O Poder Judiciário da Paraíba, em recente decisão, reconheceu um caso de multiparentalidade no mínimo diferente. A juíza Ângela Coelho de Salles autorizou que uma mulher retifique o seu registro civil de modo que acrescente o nome dos pais biológicos sem a retirada da maternidade adotiva estabelecida. A Ação de Reconhecimento de Paternidade e Maternidade Post Mortem chamou a atenção por estar em um caminho inverso do que usualmente a Justiça estabelece, como explica a Secretária de Relações Internacionais do IBDFAM, Marianna Chaves.
“A requerente foi criada pelos pais biológicos até os sete anos de idade. Nessa época, sua mãe faleceu e o pai teve dificuldade em criar todos os filhos. Alguns deles foram morar com outros parentes e a autora foi morar com uma prima do pai. Depois de alguns anos, resolveram regularizar a situação. Ocorre que, com a adoção, como todos sabemos, foram extirpados os vínculos biológicos. Acontece que a autora continuava a conviver com o pai e os irmãos. O parentesco deixou de existir no papel, mas não no mundo dos fatos”, explica.
Conforme o processo, em julho de 1979, a mulher passou a viver com a prima e irmã de criação do pai. Em 1984, quando já havia completado 16 anos, a tia deu entrada em um pedido de guarda provisória, com autorização do pai biológico, pedido este que só foi apreciado 25 anos depois, quando a interessada já era maior de idade e casada. O fato de perder o sobrenome da mãe biológica, além de ferir profundamente a sua identidade, lhe causou enorme sentimento de culpa, pois sentia como se estivesse renegando o amor daquela que a criou até os sete anos de idade.
Além disso, ela sempre manteve uma relação de proximidade com todos os irmãos e com o pai. Desta maneira, ingressou ação com o objetivo de acréscimo do nome dos pais biológicos no seu registro civil. Em primeira instância, o processo foi extinto sem resolução do mérito com fulcro no Art. 267, VI do Código de Processo Civil. A sentença foi mantida em sede recursal. Porém, no último dia 8 de maio, a 5ª Vara do Foro Regional de Mangabeira, na Paraíba, reconheceu a Multiparentalidade.
“A decisão foi muito satisfatória. Primeiro porque colocou fim a um sofrimento de mais de 15 anos, e depois porque evidenciou que a nossa Justiça está sintonizada com os arranjos familiares pós-modernos. Decisões assim, reforçam a máxima de que o Direito existe para a vida, e a julgadora do caso foi de uma sensibilidade ímpar ao analisar um pedido tão sui generis”, reflete Marianna Chaves.
Ainda de acordo com a advogada, que atuou diretamente no caso, este entendimento de autorizar a retificação do registro civil pode servir de exemplo para outros juízes, pois a história tem a singularidade de ter tido uma adoção pelo meio do caminho, e num primeiro momento, poderia dar a ideia de óbice intransponível.
“Quando criamos a tese, o Dr. Raphael Carneiro Arnaud e eu, chegamos à conclusão de que todos os pais (os pais biológicos e registrais, e a mãe socioafetiva que posteriormente foi a mãe adotiva) carregavam um elemento comum: uma parentalidade efetiva e afetiva. Assim, foi mantida a maternidade adotiva e reconheceu-se a parentalidade socioafetiva em relação aos pais biológicos (já que a mãe exerceu as responsabilidades parentais enquanto foi viva e o pai continuou na convivência com a filha, mesmo após a adoção)”, destaca.
Durante sua argumentação, a juíza Ângela Coelho de Salles afirmou que “os juízes das varas de família, em geral, decidem pela multiparentalidade como forma mais eloquente para representar o afeto, diante da ocorrência simultânea de filiações múltiplas, prestigiando o princípio constitucional da dignidade da pessoa, face à nova formatação das entidades familiares”, e citou um trecho do livro: ‘Manual de Direito das Famílias’, escrito pela vice-presidente do IBDFAM, Maria Berenice Dias.
Ainda conforme Marianna Chaves, existem crianças e jovens que têm ou terão três ou mais adultos cuidando de si, mas elas não devem ter que escolher entre eles. “A justiça brasileira tem encarado cada vez mais a multiparentalidade como uma realidade do mundo parental. Há aqueles que vivem em uma família monoparental; há os que sempre viverão em famílias biparentais e há aqueles que podem viver em realidades multiparentais ab initio ou derivadas e o Judiciário não tem desconhecido essa pluralidade de cenários igualmente dignos”, completa.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM