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04/05/2017

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO - POSSE - DISCUSSÃO QUANTO A TRATAR-SE DE BEM PÚBLICO - IRRELEVÂNCIA NA ESPÉCIE - USUCAPIÃO - LAPSO TEMPORAL NÃO CUMPRIDO - IMPOSSIBILIDADE - APELO DESPROVIDO

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO - POSSE - DISCUSSÃO QUANTO A TRATAR-SE DE BEM PÚBLICO - IRRELEVÂNCIA NA ESPÉCIE - USUCAPIÃO - LAPSO TEMPORAL NÃO CUMPRIDO - IMPOSSIBILIDADE - APELO DESPROVIDO

- Desnecessário discutir acerca da natureza do bem - se bem público ou não -, quando a espécie pode ser solucionada pela norma expressa no art. 550 do Código Civil/1916, quando não há comprovação de que tenham os autores cumprido os requisitos previstos em lei. Isso porque, no mínimo até 23 de janeiro de 1986, a posse dos autores era precária, integralmente marcada pelo contrato de locação ou, quando menos, por locação seguida por ato de mera tolerância, permitindo o proprietário que eles ali permanecessem, em situação inapta, a possibilitar o início do prazo prescricional.

- Por conseguinte, somente após 23.1.1986 poderia se falar em início do prazo para eventual usucapião, pois, nessa data, alienado o bem ao Município de Curvelo, não tendo transcorrido o prazo de vinte anos, como exige a lei aplicável à espécie, até o ajuizamento da ação.

VOTO VENCIDO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO - POSSE - NATUREZA - MUTAÇÃO - BEM PÚBLICO - REGISTRO - AUSÊNCIA - ART. 1.238 DO CC/2002 - REQUISITOS PREENCHIDOS - COMPROVAÇÃO - USUCAPIÃO - POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO

- Diante do longo lapso temporal decorrido entre o momento no qual os locatários do imóvel deixaram de pagar o aluguel e a propositura da ação, sem que houvesse qualquer oposição por parte do proprietário do bem e tendo aqueles que arcar com os tributos sobre ele incidentes e realizar reformas, houve mutação na natureza jurídica da posse originária, restando configurada a posse com animus domini, apta a ensejar a usucapião do imóvel.

- O imóvel está sujeito à prescrição aquisitiva quando ainda não ingressou no patrimônio público por não ter sido a promessa de compra e venda celebrada pelo Município levada a registro (art. 1.227 do Código Civil de 2002).

- Não se tratando de imóvel público e comprovado o preenchimento dos requisitos do art. 1.238 do Código Civil de 2002, deve ser julgado procedente o pedido de declaração da usucapião do imóvel, de acordo com o tamanho e especificações apurados pela perícia (Des. Armando Freire - Relator vencido).

Apelação Cível nº 1.0209.04.043442-2/001 - Comarca de Curvelo - Apelante: Espólio de Pedro Paulo Alves Teixeira, representado pela inventariante Zizinha Lima Teixeira - Apelante: Zizinha Lima Teixeira - Apelado: Município de Curvelo - Interessado: Antônio Cordeiro - Relator: Des. Armando Freire

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso, vencido o Relator.

Belo Horizonte, 21 de março de 2017. - Armando Freire - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. ARMANDO FREIRE - Cuida-se de recurso de apelação aviado contra a r. sentença de f. 194/195v., que, nos autos da ação de usucapião proposta por Pedro Paulo Alves Teixeira e Zizinha Lima Teixeira em desfavor de Antônio Cordeiro, julgou improcedente o pedido e condenou os autores ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em R$800,00 (oitocentos reais).

Em razões recursais de f. 199/202, o Espólio de Pedro Paulo Alves Teixeira, representado por Zizinha Lima Teixeira, aduz que restou comprovada a posse mansa e pacífica dos autores sobre o imóvel objeto da ação por mais de 30 (trinta) anos. Argumentam que a prova pericial evidenciou a inexistência de sobreposição de limites em relação a qualquer imóvel pertencente ao Município. Salienta que o imóvel possui matrícula própria perante o Cartório de Registro de Imóveis, a qual não foi contestada pelo detentor da propriedade. Defende que não se trata de imóvel público, uma vez que a promessa de compra particular apresentada pelo Município não foi registrada. Por fim, requer o provimento do recurso, para que seja julgado procedente o pedido inicial.

Recurso recebido à f. 203, no duplo efeito.

Contrarrazões apresentadas pelo Município de Curvelo às f. 74/79.

Esse o relatório.

Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

Conforme se depreende dos autos, Pedro Paulo Alves Teixeira e sua esposa, Zizinha Lima Teixeira, ajuizaram a presente ação de usucapião do imóvel registrado sob a matrícula nº 20.575, livro 3AP, f. 294, no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Curvelo, em desfavor de seu proprietário, Antônio Cordeiro, do confinante Município de Curvelo e de terceiros interessados incertos e não sabidos.

O digno Juiz de primeiro grau, como relatado, por considerar que os autores não tinham ânimo de dono e que o imóvel em questão pertenceria à Municipalidade, julgou improcedente o pedido.

Com a devida vênia ao douto Magistrado, entendo que o decisum guerreado está a merecer reparos.

Vejamos.

Cediço que, por meio da ação de usucapião extraordinária, aquele que possuir, com animus domini, um imóvel pertencente a outrem, no qual tenha estabelecido sua moradia habitual, ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo, por dez anos, sem interrupção nem resistência do proprietário, pode requerer ao juiz que declare, por sentença, a aquisição da propriedade do referido bem, independentemente de qualquer título ou da demonstração de boa-fé, conforme estabelecem o caput e o parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil/2002, a saber:

``Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.''

Da análise dos autos, verifico que a prova testemunhal produzida no feito demonstrou que os autores residem no imóvel objeto da ação desde 1970, sendo que deixaram de pagar o aluguel em maio de 1984, estando, desde então, na posse mansa, pacífica e ininterrupta do bem, pagando os impostos e taxas que sobre ele incidem.

Nesse sentido, conquanto tenha o MM. Juiz de origem considerado que os possuidores não tinham ânimo de dono, uma vez que a natureza precária de sua posse não teria sido alterada porque eles deixaram de pagar os aluguéis, entendo que houve a mutação da natureza jurídica da posse originária.

Sobre o tema, lecionam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

``Uma das regras mais comentadas na matéria em estudo é a concernente à possibilidade de alteração no caráter da posse [...].

Imagine-se um detentor de imóvel em virtude de relação trabalhista que venha a ser demitido, ou mesmo um locatário cujo contrato finde. Nas duas hipóteses, se o empregado e o locatário - agora possuidores precários - insistirem em permanecer no local de origem, abrir-se-á em favor dos possuidores esbulhados a ação de reintegração de posse.

Note-se que não estamos defendendo a tese da alteração unilateral do caráter da posse com base no humor do possuidor, que, em determinado momento, passa a julgar que possui em nome próprio e com animus domini.

Essa mudança de percepção quanto à natureza da posse é externamente constatada pela própria omissão daquele que deveria exercer o seu direito subjetivo no sentido de reverter a situação, mas que se queda inerte por um período considerável.

Destarte, se o proprietário esbulhado descurar de enfrentar a posse injusta, temos que o abandono prolongado e a incúria no trato com a coisa denotam alteração no caráter da posse. Em outras palavras, uma posse injusta pela precariedade e, em princípio, inapta a gerar usucapião, sofre o fenômeno da interversão, e o possuidor adquire animus domini.

[...] se a tendência atual é conceder função social à posse, não podemos privar de usucapião o possuidor que mantém poder de fato sobre a coisa, sem oposição e com autonomia por longos anos, em detrimento do proprietário que abandona o objeto de seu direito subjetivo e esvazia o conteúdo econômico do domínio'' (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 92-94).

No mesmo sentido, assevera Lenine Lequete:

``o que possuía como locatário, por exemplo, desde que tenha repelido o proprietário, deixando de pagar os aluguéis e fazendo-lhe sentir, inequivocadamente a sua pretensão dominial, é fora de dúvida que passou a possuir como dono'' (LEQUETE, Lenine. Da prescrição aquisitiva. 3. ed., nº 22, p. 123).

Necessário considerar que a referida tese já foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de caso semelhante ao dos autos, que recebeu a seguinte ementa:

``Civil. Usucapião extraordinária. Comprovação dos requisitos. Mutação da natureza jurídica da posse originária. Possibilidade. - A usucapião extraordinária - art. 55 do CC - reclama, tão-somente: a) posse mansa e pacífica, ininterrupta, exercida com animus domini; b) o decurso do prazo de vinte anos; c) presunção juris et de jure de boa-fé e justo título, 'que não só dispensa a exibição desse documento como também proíbe que se demonstre sua inexistência'. E, segundo o ensinamento da melhor doutrina, 'nada impede que o caráter originário da posse se modifique', motivo pelo qual o fato de ter havido no início da posse da autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem. Precedentes. Ação de usucapião procedente. Recurso especial conhecido, com base na letra c do permissivo constitucional, e provido'' (REsp 154733/DF - Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha - Quarta Turma - j. em 05.12.2000 - DJ de 19.03.2001, p. 111).

Por conseguinte, no caso concreto, diante do longo lapso temporal decorrido entre o momento no qual os possuidores do imóvel deixaram de pagar o aluguel e a propositura da ação - superior a 20 (vinte) anos -, sem que houvesse qualquer oposição por parte do proprietário do bem e tendo aqueles que arcar com os tributos sobre ele incidentes e realizar reformas, tenho que houve mutação na natureza jurídica da posse originária, restando configurada a posse com animus domini, apta a ensejar a usucapião do imóvel.

Ao seu turno, observo que o imóvel objeto da lide não constitui um bem público, ao contrário do que considerou o douto Magistrado.

Isso porque, embora o Município de Curvelo tenha trazido aos autos cópia do instrumento particular de promessa de venda de área urbana, celebrado com Antônio Cordeiro em 1986, bem como o recibo de pagamento do respectivo preço (f. 30/33), referentes a uma área na qual estaria incluído o imóvel objeto da lide, conforme apurado pela perícia (f. 114/128), o referido negócio jurídico não foi levado a registro. Por tal motivo não houve a transmissão da propriedade do bem para o ente público.

Com efeito, na inteligência do art. 1.227 do Código Civil/2002, a propriedade do bem imóvel se transmite com a transcrição no registro imobiliário competente, sendo que o contrato de compra e venda, que manifesta a autonomia de vontade das partes, apenas constitui a primeira fase da transmissão do imóvel, que é um ato composto. Vejamos:

``Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.''

Com efeito, em nosso sistema, o título simplesmente serve à futura aquisição de propriedade, pois nosso ordenamento jurídico, não reconhece força translativa aos contratos. É fundamental a intervenção estatal, realizada pelo oficial do Cartório Imobiliário.

``O modo de aquisição é o fato jurídico que vincula o direito de propriedade ao adquirente do título. O registro exerce dupla eficácia: constitui e publica o direito real'' (FARIAS, Cristiano Chaves de; NELSON, Farias. Direitos reais. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 246).

Portanto, a transmissão de imóvel não se traduz em um simples ato, mas é subdividido em duas fases. A primeira se constitui pela manifestação de vontade das partes, já a segunda se caracteriza pela chancela estatal, estendendo os efeitos (erga omnes).

Em virtude da complexidade desse ato, pode ocorrer de encontrarmos situações jurídicas em que o registro ainda não foi efetivado, estando as partes vinculadas apenas por um contrato de compra e venda.

O contrato de compra e venda, por si só, não garante ao adquirente o direito de propriedade, mas ele produz efeitos entre as partes, sendo que o comprador vira credor de uma obrigação de dar. Realmente, desde já, mesmo que inter partes, se verifica um direito. Assim a orientação da doutrina:

``O negócio jurídico ainda não registrado produz apenas um direito obrigacional - o outorgante é obrigado a transferir a propriedade (obrigação de dar).

[...] quando o transmitente outorga uma escritura de compra e venda, o beneficiário adquire um título, torna-se credor de obrigação de dar (art. 237, CC), mas não se converte ainda em proprietário'' (FARIAS, Cristiano Chaves de; NELSON, Farias. Direitos reais. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 247).

Assim, não tendo o instrumento particular de promessa de venda de área urbana celebrado entre Antônio Cordeiro e o Município de Curvelo sido levado a registro, tenho que o imóvel em questão não ingressou no patrimônio público, estando, portanto, sujeito à prescrição aquisitiva.

Outrossim, a irregularidade apontada quanto à equivocada delimitação da área do imóvel na inicial também não obsta o reconhecimento da usucapião. Realmente, embora os autores tenham indicado que a área total possuída correspondia a 348,23m² do imóvel objeto da supracitada matrícula n. 20.575 (f. 03), a prova pericial demonstrou a posse sobre uma área aproximada de 288,65m² (f. 114/138), na mesma localidade, a qual deve ser considerada para fins de aquisição da propriedade.

Logo, não se tratando de imóvel público e comprovado o preenchimento dos requisitos do art. 1.238 do Código Civil, deve ser julgado procedente o pedido inicial, com a declaração da usucapião do imóvel, de acordo com o tamanho e especificações descritos no laudo pericial de f. 114/138.

Outra não foi a conclusão do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em seu parecer apresentado perante a instância de origem:

``Assim, considerando que o Município de Curvelo não é o proprietário do imóvel em questão; que houve mutação da natureza jurídica da posse originária a partir de maio/1984, quando cessou o pagamento dos aluguéis e tendo as testemunhas confirmado que os autores residem, há mais de 15 anos, no mencionado imóvel, opina o Parquet favoravelmente ao pedido, nos termos em que formulado no penúltimo parágrafo da f. 3 da inicial, a fim de que seja reconhecido o domínio dos autores sobre o imóvel urbano, localizado na Rua Luiz Euzébio, nº 535, Centro, Curvelo/MG, para que o lote (vide parecer técnico avaliatório às f. 114/132 - área de 288,65m²) possa ser registrado, junto ao Cartório do Registro Imobiliário desta cidade, por meio de seu desmembramento, à margem da transcrição nº 20.575, f. 294, do Livro 3 AP do referido Tabelionado (vide f. 7 - área aproximada de 5.508 m²), com fundamento no art. 1.238 do Código Civil.''

Conclusão.

Com essas considerações, dou provimento ao presente recurso para declarar a propriedade da parte autora sobre o imóvel urbano localizado na Rua Luiz Euzébio, nº 535, Centro, Curvelo/MG, para que a área correspondente a 288,65m², conforme descrição constante no laudo pericial, seja registrada junto ao Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Curvelo, por meio de seu desmembramento, à margem da transcrição nº 20.575, f. 294, do Livro 3 AP.

Inverto os encargos sucumbenciais.

Custas recursais, pelo apelado, observada a isenção legal.

É o meu voto.

DES. ALBERTO VILAS BOAS - Não comungo com a argumentação do Relator, data venia.

Com efeito, considero desnecessário discutir acerca de ser o imóvel em questão bem público ou não, pois ingressou no patrimônio municipal através do contrato de compra e venda celebrado em 23.01.1986 (f. 31/32), o qual, contudo, não foi levado a registro no Cartório de Imóveis.

Isso porque a espécie é regida pelo art. 550 do Código Civil de 1916, tendo em vista que a alegada posse dos autores se iniciou na vigência de dito ato normativo, somente se completando na vigência do novo Código Civil, que se deu em 10.01.2003, como cediço.

De fato, a presente ação foi ajuizada em 22.12.2004 (contracapa), momento no qual os ora apelantes afirmaram já haver completado o lapso prescricional previsto para a espécie, donde aplicável o art. 2.028 do NCC, verbis:

``Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.''

Portanto, como houve redução do prazo para o reconhecimento da prescrição aquisitiva e havia transcorrido mais da metade do tempo previsto na lei revogada, será a espécie por ela regida.

E, no caso em julgamento, somente é possível falar em usucapião extraordinária, pois, segundo narrativa na inicial, os autores ocuparam o imóvel mediante contrato de locação e, após vários anos sob essa condição, cessaram o pagamento dos encargos mensais, passando a possuir o imóvel como se donos fossem.

Nesse contexto, não há como reconhecer o justo título, pois estavam absolutamente cientes que sua condição era de locatários - com evidente posse precária - e, somente a partir de determinada data teria havido alteração unilateral no caráter de dita posse, quando, segundo alegaram, passaram a possuir o imóvel com ânimo de dono.

Nesse particular, dispunha o art. 550 do CC/1916:

``Art. 550. Aquele que, por vinte anos sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio independentemente de título de boa-fé, que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de imóveis.''

Na espécie, os autores alegaram ter ingressado no imóvel em 1970, como locatários, sendo que, em maio de 1984, ``deixaram de pagar o aluguel do imóvel [...], acham-se na posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel onde residem, pagando todos os impostos e taxas incidentes sobre o imóvel'' (f. 02).

Não há como validar a data estipulada pelos autores como a que marcou eventual alteração no caráter da posse, diante da fragilidade do caderno probatório. Não há dado objetivo concreto algum a confirmar a alegação da parte, que somente foi alegada na inicial e permaneceu sem comprovação.

Aliás, nota-se que, nas razões de apelo, se pretendeu alterar os fatos lançados na inicial e passou-se a afirmar que a posse data de 1970, omitindo-se o contrato de locação antes anunciado (f. 201/202).

De fato, não veio aos autos qualquer comprovante de pagamento de imposto ou taxa, como se proprietários fossem, a validar a eventual alteração no caráter originário da posse, assim como não foi produzido documento outro nesse sentido.

A prova produzida pela parte limitou-se à oitiva de testemunhas, que confirmaram o fato de os autores residirem no imóvel há dilargado período - o que é até mesmo incontroverso -, mas, expressamente, informaram não saber como se originou a posse destes - vide f. 160/161.

Outrossim, o que se observa é que, à evidência, no mínimo, até 1986 o antigo proprietário - Antônio Cordeiro - exercia todos os seus direitos sobre o bem, valendo-se do direito de dispor (jus disponendi) ao celebrar o negócio jurídico de compra e venda com o Município de Curvelo noticiado nos autos e comprovado às f. 31/33.

Assim, no mínimo até 23 de janeiro de 1986, a posse dos autores era precária, integralmente marcada pelo contrato de locação ou, quando menos, por locação seguida por ato de mera tolerância, permitindo o proprietário que eles ali permanecessem, em situação inapta, a possibilitar o início do prazo prescricional, como cediço.

Por conseguinte, somente após 23.01.1986 poderia se falar em início do prazo para eventual usucapião, pois, nessa data, foi alienado o bem ao Município de Curvelo, não tendo transcorrido o prazo de vinte anos, como exige a lei aplicável à espécie, até o ajuizamento da ação.

Fundado nessas razões, nego provimento ao apelo.

DES. BITENCOURT MARCONDES - No caso em apreço, peço vênia ao eminente Relator para acompanhar a divergência inaugurada pelo em. Desembargador Alberto Vilas Boas e negar provimento ao recurso, firme nas razões expostas no voto de Sua Excelência.

É como voto.

DES. WASHINGTON FERREIRA - Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Relator para dele divergir, acompanhando a divergência instalada e, em consequência, negando provimento ao recurso.

É como voto.

DES. EDGARD PENNA AMORIM - Como dito, cabe-me proferir voto em prosseguimento ao julgamento suspenso em sessão anterior, diante da dissidência, nos termos do art. 942 do CPC/15.

Com a devida vênia do eminente Relator, acompanho a divergência instaurada pelo eminente 1º Vogal.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O RELATOR.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG


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