Procurador-geral da República fez sustentação oral no Supremo Tribunal Federal no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade
"Impor a uma pessoa a manutenção de um nome em descompasso com a sua identidade é, a um só tempo, atentatório à dignidade e comprometedor de sua interlocução com terceiros, nos espaços públicos e privados", afirmou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em sustentação oral nesta quarta-feira, 7, no Supremo Tribunal Federal (STF).
A manifestação ocorreu no início do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, proposta pela Procuradoria-Geral da República, para que transexuais tenham direito a mudar nome e sexo no registro civil, independentemente da realização de cirurgia de transgenitalização.
As informações foram divulgadas pela Assessoria de Comunicação Estratégica da Procuradoria.
A ação pede para que seja dada interpretação conforme a Constituição ao artigo 58 da Lei 6.015/73, na redação dada pela Lei 9.708/98.
Para Janot, o que se discute é uma abordagem social, que se funda no direito à auto-determinação da pessoa de afirmar livremente e sem coerção alguma a sua identidade como consequência de direito fundamental à liberdade, à privacidade, à igualdade e a proteção da dignidade da pessoa humana.
Segundo ele, a linha do Ministério Público é afirmar esse direito fundamental e reconhecer esse direito imanente à personalidade. "Na visão do Ministério Público, só há que se falar em dignidade da pessoa humana quando se permite que esta afirme autonomamente as suas multifacetadas identidades, realize as suas escolhas existenciais básicas e persiga seus próprios projetos de vida, desde que isso não implique em violação de direitos de terceiros", pontuou.
Segundo o procurador-geral, se uma das finalidades da norma 'é proteger o indivíduo contra humilhações, constrangimentos, discriminações em razão do uso de um nome, essa mesma finalidade deve alcançar a possibilidade de troca de prenome e de sexo no registro civil'.
Ele destaca que a identidade sexual 'qualifica-se como um direito fundamental da personalidade, que tem como elemento mínimo de concretização a adequação da concepção individual de sexualidade quanto ao expressado no registro civil, como forma de compatibilizar o prenome e o gênero à real condição morfológica e psicológica do indivíduo'.
"Se a alteração de nome corresponde a uma mudança de gênero, a consequência lógica em seu sentido filosófico mesmo é a alteração do sexo no registro civil", ressaltou.
O procurador ainda observou. "Para que se respeite a necessária congruência entre a real identidade da pessoa e os respectivos dados do registro civil, por obviedade não há que se exigir a realização de cirurgia de transgenitalismo."
"Isso porque o fato é que não é a cirurgia que concede ao indivíduo a condição de transexual."
Janot argumenta que 'condicionar a realização de tal procedimento médico à alteração do registro civil, ainda que de modo indireto, vai de encontro, dentre outros, ao direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana, ao reconhecimento, à liberdade, à privacidade, à não discriminação, valores constitucionais de primeira vergadura'.
"Não se pode exigir do indivíduo uma verdadeira mutilação física para assegurar direito constitucional básico assegurado a todo cidadão", assinalou Janot.
O procurador-geral também citou observação da Advocacia-Geral da União sobre a necessidade de manter-se vínculo com o registro anterior para efeito de responsabilidade civil, tributária e penal.
Para Janot, 'a questão é pertinente e pode encontrar solução na manutenção do sigilo deste registro inicial para que não se perca a cadeia de responsabilidade eventual cível, tributária e penal'.
O julgamento foi suspenso após as sustentações orais.
Fonte: Estadão