A Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento prévio de custas e emolumentos (art. 39, da Lei nº 6.830/80). Tal privilégio, contudo, não a exime do ressarcimento do valor respectivo na hipótese de se tornar vencida na demanda (parágrafo único). Não há, desse modo, qualquer isenção de pagamento dos emolumentos, mas apenas dispensa de prévio depósito, postergando para o final da ação o ressarcimento respectivo.
Sérgio Mersserschmidt[1] Introdução Pelo presente artigo teceremos algumas ponderações sobre decisões judiciais exaradas em executivos fiscais, que, rotineiramente, determinam a prática de atos registrais sem que haja a satisfação dos emolumentos correspondentes e dos demais encargos respectivos, tais como selos de fiscalização e tributos – ISSQN. Inicialmente, abordaremos a inexistência de fundamentação e do respectivo enquadramento legal das decisões, que acarretam a inconstitucionalidade, ilegalidade e ilegitimidade destas determinações. Posteriormente, demonstraremos o direito do cartorário à percepção integral dos emolumentos, consoante o disposto na Carta Constitucional, como na legislação nacional infraconstitucional e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Seguindo, tendo como pano de fundo as normas administrativas da Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, consubstanciadas na Consolidação Normativa Notarial e Registral – CNNR – veremos que as mesmas estabelecem o direito aos emolumentos no final do processo judicial, bem como impõem aos registradores a obrigatoriedade da prestação de contas dos emolumentos e dos selos de fiscalização utilizados nos atos respectivos. E, finalizando, pugnaremos pela responsabilidade acessória da União na satisfação dos emolumentos, quando da extinção do processo pelo pagamento do débito pelo Executado, sem que tenham sido pagas taxas os valores pelos registros e averbações efetuados no interesse da Exequente. Da ausência de fundamentação e embasamento legal da ordem judicial Inicialmente, verifica-se que em grande parte destas determinações judiciais, em que se dispensa a satisfação dos emolumentos ou a sua não-exigência pelo Oficial Registrador, encontra-se carente de fundamentação, bem como ausente de embasamento legal, o que torna eivada de nulidade tais decisões, conforme preceitua o inc. IX do art. 93 da Constituição Federal[2]. Igualmente, o Novo Código de Processo Civil estabelece como elemento essencial da decisão judicial os fundamentos em que se baseou o juiz para dirimir a questão posta ao seu crivo e para que se possam conhecer os motivos que lhe justificam, seja uma decisão interlocutória, sentença ou acórdão (inc. II do art. 489)[3]. Registre-se ainda que, no Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade, inserido na Constituição Federal (inc. II do art. 5º)[4] obriga e conforma o agir de todos, razão pela qual inclusive as decisões judiciais devem observá-lo, sob pena de perda de sua legitimidade constitucional. Em matéria tributária, a Carta Constitucional prevê, expressamente, que para a dispensa de pagamento de imposto, taxa ou contribuições é imprescindível lei específica[5]. Neste sentido, igualmente o Código Tributário Nacional(CTN) estabelece que somente mediante lei formal poderá haver a dispensa do crédito tributário[6]. Desta forma, para a determinação de dispensa ou não-exigência dos emolumentos, não basta apenas a vontade da autoridade judicial, ela deverá também fazer-se acompanhar de fundamentação idônea, constitucionalmente exigida, assim como deverá elencar o diploma legal que lhe dá supedâneo. Do direito à percepção integral dos emolumentos A nossa Carta Constitucional de 1988 estabeleceu que os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. O constituinte optou pelo modelo de prestação dos serviços públicos efetivados por particulares, investidos numa função pública nos termos da lei pelo concurso público, estabelecendo, ainda, que a remuneração dos Oficiais seria disposta em norma legal[7]. Consoante pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[8] os emolumentos dos serviços de notas e de registro são considerados tributos, da espécie taxas, razão pela qual o seu pagamento ou satisfação somente pode ser dispensado nas hipóteses dispostas na Lei, a que todos estamos submetidos. Assim, decisões judiciais carecedoras de fundamentação jurídica, além da nulidade apontada, estão em desacordo com a legislação que rege a matéria, porquanto esta garante aos registradores o direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia, consoante a Lei nº 8.935/94, art. 28[9], e art. 14 da Lei 6.015/1973[10]. Além disso, conforme dispõe a Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) verifica-se que em seu art. 39 não há a obrigatoriedade do preparo ou depósito prévio dos emolumentos[11], o que não significa automática isenção, pois se assim fosse também haveria inconstitucionalidade da norma, visto que o nosso Sistema Constitucional Tributário veda a prática da isenções heterônomas (inc. III do art. 151 da CF).[12] O que o STJ tem reiteradamente decidido é que a determinação do registro (ou da averbação) da penhora decorrente de executivos fiscais não representam uma típica isenção. Vejamos: “A legislação mencionada não está a regulamentar uma isenção à Fazenda Pública, mas sim dispondo que esta fica dispensada do depósito antecipado, ficando obrigada a pagar o montante referente a custas e emolumentos ao final da lide, acaso reste vencida”[13]. “A Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos (art. 39, da Lei nº 6.830/80). Tal privilégio, contudo, não a exime do ressarcimento do valor respectivo na hipótese de se tornar vencida na demanda (parágrafo único). Não há, desse modo, qualquer isenção de pagamento dos emolumentos, mas apenas dispensa de prévio depósito, postergando para o final da ação o ressarcimento respectivo”[14]. Frise-se que no Novo Código de Processo Civil não encontramos qualquer dispositivo que consagre a dispensa de pagamento das despesas processuais praticadas a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que deverão ser pagas ao final pelo vencido[15]. Com efeito, ainda que o registro (ou averbação) da penhora não se constitua um ato processual stricto sensu, configura-se o mesmo um ato necessário e integrativo do processo judicial, visando assegurar a publicidade e efeito erga omnes da constrição judicial efetuada[16]. Por fim, o mesmo STJ vem de decidir que a legislação que se achava em vigor antes da CF/1988 não terá sido recepcionada pela nova ordem. O § 2º do art. 236 conferiu novo regime jurídico ao tema, de modo que a Lei n. 10.169/2000, ao instituir novas regras sobre os emolumentos, estas hão de prevalecer, “prestigiando a competência dos Estados-Membros de legislar sobre o assunto, em homenagem ao princípio federativo”, a teor do disposto no § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, segundo o qual “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”[17]. Concluindo, a Lei n. 10.169/2000 derrogou o art. 34 do Decreto-Lei n. 167/67 (destaquei). Das Normas da CGJ/RS e os Executivos Fiscais Ainda que o tema deste tópico utilize a regulamentação efetivada pelo Tribunal de Justiça do RS, sabe-se que os Estados da Federação possuem legislações similares referentes aos emolumentos e selos de fiscalização utilizados na efetivação dos atos registrais. Com efeito, além dos emolumentos que incidem sobre o ato praticado, há ocorrência também de valores dos selos de fiscalização disciplinados pela Lei Estadual nº 12.692/08, também de natureza tributária, que devem ser recolhidos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que somente podem ser dispensados nas hipóteses legalmente previstas. Dos selos utilizados sobre os atos praticados, tem o Agente Delegado o dever e responsabilidade de prestar contas à Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça, conforme determinam os artigos 24-N, 24-O e 24-P da Consolidação Normativa Notarial e Registral – CNNR/CGJ/RS[18]. Observa-se, que a prestação de contas quanto aos valores dos selos e o seu enquadramento nos códigos respectivos, sujeitam o Registrador, em caso de eventual irregularidade, a responder procedimento disciplinar – art. 24-R da CNNR/CGJ/RS[19]. Neste sentido, conforme Ofício-Circular nº 079/2015-TJ/CGJ/RS, de 17 de julho de 2015, determinou-se o enquadramento dos atos praticados com o código PEPO (Pagamento de Emolumentos a posteriori ) e, por óbvio, dos selos de fiscalização, sendo que os emolumentos correspondentes deverão ser pagos quando do final do executivo fiscal, conforme determina os artigos 397 e 398 da CNNR/CGJ/RS[20]. Ressalte-se, que a Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça considera que não se pode utilizar nos atos praticados em decorrência de executivos fiscais, reclamatórias trabalhistas ou indisponibilidades judiciais o código EQLG – 02 – Decreto-Lei nº 1.537/77 - referente à gratuidade de quaisquer atos registrais e notariais solicitados pela União[21]. Calha consignar que não foi deferida pelo Relator, Ministro Marco Aurélio Mello, a medida acauteladora pleiteada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 194, – proposta em 9/10/2009, pela Presidência da República, visando a recepção do Decreto-Lei nº 1.537/77 pela Constituição Federal de 1988, estando o processo aguardando pauta para julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal. Ainda no mesmo diapasão, está em curso a Ação Cível Originária (ACO) 1.646, distribuído ao ministro Joaquim Barbosa e redistribuída ao ministro Roberto Barroso e que se acha ainda pendente de decisão. Destaque-se do despacho monocrático do min. Joaquim Barbosa a conclusão de que a Carta de 1988 proíbe expressamente que um ente federado conceda exoneração, total ou parcial, de tributos cuja competência para instituição seja de outro ente federado (art. 151, III da Constituição). Trata-se da isenção heterônoma, já referida. Segue o ministro: “Por outro lado, o apelo à competência da União para criar normas gerais em matéria de serviços notariais extrajudiciais é destituído de plausibilidade, por duas razões preponderantes. Inicialmente, as normas em discussão referem-se à instituição de tributos e do custeio propriamente dito dos serviços notariais, matéria que também é regulada pelos arts. 145, II e 151, III da Constituição, e não apenas do art. 236, § 2º da Constituição. Ademais, a própria Constituição imuniza certos fatos contra a instituição e cobrança de custas judiciais e de emolumentos extrajudiciais (art. 5º, XXXIV e LXXVI, a e b da Constituição). A exoneração potencialmente causa desequilíbrio entre as fontes de custeio e os custos da atividade judicial e notarial, de modo a impelir os entes federados a estabelecer ‘forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federal’ (art. 8º da Lei 10.169/2000). Dada a existência do dever de compensação proporcional à exoneração, o benefício estabelecido pela União tende a transferir aos estados-membros e ao Distrito Federal o custo da isenção conferida, colocando-os em delicada situação interna, considerados os anseios e pleitos dos delegados notariais que serão diretamente afetados pelas normas federais”[22]. Da responsabilidade acessória/subsidiária da UNIÃO pela satisfação dos emolumentos Sem embargo do princípio da causalidade[23] que ancora a lei processual na divisão dos ônus sucumbenciais, a parte deverá prover as despesas com os atos que forem praticados no processo a seu requerimento, antecipando-lhes o pagamento. Na execução, esta responsabilidade vai até o pagamento do débito referido no título.[24] Neste sentido, o registro e/ou averbação da penhora é feita a requerimento e no interesse da Exequente, no caso a UNIÃO, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, conforme determina a novel legislação processual civil[25] e a lei de executivos fiscais.[26] Ocorre que, em não raras ocasiões, há acordo entre as partes, com pagamento e/ou parcelamento do débito fora do ambiente processual, acarretando a extinção da execução e, por óbvio, das eventuais constrições judiciais. Em outras situações, por equívocos procedimentais da Fazenda Pública para a constituição de seu crédito, há a extinção da execução fiscal, em face do cancelamento do débito e/ou da inscrição em dívida ativa, acarretando, por conseguinte, a ineficácia/desconstituição das restrições de bens e direitos até então efetivadas no processo executivo. Com efeito, os Juízos determinam o cancelamento das constrições judiciais (penhoras, arrestos, inalienabilidades) inscritas nos Registros de Imóveis. Contudo, invariavelmente, não são satisfeitos os emolumentos devidos pelos atos praticados, tanto da publicização da constrição efetivada, como de seu cancelamento, que deveriam ser pagos, pois a atividade de registro é pública, mas exercida em caráter privado, como já vimos. E, como demonstramos, ilegais e ilegítimas são as decisões judiciais que determinam a isenção ou dispensa do pagamento dos emolumentos devidos pelos atos praticados, eis que o recebimento pelo trabalho efetuado é um direito assegurado em lei. Antes de extinguir a execução, o Juízo deveria determinar o pagamento dos débitos junto ao Serviço Registral respectivo, pois este colaborou com o Poder Judiciário e com a Fazenda Pública, suportando integralmente os custos da manutenção do Serviço Registral, tais como aluguel, água, luz, material de expediente, salários, encargos sociais etc. Dito de outra forma, não pode o Registrador ser o financiador da Fazenda Pública para a cobrança de seus créditos, pois isto atenta contra os princípios gerais da atividade econômica, assim como não valoriza o trabalho humano. E, também, não podemos olvidar que remuneração do trabalho visa assegurar também a dignidade dos cidadãos que legitimamente exerceram seu mister.[27] Esse é o sentido do acórdão relatado pelo min. João Otávio de Noronha: “O STJ firmou o entendimento de que a Fazenda Pública está obrigada ao pagamento de custas e emolumentos dos serviços cartorários, porquanto não se pode exigir que o registrador público financie as despesas com atos processuais requeridos no interesse da União, como é o caso do registro da penhora[28]. E, como consignamos anteriormente, não há em favor da UNIÃO isenção dos emolumentos, apenas o diferimento do pagamento para o final do processo. Desta forma, em não ocorrendo a inclusão no débito das despesas com atos registrais já efetivados, bem como daqueles que serão praticados, evidencia-se, também, responsabilidade acessória da UNIÃO pelo pagamento dos mesmos aos Cartórios de Registro de Imóveis, pois os atos foram feitos exclusivamente no interesse e garantia dos direitos dela, exequente. Conclusão As decisões judiciais exaradas em executivos fiscais que determinam a não exigência ou a dispensa do pagamento de emolumentos respectivos para a prática do ato cartorário são ilegítimas, se não contarem a devida fundamentação. A lei que regulamenta a atividade de registros, que é exercida em caráter privado, estabelece e garante o direito de o prestador do serviço ser remunerado pelo ato praticado. Nos executivos fiscais, o diploma legal que trata da matéria não estabelece isenção tributária, apenas difere o pagamento do tributo ao final da demanda. Tal assertiva tem sido confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe dar uniformidade à interpretação de lei federal. Igualmente, o regramento administrativo do Tribunal de Justiça do RS impõe ao cartorário o dever de prestar contas quanto aos tributos que lhe são devidos (selo de fiscalização), fixando, inclusive, penalidades por eventuais irregularidades ou incorreções na prestação de contas. A responsabilidade da União pelo pagamento dos emolumentos pode se dar em caráter acessório/subsidiário, eis que os registros são praticados no seu interesse, sendo ilegítimo que terceiro, no caso o registrador imobiliário, suporte os custos da efetivação dos serviços, como sói acontecer amiúde. |
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Fonte: IRIB |