Sem fiscalização e vontade por parte do governo, nova norma corre risco de não ser efetiva
O decreto 9.094/17, publicado no dia 17 de julho deste ano, promete realizar uma "desburocratização" no país e também facilitar a vida de cidadãos e contribuintes, que não vão mais precisar comprovar documentação que já esteja contida na base de dados dos órgãos do governo federal aos próprios órgãos e entidades do Executivo federal.
Segundo o texto do decreto, os órgãos e entidades do poder Executivo federal deverão, eles próprios, obter diretamente do órgão ou da entidade responsável pela base de dados documentos comprobatórios da regularidade da situação de usuários dos serviços públicos, atestados, certidões ou quaisquer outros documentos comprobatórios.
Além disso, o decreto diz que o governo deverá criar uma ferramenta de pesquisa de satisfação dos usuários, por meio do Portal de Serviços do Governo Federal, além de uma Carta de Serviços dos Usuários, com o objetivo de informar usuários sobre como utilizar o trabalho de órgãos nacionais, como e onde encontrar esses serviços. A ideia é que o cidadão avalie e ajude a melhorar os serviços públicos.
Mas, o que esta norma, que num primeiro momento parece mudar a lógica cartorial brasileira, irá significar na prática? Para Thiago Luis Sombra, sócio do escritório Mattos Filho, o decreto 9.094 funcionará como um complemento de outras medidas administrativas realizadas no passado.
O advogado cita o exemplo do decreto 8.789, de junho de 2016, que prescreve que órgãos e entidades da administração pública federal responsáveis pela gestão de bases de dados oficiais disponibilizarão aos outros órgãos interessados o acesso aos dados sob a sua gestão.
"Não será mais exigido, por exemplo, a autenticação de documento. Se o cidadão, por exemplo, tem comprovado perante o INSS que vive em união estável com a esposa, esse fato não precisará ser comprovado perante outro órgão público, ou seja, um fato comprovado por um órgão público deverá valer para todos os demais", explicou Sombra.
De acordo com Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, sócio do escritório Lunardelli Advogados, o novo decreto facilitará a vida do contribuinte que enfrenta processos administrativos na Receita. "O cidadão precisava apresentar seus documentos em 20 dias, um prazo muito curto para se juntar tantos papéis. Agora, dentro do processo administrativo, não haverá mais essa obrigatoriedade", afirma.
Para Lunardelli, contudo, o decreto 9.094 só realmente causará uma desburocratização no país se o cidadão comum e os contribuintes cobrarem e fizerem o uso do decreto. "Para estabelecer novos padrões, é necessário que o cidadão participe do processo e faça o uso do seu direito", afirma o advogado. Lunardelli lembra que o Brasil já teve outras tentativas mal-sucedidas de diminuir a burocracia, como o Ministério da Desburocratização, nos governos Figueiredo e Sarney.
Passaporte
Já na visão de Igor Sant'Anna Tamasauskas, sócio do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, a desburocratização só será realmente efetiva caso aconteça uma fiscalização e imposição do decreto por parte do governo federal e seus órgãos de coordenação. Para ele, o decreto é apenas uma tentativa, uma carta de intenções, e ainda precisa de confirmação se suas práticas serão incorporadas de forma satisfatória.
Na avaliação de Tamasauskas, o novo decreto poderá simplificar o procedimento na obtenção de novos documentos, como, por exemplo, passaportes e também simplificará processos burocráticos como o reconhecimento de firma. Entretanto, haverá um período de adaptação para que aconteça uma comunicação entre os órgãos sobre os dados que serão compartilhados.
Espera-se, por exemplo, que futuros solicitantes do passaporte não precisarão mais levar documentos que já constem nos bancos de dados federais, como é o caso do comprovante de votação da última eleição. "A administração pública, no caso a Polícia Federal, pode realizar a consulta da situação eleitoral do cidadão, em tempo real, pelo site do Tribunal Superior Eleitoral, verificando se o solicitante do passaporte possui alguma pendência ou não", afirma Fabrício Medeiros, advogado eleitoral.
Mesmo que o decreto seja efetivo, é evidente que ele não acabará com a burocratização brasileira. Uma nota emitida por Claudio Marçal Freire, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), lembra que o decreto "se destina às entidades e órgãos do Poder Executivo Federal, conforme seus artigos 1º e 9º, não se aplicando às exigências do reconhecimento de firma e autenticação exigidas pelos demais Poderes e por outros entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios)".
Alexandre Leoratti
Fonte: Jota