Em 09/07/10, o então Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp, proferiu decisão determinando que “nenhum responsável por serviço extrajudicial que não esteja classificado dentre os regularmente providos poderá obter remuneração máxima superior a 90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, em respeito ao artigo 37, XI, da Constituição Federal”, de modo, assim, que pessoas enquadradas nesta situação deveriam depositar a diferença entre o valor auferido e o teto estipulado nos cofres públicos.
Justificando sua decisão, argumentou o mesmo que “O serviço extrajudicial que não está classificado dentre aqueles regularmente providos é declarado revertido do serviço público ao poder delegante. Em consequência, os direitos e privilégios inerentes à delegação, inclusive a renda obtida com o serviço, pertencem ao Poder Público (à sociedade brasileira)”.
Em face de tal decisão, a Associação Nacional dos Notários e Registradores – ANOREG-BR ajuizou Mandado de segurança perante Supremo Tribunal Federal (STF) que, distribuído ao Ministro Gilmar Mendes, teve sua liminar deferida em 27/09/2010, com o seguinte argumento: “Aparentemente, inexiste fundamentação legal a embasar a submissão dos cartorários, ainda que temporários, ao teto salarial dos servidores públicos. Do ponto de vista constitucional, a solução da questão apontada pelo Senhor Corregedor Nacional de Justiça passa pelo célere provimento dos cargos consoante legalmente previsto. Pelo exposto, num juízo precário, inerente à fase processual, tenho como plausíveis os argumentos iniciais, por não vislumbrar similitude entre as atividades desempenhadas pelos delegatários de serventias extrajudiciais (titulares ou interinos) e o instituto previsto no artigo 37, XI, da Constituição Federal, motivo pelo qual defiro a liminar pleiteada, para suspender os efeitos da decisão do Corregedor Nacional de Justiça."
No dia 29/05/13, porém, instado pela Advocacia Geral da União a reconsiderar o tema, o Ministro Gilmar Mendes restabeleceu o teto das serventias extrajudiciais sob a responsabilidade dos interinos, utilizando como um de seus principais argumentos o fato de alguns Estados demorarem a realizar os concursos e estes chamados interinos estarem recebendo a remuneração integral dos Tabelionatos por um longo tempo.
Como tal decisão foi proferida em sede de liminar, o que se espera, ao fim, é que a mesma não prevaleça, por diversas razões que elencaremos agora.
A primeira e mais importante delas já foi citada pelo Min. Gilmar Mendes em sua primeira decisão: se o art. 236 da CF/88 determina que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, não há como aplicar a quem o exerce a remuneração estipulada no art. 37, XI da CF/88, por ser esta norma aplicável tão somente a “ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza”.
Ora, em matéria de direito público sabe-se que é vedada a chamada interpretação extensiva, assim, admitir que alguém que exerce atividade em caráter privado seja comparado a “funcionário público”em qualquer de suas vertentes é absurdo. Mais ainda, é inconstitucional por flagrante violação ao art. 236 da Carta Maior.
Descendo um degrau na hierarquia legal, a mesma CF/88 no art. 236, § 2º, preconiza que a lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
Obedecendo ao comando acima citado, a Lei Federal no. 8.935/94 regulamenta a questão fixando que o notário tem direito ao recebimento integral dos emolumentos e que o substituto responde pela serventia na vacância até a realização do concurso.
Assim, a Lei, “delegatária” da CF/88 para tratar da remuneração dos notários e seus substitutos, não estabelece limite e muito menos teto para tanto, motivo pelo qual, certamente, não pode uma decisão do CNJ fazê-lo, sob pena de ingerência indevida em matéria exclusivamente a ser tratada pelo Poder Legislativo.
Ainda, o art. 28 da Lei 8.935/94 estabelece que o notário e registrador “têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia”. Sendo assim, receber por todo trabalho praticado é um Direito (com D maiúsculo) inerente à função, diretamente ligado ao volume de trabalho. Não pode, assim, ser o substituto remunerado aquém do que determina a legislação aplicável ao caso.
Voltando à justificativa do i. ex-Corregedor para estipular o teto, que argumentou que “O serviço extrajudicial que não está classificado dentre aqueles regularmente providos é declarado revertido do serviço público ao poder delegante”, indaga-se: se o serviço foi revertido para o poder público, isto é, para o Estado, caso um funcionário da serventia se sinta violado em algum Direito, deve ele acionar o substituto ou o Estado? Quem é o “patrão” no caso? Pela decisão, deveria ser o Estado. Mais ainda, manteria o substituto responsabilidade civil como se tabelião fosse nesses casos?
Essas e diversas outras questões ficam sem resposta caso a situação se mantenha da forma como está.
Por isso então que o tópico tratado neste artigo merece reflexão maior e revisão o quanto antes, sob pena de se prejudicar pessoas que exercem legalmente seus ofícios e, no entanto, não são remuneradas como tal, motivo pelo qual urge a declaração de inconstitucionalidade (e ilegalidade) do teto fixado pelo CNJ.