João Vitor, de apenas três anos, mora com os pais em Gravataí.
Rafael e Lucimar terão a alegria de comemorar terceiro Dia dos Pais.
Com três anos de idade e um sorriso cativante, João Vitor reflete a felicidade de quem teve a sorte de ser escolhido para receber muito amor. Aos três meses, foi encaminhado à adoção por uma mulher que não tinha condições para criá-lo. Do outro lado, na fila de espera, estavam Rafael Gehardt e Lucimar Quadros, um casal que nutria o desejo de adotar uma criança. Não demorou para que as três vidas se cruzassem. Há três anos, formam uma família encantadora, sem tempo para preconceitos. “Tenho dois pais”, balbucia o menino.
Pai Lúcio e pai Rafa. É assim que João Vitor os chama (confira no vídeo ao lado a mensagem que o casal envia aos outros pais). O primeiro, o “relações públicas” da família, é bancário e tem 48 anos. O segundo é consultor e tem 38. Eles se encontraram pela primeira vez em uma livraria, em meados de 1995. Foram se conhecendo e criaram uma união estável.
“Não foi nada planejado, sabe? Ele foi se instalando e ficou naturalmente”, conta ao G1 Lucimar. Com o passar dos anos, o relacionamento se solidificou, até que o casal despertou o interesse pela adoção.
“Fazíamos festas beneficentes para ajudar casas de passagem, lares carentes, com crianças vítimas de abandono ou maus-tratos. Nesta época, lá por 2007, surgiu a oportunidade de apadrinhamento afetivo. Mas logo desistimos e partimos direto para adoção. Não queríamos perder tempo porque o processo é bem demorado. Entramos com o pedido em 2007, e o João Vitor chegou em 2010”, recorda Rafael. “Foi emocionante. O Lúcio quase infartou", brinca.
Passado o susto, Lucimar e Rafael começaram a preparar suas vidas para receber um filho. Em busca da nova morada, definiram que morariam em um condomínio, em Gravataí, na Região Metropolitana de Porto Alegre. “Queríamos que ele tivesse conforto, que pudéssemos proporcionar a ele o melhor. Qual lugar em Porto Alegre tem o que encontramos aqui?” questiona Lúcio, maravilhado com o lugar onde reside.
A escolha da creche foi outro passo importante na construção da família. “Procuramos muito e acertamos em cheio. Colocamos ele numa escolinha muito boa. Não há qualquer tipo de preconceito, todos nos respeitam e tratam ele bem, como qualquer criança. É o que importa para nós”, afirma Lucimar. No Dia das Mães, a avó de João Vitor participa das atividades em ambiente escolar.
Se hoje vivem em um ambiente saudável, com compreensão de vizinhos, amigos e colegas de trabalho, tanto Lúcio quanto Rafael preparam João Vitor para lidar com o preconceito com naturalidade. “Estamos educando ele para que consiga superar essas coisas que vão acontecer, né? Ele sabe que tem dois pais que o amam independentemente de opção sexual. Queremos que ele tire isso de letra. Vamos criar ele com diálogo aberto”, afirma Lucimar.
Licença-maternidade, documentos e polêmica com a Igreja
Apesar da tranquilidade com que a família lida com o assunto, o preconceito está presente em outras formas. A crítica mais severa do casal é destinada aos processos burocráticos para emissão de documentos de João Vitor, como certidão de nascimento e carteira de identidade, por exemplo. A dificuldade, segundo eles, está no despreparo de funcionários que não sabem lidar com a situação.
“A emissão de documentos é bem complicada. Na certidão de nascimento, por exemplo, não tem espaço para botar o nome de dois pais. A filiação é sempre com pai e mãe. Mas no nosso caso, entramos com um pedido judicial e a juíza na ocasião emitiu um mandado pedindo que o documento fosse alterado”, explica Rafael.
“Agora para RG, CPF, não tem jeito. O nome da mãe consta como Lucimar. Ainda temos muito a evoluir como sociedade neste sentido. O pessoal que trabalha nos cartórios está muito despreparado. Quando fui buscar a carteira de identidade do João, a atendente ficou confusa ao ver meu nome como mãe. Queria saber quem era a mãe e tudo. É triste”, lamenta Lucimar.
Com muito esforço, explica Lúcio, eles conseguiram o direito de tirar licença-maternidade após a adoção João Vitor. A decisão saiu em 2012. “No nosso caso foi diferente. Conseguimos o benefício administrativamente. Não fizemos nenhum pedido judicial, nem nada. Tivemos diversas audiências, foi cansativo, mas deu certo. Todo nosso pedido de licença foi baseado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Lá diz que todos somos iguais perante a lei. Não importa o sexo, religião, todos tem os mesmos direitos e deveres”, argumenta Lucimar.
Outro ponto negativo, segundo eles, é a posição da Igreja Católica em relação aos homossexuais. Apesar de elogiarem a conduta do Papa Francisco durante visita ao Brasil, na Jornada Mundial da Juventude, o casal critica velhos dogmas. “Como que nos dias de hoje a Igreja ainda é contra o preservativo para prevenção de doenças? Como ser contra anticoncepcionais? Além disso, tem a questão dos gays que não são tão bem aceitos como deveria ser”, diz Rafael. Mesmo assim, os dois batizaram o filho e pretendem catequizá-lo.