1. INTRODUÇÃO
À primeira vista a Lei nº 13.460/17 representa grande impacto nas atividades notariais e registrais. Dispõe, ela, “sobre a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública”.
Com a maior brevidade esperada o Conselho Nacional de Justiça ou as Corregedorias-Gerais de Justiça precisarão adequar suas normas administrativas a ela, para que com segurança os Notários e Registradores possam atuar. Curial que se esclareça a amplitude dos seus efeitos.
Em face da novel legislação será preciso que se defina quando manter ou não as exigências (legais) de reconhecimento de firmas e de autenticações para a prática de atos perante a Administração Pública em geral (direta ou indireta).
Reconhecimento de firmas e autenticações no Brasil são medidas profiláticas, que evitam muita incomodação para o usuário, embora pouco se compreenda a respeito disso. Num primeiro momento pode parecer mera burocracia; todavia, em face das incontáveis falsidades e irregularidades que se tentam praticar diariamente perante a Administração Pública e entre os particulares tais medidas se prestam para prevenir litígios e alcançar segurança jurídica sem a necessidade de processo judicial.
Com muita frequência o Estado Brasileiro gasta vultosos recursos para recadastrar beneficiários de programas em face da frequência com que se operam as falsidades. As Juntas Comerciais enfrentaram sérios problemas ao tempo em que não exigiam reconhecimento de firmas. E tantos outros casos podem ser citados como problemáticos em face da flexibilização da exigência de cautelas mínimas como as ora em comento.
De qualquer forma, trataremos de analisar como a Lei nº 13.460/17 repercutirá no dia-a-dia dos serviços notariais e registrais até que se alcance melhor regulamentação, em especial enfocando principalmente na diretriz prevista no art. 5º, IX, quando explicita: “autenticação de documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade;”.
2. REGRA DE VIGÊNCIA
Incomum a norma explicitada no art. 25 da Lei nº 13.460/17, a qual menciona prazo de vigência em face da população existente em cada Município.
Inicialmente curial enfatizar que a lei em comento previu regra de vigência. Seu art. 25 estabelece o seguinte:
Art. 25. Esta Lei entra em vigor, a contar da sua publicação, em:
I - trezentos e sessenta dias para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de quinhentos mil habitantes;
II - quinhentos e quarenta dias para os Municípios entre cem mil e quinhentos mil habitantes; e
III - setecentos e vinte dias para os Municípios com menos de cem mil habitantes.
Assim, a dispensa de reconhecimento de firmas e de autenticações na Administração Pública ainda levará um tempo para ser aplicada.
Será preciso conhecer a população de cada Município para que se defina o marco legal de operação de efeitos da lei. Qual o critério para se saber a população de um Município? Acredita-se que será preciso buscar a informação proveniente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ainda, interessante analisar se o art. 25 não gera uma desigualdade de tratamento em face da população de cada Município. Quando se produz um documento num Município para gerar efeito em outro de população diversa, como se operará o controle a incidência da legislação em comento? Tais questões precisarão ser enfrentadas pelos operadores do Direito e, melhor, regulamentadas pelo Poder competente.
3. INCIDÊNCIA NOS SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS
Incontroverso que a Administração Pública direta e indireta se adaptará ao texto legal e regrará sua forma de atuação com fundamento nesta nova realidade.
Com efeito, os serviços notariais e registrais, para agirem, também precisarão observar a Lei nº 13.460/17? Poderão ser caracterizados como integrantes da Administração Pública indireta, em face do exercício via delegação? Suas rotinas igualmente serão afetadas e alteradas pela forma como atuam, por delegação do Poder Público?
A análise da natureza jurídica dos serviços notariais e registrais pela jurisprudência é extremamente vacilante: Ora se verifica a presença do caráter empresarial (incidência tributária do Imposto Sobre Serviço e inexistência de aposentadoria compulsória), ora entende-se como serviço público latu sensu (teto remuneratório para os interinos, acesso à função por concurso público, serviço remunerado por emolumentos etc.). Nunca houve uma definição precisa sobre a aplicação do art. 236 da Constituição Federal (CF), quando explicita que “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. Ainda não se sabe, com precisão, qual a parte pública e qual a privada decorrente da prestação dos aludidos serviços.
De qualquer modo, quanto à aplicação da Lei nº 13.460/17 acredita-se que o Poder Judiciário, a quem compete e fiscalização e orientação dos serviços notariais e registrais, irá entender que compreendem-se, no caso, dentro da Administração Pública prestada de forma indireta, por delegação. O §3º do art. 1º justifica tal consideração e o art. 2º, II e III parecem incluir tacitamente os serviços delegados do art. 236 da CF.
Em que pese tal consideração, conforme §2º do art. 1º da Lei nº 13.460/17, sua aplicação não afasta a necessidade de cumprimento do disposto em normas regulamentadores específica (inciso I do §2º do art. 1º da Lei nº 13.460/17).
Com fundamento em tal dispositivo legal deverão continuar sendo exigidos reconhecimentos de firmas para (i) se registrar uma procuração no Registro de Títulos e Documentos, como prevê o art. 158 da Lei de Registros Públicos (LRP); (ii) recepcionar títulos particulares no Registro de Imóveis (art. 221, II c/c art. 250, II, ambos da LRP); e, (iii) recepção de requerimentos em geral (art. 246, §1º da LRP).
Necessário refletir pela manutenção, ou não, de tal exigência para os casos de aplicação de medidas de desjudicialização, como ocorre para a retificação de registro imobiliário (art. 213 da LRP) e para a usucapião extrajudicial (art. 216-A).
Em que pese hoje ditas regra mencionam apenas a necessidade de anuência dos lindeiros e titulares de direitos reais, por medida de segurança na aplicação destes institutos impõe-se que as firmas estejam reconhecias. Será que o Brasil já evoluiu a ponto de dispensar tal formalidade nestes casos específicos? A presunção de boa-fé do usuário prevista no art. 5º, II, da Lei nº 13.460/17 não sofrerá nenhum controle ou modulação, inclusive nos casos complexos que se referem a definição do direito de propriedade? É preciso analisar esta questão com a moderação e o equilíbrio esperados. O Estado Brasileiro está devidamente aparelhado para coibir e reprimir as inúmeras falsidades que ocorrerão a partir de tal “flexibilização”. A quem interessa esta abertura?
Não se está aqui defendendo interesse da classe notarial, mas o da sociedade em geral, que conta com o menor custo de seguro para estar protegida através do instituto do reconhecimento de firma. Aqui, a diretriz do inciso XI, que trata da “eliminação de formalidades e de exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido”, sustenta a necessidade de se manter o reconhecimento de firma nos casos de retificação de registro imobiliário e de usucapião extrajudicial porque o custo econômico de tal medida para a sociedade será infinitamente menor do que na resolução de litígios gerados se tal formalidade for dispensada. Quem está regularizando seu imóvel sabe que terá certos custos para enfrentar, proporcional à valorização alcançada em face da regularização da propriedade. Logo, melhor que ao interessado caiba este custo do que repassá-lo à sociedade como um todo pelos inúmeros problemas que irão surgir pela generalizada flexibilização.
Ademais e salvo melhor juízo, a presunção de boa-fé do usuário deve ser analisada em compasso com outra diretriz do art. 5º, qual seja, a do inciso IV, que explicita a adequação entre meios e fins. Ora, é razoável e proporcional manter o reconhecimento de firma para determinados casos, em especiais os que encetam, por exemplo, as transações econômicas como a transferência de veículos.
4. CONCLUSÃO
As mazelas enfrentadas pelos usuários de serviços públicos no Brasil não decorrem dos serviços notariais e registais, os quais servem de exemplo de atuação do serviço público e encontram-se em primeiro lugar em índices de satisfação.
Espera-se que os efeitos principais decorrentes da Lei nº 13.460/17 sejam sentidos pelos usuários nas áreas de saúde, educação e segurança pública, cujos índices estão muito aquém da contribuição custeada pela sociedade em geral, mas sem a devida contraprestação por parte do Estado.
Importante que o foco da Administração Pública mire o alvo correto, alterando sim o que precisa ser alterado, mas preservando o que ainda funciona muito bem no nosso País, que são os serviços notariais e registrais.
Numa época em que nem os Passaportes estão sendo emitidos por falta de estruturação do Estado Brasileiro, esta breve exposição é feita a título de considerações iniciais, oportunidade em que almeja-se ver o fiel cumprimento do texto publicado pela Administração Pública em geral, com a modulação em casos específicos (mormente os relacionados com as atividades notariais e registrais), porque de grande valia para o usuário do serviço público.
Por fim, espera-se que não tenhamos mais uma lei escrita sem a efetividade esperada, sem a necessária observância pelo seu destinatário passivo, o Estado Brasileiro. Enfim, que haja a publicação indicada no art. 3º, que os princípios do art. 4º sejam respeitados, que todos os direitos do usuário previstos no art. 6º sejam honrados etc.
Porto Alegre – RS, 04 de julho de 2017.
Fonte: Colégio Notarial do Brasil