Especialistas do direito urbanístico e representantes dos cartórios de registros manifestaram-se contrários à Medida Provisória 759/2016, que desburocratiza regularização de imóveis urbanos e rurais, em audiência pública nesta quinta-feira (6). De acordo com participantes, a MP é inconstitucional e ilegal e pretende começar “do zero” a regularização fundiária sem considerar o aprendizado das experiências anteriores.
Representantes do governo, no entanto, rebateram os argumentos contrários e afirmaram que a medida tenta solucionar o problema do acesso à moradia, acrescentando que o governo está aberto a contribuições. A audiência foi realizada pela comissão mista responsável pela análise da MPV 759/2016.
De acordo com a presidente do Instituto de Direito Urbanístico, Daniela Campos Libório, a MP 759 é inconstitucional porque não atende ao requisito de urgência, já que não houve fato novo que a motivasse. Daniela criticou ainda o fato de a medida tratar ao mesmo tempo da regularização urbana e rural. Para ela, essas questões são distintas e devem ser tratados por normas diferentes. A advogada também não concorda com a legitimação fundiária de bens imóveis públicos e privados por ato discricionário.
- Rasga-se a Constituição. Ora, a propriedade privada é garantida constitucionalmente. E as suas exceções têm que estar no texto constitucional. Qual é a exceção do direito de propriedade? Desapropriação. Está no mesmo plano normativo, no mesmo grau de hierarquia normativa – disse.
Para Haroldo Pinheiro Villar de Queiroz, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, a MP não dialoga com o conjunto de experiências da regularização fundiária e não é clara, mudando, inclusive nomenclaturas internacionais. Além disso, Haroldo criticou o fato de ter havido pouca participação da sociedade na elaboração da MP.
- A Medida Provisória 759/2016 foi apresentada ao país num contexto de pouca participação e sem considerar que já há um ordenamento jurídico que rege as questões urbanísticas no Brasil. Não há como se estabelecer novos regramentos para o urbano, atropelando essa realidade legal, construída coletivamente desde a Constituição de 1988 – afirmou.
A diretora da Associação dos Notários e Registradores do Brasil, Patrícia André de Camargo Ferraz, afirmou que acredita na boa intenção do governo com a medida, mas observou que ela provoca uma quebra dramática de todo o sistema que vinha progredindo desde a Constituição de 1988. Ela criticou o fato de conteúdos da atividade de qualificação de registro e de atribuição de segurança jurídica terem sido retirados dos registros de imóveis e passados para o poder público.
- Não sabemos como. Porque o poder público, via de regra, é agente promotor da regularização fundiária quando não parte interessada. Então, quando uma parte interessada conduz um processo de conciliação, isto nos traz perplexidade – afirmou.
O subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, Erick Vidigal, argumentou que a MP atende ao requisito de urgência já que mais de 50% da população brasileira, somente nos grandes centros urbanos, vive em situação de irregularidade. Ele disse que a urgência não necessariamente tem que ser interpretada de modo jurisdicional, mas como uma realidade social.
- Se chegar em qualquer pessoa que vive em situação de irregularidade e perguntar se ela acha que é urgente resolver aquela situação, ainda mais no momento econômico que nós estamos vivendo, a pessoa precisa regularizar para poder vender o seu imóvel, para ter dinheiro para pagar suas dívidas, para investir num pequeno negócio, a urgência é transparente, é automática – disse Erick.
Para o representante da Casa Civil, a questão do direito à moradia “passou da hora de ser enfrentado”. Erick disse ainda que as alegações de que o governo não se abriu ao diálogo não procedem. Segundo ele, o governo se reuniu várias vezes com o Conselho Nacional de Justiça e com a Corregedoria Nacional de Justiça.
- E o texto, toda a parte de registro, foi referendada por eles. Houve ampla participação, todos os órgãos que atuam no setor foram ouvidos, agora todas as pessoas de cada órgão é uma situação de inviabilidade – disse.
Conforme Sílvio Eduardo Marques Figueiredo, do Ministério das Cidades, a demarcação urbanística não deixou de existir e os fundamentos continuam da mesma forma. O que o governo fez foi apenas desburocratizar o procedimento e ampliar a legitimação de posse.
- Após a edição da medida provisória, só a prefeitura municipal de São Paulo deve regularizar mais de 80 mil unidades – disse Sílvio.
Opinião dos parlamentares
O deputado Afonso Florence (PT-BA) manifestou-se contrário à medida e disse que o governo está sendo “mais comunista que a oposição”, pois estaria autorizando a desapropriação de área privada e pública por decisão discricionária. O deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) também mostrou a mesma posição e afirmou que o que predomina na MP é a direito individual de propriedade.
O senador Hélio José (PMDB-DF) defendeu a MP e relatou a situação difícil dos moradores do Distrito Federal que vivem em terrenos irregulares.
- Aqui em Brasília, mais de 1,5 milhão de pessoas vivem na agonia de viver sem seu título de escritura pública, de viver sem sua regularização fundiária. Essa questão aqui é essencial para o Distrito Federal, para dar paz, e dar qualidade de vida para a população do DF que vive amedrontada – afirmou.
O presidente da comissão mista, deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), informou que a próxima audiência pública para debater a MP será na próxima terça-feira (11), às 14h30.
Entenda a MP
A Medida Provisória 759/2016 facilita a regularização fundiária em áreas urbanas informais, como as favelas e condomínios irregulares. Segundo o Ministério do Planejamento, o objetivo é facilitar o acesso da população de baixa renda à moradia. As mudanças também valem para imóveis em áreas consideradas rurais, desde que o núcleo tenha destinação urbana.
A MP faz parte de um conjunto de ações para estimular a economia. O ministro das Cidades, Bruno Araújo, disse que as mudanças podem gerar o ingresso de ativos na economia. Com os documentos em mãos, os moradores terão seus imóveis valorizados e poderão ter acesso a crédito.
Fonte: Agência Senado