe o artigo 204 do CTN e artigo 3º da Lei 6.830/1980. Registre-se que o artigo 54, III, da Lei 13.097/2015, permite serem feitas averbações administrativas, de indisponibilidade ou de outros ônus, desde que previstas em lei, para fins de restringir direitos de constituição, transferência e modificação de direitos reais sobre imóveis, assim: Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: III - averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; Em reforço às argumentações já expendidas é primordial trazer como norte que o Poder Constituinte Derivado, atendendo aos anseios da sociedade por uma maior eficiência e efetividade da prestação jurisdicional introduziu, por meio da Emenda Constitucional 45/2004, o inciso LXXVIII, ao artigo 5º, que assim dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Para contextualizar, a referência à exposição de motivos 204, de 15 de dezembro de 2004, assinada pelos chefes dos três Poderes da República logo após a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, por meio da qual foi proposta a formalização do “Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”: “A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático.”[1] A promulgação da mencionada Emenda Constitucional, portanto, foi resultado da constatação, de verdadeiro colapso no sistema judiciário brasileiro e da necessidade de que fossem empreendidas medidas conjuntas com o fim de conferir agilidade e maior efetividade ao sistema. Sob o manto desse ideal, o Processo Civil brasileiro sofreu diversas alterações que ambicionaram dotar os jurisdicionados de mecanismos mais efetivos e céleres para a concretização do direito. Todo esse conjunto de alterações formam o que pode ser chamado de “Direitos Fundamentais do Credor”, o qual deve ser o novo paradigma de interpretação, encampando conceito que o mestre Chiovenda, citado por Cândido Rangel Dinamarco pregava, “o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem direito de obter.”[2] Em resumo, a efetividade do processo foi elevada a garantia fundamental, o que é respaldado pela inclusão da razoável duração do processo no rol de direitos e garantias fundamentais, art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88. Dessa feita, os direitos fundamentais do credor consistem na consolidação de todas as garantias de que o credor passou a dispor para ver concretizado seu direito à satisfação do seu crédito. Só assim será implementada a Justiça, dando a cada um o que é seu. Dentro desse contexto, as medidas alternativas de cobrança se concretizam como o atual norte para satisfação do credor público, pincipalmente pela ineficácia da prestação jurisdicional. Até pelo fato de muitos países já utilizarem desse conceito (medidas alternativas de cobrança) para apertar o cerco aos sonegadores, vide o exemplo da França que veda ao sonegador o exercício de toda profissão industrial, comercial ou liberal por tempo determinado, assim também ocorrendo na Espanha em relação à obtenção de subvenções, bem como gozar de incentivos fiscais e da seguridade social. Outro país que adota essa conduta é Portugal, onde o sonegador poderá sofrer interdição temporária do exercício de atividades e profissões; vedação ao recebimento de subvenções e encerramento do estabelecimento, dissolução da pessoa coletiva a que se relacione o agente. Inclusive, a sonegação crescente foi objeto de debate no julgamento da ADI 2.390 (ADI 2.859, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, acórdão eletrônico DJe-225, divulgação 20-10-2016, publicação 21-10-2016), em que se questionou normas relativas ao fornecimento, pelas instituições financeiras, de informações bancárias de contribuintes à administração tributária sem a intermediação do Poder Judiciário (sigilo fiscal), tendo sido referencial do voto do ministro relator Dias Toffoli, o qual faz menção a estudo do Sinprofaz, ”Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação” (lançado em 2013 e replicado nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, cuja iniciativa partiu do presente autor, quando era Presidente da respectiva entidade). O estudo em comento teve como objetivo estimar, com fundamento em outros trabalhos e dados da economia nacional, a sonegação no Brasil. O resultado apresentado aponta que aplicando a média dos indicadores de sonegação dos tributos que possuem maior relevância para a arrecadação (ICMS, Impostos de Renda e Contribuições Previdenciárias) poder-se-ia calcular um índice de 27,6% de sonegação, podendo chegar a 10,1% do PIB, o que corresponderia a R$ 518,2 bilhões levando em conta o PIB de 2014.[3] O julgamento da questão do sigilo no Supremo, que na mesma data apreciou o RE 601.321/SP, com seis ministros manifestando no sentido da Constitucionalidade da LC 105/2001, já demonstra mais uma quebra de paradigma em relação ao necessário cerco à sonegação fiscal. Portanto, não há como se concretizar o princípio da efetividade da prestação jurisdicional nas relações processuais executivas sem que haja uma evolução dos paradigmas que possibilitem ao credor a buscar a satisfação do seu crédito. A almejada justiça da tributação, alicerçada na satisfação dos direitos fundamentais e sociais insculpidos na Constituição, somente estará plenamente preservada reduzindo a sonegação fiscal, o que enseja aplicação das novas alterações no Ordenamento Jurídico, as quais podemos nominar de “Direitos Fundamentais do Credor”. [1] BRASIL. Câmara dos Deputados. Exposição de Motivos n° 204, de 15 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/expmot/2004/exposicaodemotivos-204-15-dezembro-2004-592098-norma-mj.html> Acesso em: 23.06.2015.
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 331. [3] SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL (SINPROFAZ). Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2014. Disponível em: < http://www.quantocustaobrasil.com.br/artigos/sonegacao-no-brasil%E2%80%93uma-estimativa-do-desvio-da-arrecadacao-do-exercicio-de-2014> Acesso em: 08/06/2015. |
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Fonte: Conjur |