“Com a declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/02 e a consequente equiparação do regime sucessório entre casamento e a união estável, como fica a lavratura dos inventários extrajudiciais? Como se dará a modulação dos efeitos dessa decisão, em relação aos óbitos anteriormente ocorridos?” – por Rafael Depieri
Desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002 discute-se sobre a constitucionalidade da aplicação do art. 1.790. Uma boa parte dos doutrinadores sempre considerou o texto legal prejudicial aos companheiros, em comparação aos cônjuges, gerando uma indesejável desequiparação entre ambas as situações. Aplicando-se o artigo 1.790 aos casos mais comuns, nos quais não há definição do regime de bens entre os companheiros, valendo, portanto, a comunhão parcial, para as hipóteses em que o companheiro falecido não deixar bens adquiridos com o esforço comum, o companheiro sobrevivente nada recebe a título de herança, que deverá ser integralmente partilhada entre os demais parentes sucessíveis. Por outro lado, levando em conta, ainda, o mesmo regime da comunhão parcial de bens, o artigo em questão pode ser benéfico ao companheiro, se a integralidade do patrimônio deixado for fruto de aquisição onerosa, durante a vigência da união estável, pois, além da meação a que faz jus, o companheiro herdará, inclusive em concorrência com os herdeiros, situação bem mais vantajosa do que a prevista pelo artigo 1.829, que só permite ao cônjuge sobrevivente concorrer com os herdeiros nos bens particulares. No entanto, no dia 10 de maio, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Especial 878.694-MG, declarou por maioria dos votos a inconstitucionalidade do artigo em testilha, equiparando o regime sucessório entre cônjuges e companheiros. No referido decisum, o relator, Ministro Luís Roberto Barroso, votou pela procedência do recurso, sugerindo a aplicação da tese segundo a qual “no sistema constituRafael Depieri* cional vigente é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil de 2002”. Dessa forma, de acordo com a novel decisão, não há mais diferença entre sucessão de cônjuges e companheiros, aplicando-se, em todos os casos, o artigo 1.829 do CC/02, devendo ser considerado o regime de bens eventualmente adotado pelos conviventes, para determinar em quais casos o companheiro será meeiro ou herdeiro. Quanto à aplicabilidade de seus efeitos para os óbitos ocorridos antes do julgamento, o relator Min. Barroso sugeriu a modulação dos efeitos da decisão apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. Nas palavras do voto do ministro relator: Por fim, é importante observar que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorridas desde o advento do CC/2002. Assim, levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública.(gn) Assim, os notários deverão aplicar o art. 1.829 a todos os inventários a serem lavrados após a referida decisão, independentemente da data do falecimento, desde que ocorridos após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, conforme entendimento decorrente do art. 2.041, in verbis: Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916). Ressalve-se que no dia 06 de abril de 2017 foi juntada ao processo a certidão de julgamento do Recurso Especial 878.694-MG, faltando ainda a publicação oficial do Acórdão que permitirá a produção dos efeitos da decisão para terceiros. *Rafael Depieri é assessor jurídico do CNB/SP. Advogado, é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas. Envie sua dúvida para cnbjuridico@cnbsp.org.br |
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Fonte: Jornal do Notário |