JURISPRUDÊNCIA MINEIRA
JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA DE ALUGUÉIS - SUSPENSÃO DO PROCESSO - PREJUDICIALIDADE EXTERNA - INEXISTÊNCIA - EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO APÓS ALIENAÇÃO JUDICIAL OU ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL - EFEITOS NÃO RETROATIVOS - PRELIMINARES - ILEGITIMIDADE ATIVA - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - INTERESSE DE AGIR - AFASTAMENTO - COBRANÇA NA PROPORÇÃO DA FRAÇÃO IDEAL DO LOCADOR - ADMISSIBILIDADE - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO CONSTATAÇÃO
- A ação de extinção de condomínio não caracteriza prejudicialidade externa a ponto de suspender a ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis.
- O coproprietário possui legitimidade para postular o despejo do locatário e exigir o pagamento de aluguéis.
- O pedido impossível é aquele que é vedado expressamente pelo ordenamento jurídico ou que sua prestação é incompatível com a realidade.
- O interesse processual reside na necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e na utilidade, do ponto de vista prático, que esta tutela pode lhe trazer.
- Ao coproprietário são devidos os aluguéis do imóvel, na proporção da sua fração ideal.
- Inexistindo dano processual em prejuízo à parte adversa, a teor do art. 80 do CPC/15, não há falar em condenação por litigância de má-fé.
Apelação cível nº 1.0461.14.005577-7/001 - Comarca de Ouro Preto - Apelante: Vicente Pedrosa e Irmãos Ltda. e outro - Apelado: João Bosco Pedrosa - Relator: Des. Manoel dos Reis Morais
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 7 de fevereiro de 2017. - Manoel dos Reis Morais - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. MANOEL DOS REIS MORAIS - Vicente Pedrosa e Irmãos Ltda. apela da sentença proferida nos autos da ação de despejo cumulada com cobrança ajuizada por João Bosco Pedrosa, que julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais nos seguintes termos (f. 239-241):
``Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na inicial para condenar o réu a pagar ao autor o valor de R$57.087,68 (planilha de f. 23) referente aos aluguéis em atraso, bem como aqueles que se vencerem até a data do efetivo pagamento, com correção monetária pela tabela da Corregedoria de Justiça do Estado de Minas Gerais e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação válida, decidindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno o autor e o réu ao pagamento das custas processuais, à razão de 50% para cada parte.
Quanto à fixação de honorários advocatícios, computo ser uma regra de ordem eminentemente material, motivo pelo qual aplico a lei vigente à época do ajuizamento da ação, qual seja o Código de Processo Civil de 1973. A partir destes fundamentos e tendo em vista a procedência parcial da demanda, fixo em R$2.000,00 os honorários advocatícios em favor do procurador da autora e em R$2.000,00 em favor do procurador do réu, nos termos do art. 20, § 4º, do mesmo diploma legal.''
Opostos embargos de declaração às f. 243-248, que foram inteiramente rejeitados nos termos da decisão de f. 250.
O apelante renova a preliminar de ilegitimidade ativa ao argumento de que o apelado não dispunha à época de direitos e poderes para celebrar contrato de locação. Alega que aguarda o julgamento da ação de extinção de condomínio, por meio da qual busca a declaração da aquisição da cota parte correspondente ao apelado. Sustenta que a apreciação desta demanda depende do resultado do julgamento obtido na ação de extinção de condomínio. Pede a suspensão da ação. Defende que as preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e interesse de agir também são influenciadas pela inexistência de condomínio. Diz que a sentença prolatada na ação de extinção de condomínio possui natureza declaratória e, portanto, seus efeitos retroagem à data da sua propositura. Sustenta que a sentença impugnada desconsidera a realidade fática das partes e que o processo deve ser suspenso.
Pede o provimento do recurso para que seja reformada a sentença, determinando a suspensão do processo até julgamento definitivo da ação de extinção de condomínio. Pela eventualidade, requer o acolhimento das preliminares.
Preparo regular (f. 264-265).
Em contrarrazões, o apelado afirma que possui legitimidade para demandar em juízo ainda que o imóvel se encontre em uso exclusivo de um condômino. Diz que o interesse de agir reside no direito de buscar o recebimento dos aluguéis, limitado à fração do imóvel que possui. Ressalta que o pedido é juridicamente possível, tendo em vista o disposto no art. 1.319 do CC. Esclarece que, enquanto não julgada a ação de extinção de condomínio, continua proprietário de ¼ (um quarto) do imóvel. Defende que o condômino que se utiliza com exclusividade do imóvel deve pagar aluguel aos demais que dele não usufruem. Informa que os pagamentos foram realizados até fevereiro de 2013.
Requer seja negado provimento ao recurso. Pretende a condenação do apelante por litigância de má-fé e a majoração dos honorários sucumbenciais.
É o relatório.
Da admissibilidade.
O recurso é próprio, tempestivo e adequado. Portanto, deve ser recebido nos efeitos legais e conhecido (arts. 1.011, II, e 1.012 do CPC/15).
Da preliminar - Suspensão do processo.
Segundo o apelante, o processo deve ficar suspenso até julgamento definitivo da ação de extinção de condomínio.
Contudo, sem razão.
A ação de extinção de condomínio não caracteriza, por si, prejudicialidade externa que demanda a paralisação da ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis.
Ao contrário do sustentado pelo apelante, a sentença que extingue o condomínio possui natureza constitutiva, pois importará modificação de uma relação existente e constituição de uma nova circunstância jurídica. Com isso, seus efeitos não retroagem para atingir circunstâncias pretéritas, especialmente quando a extinção demandar a alienação judicial da coisa comum (o que ocorre na hipótese de inexistir consenso na venda para terceira pessoa ou interesse de algum condômino em adjudicá-la).
Em outras palavras, a alienação judicial por hasta pública consiste no marco da extinção condominial.
Impossível admitir a tese do apelante no sentido de que a sentença de extinção de condomínio apenas declara situação já consolidada desde ajuizamento da ação, pois até que o bem seja alienado, ou mesmo adjudicado, seu domínio é comum.
Considerando que o apelado permanece na condição de coproprietário até a venda do imóvel e, portanto, que a ação de extinção do condomínio não influencia o julgamento desta ação, rejeita-se a preliminar de suspensão.
Do mérito recursal.
A controvérsia cinge-se ao reexame das preliminares de ilegitimidade ativa, impossibilidade jurídica do pedido e falta de interesse de agir, arguidas em contestação.
Ilegitimidade ativa.
Insiste o apelante na preliminar de ilegitimidade ativa ao argumento de que o apelado não dispõe de poderes para firmar contrato de locação.
No entanto, não lhe assiste razão.
Isso porque o apelado é proprietário do imóvel, em fração correspondente a ¼, conforme certidão extraída de sua matrícula. Nessa condição, o apelado possuía, à época da celebração do contrato de locação, e ainda possui, plenos poderes para dispor do imóvel, nos termos do art. 1.314 do Código Civil.
Conforme elucidado, o apelado somente deixará de ser coproprietário e condômino do imóvel com sua respectiva venda judicial.
Desse modo, o contrato de locação acostado às f. 14-16 foi firmado por agentes capazes e possui validade, não havendo que pensar em ilegitimidade do apelado para postular o despejo do locatário, apelante, e exigir o pagamento de aluguéis.
Assim, deve ser mantida a rejeição da preliminar.
Impossibilidade jurídica do pedido.
Para o apelante, o pedido é juridicamente impossível, pois o apelado não pode cobrar aluguéis sobre bem que não lhe pertence.
Todavia, sem amparo a alegação.
Frisa-se que o pedido impossível é aquele que é vedado expressamente pelo ordenamento jurídico ou que sua prestação é incompatível com a realidade.
A propósito:
``Agravo interno no recurso especial. Ação de cobrança. Impossibilidade jurídica do pedido. Não demonstração. Ausência de vedação no ordenamento jurídico. Inovação em sede de agravo interno. Impossibilidade. Agravo não provido. A possibilidade jurídica do pedido se traduz em apurar se a pretensão deduzida pela parte se mostra compatível com a possibilidade de eventual entrega de tutela jurisdicional, seja em face da existência de regulação normativa que, em tese, possa amparar o pedido, seja em razão da inexistência de vedação legal ou de incompatibilidade com o ordenamento jurídico. Verificada a impossibilidade material de adimplemento da obrigação, impõe-se a improcedência da ação de cobrança, caso fique demonstrado tratar-se de contrato aleatório, ou a conversão da obrigação em perdas e danos, em se tratando de contrato comutativo. É vedado à parte inovar em sede de agravo interno, trazendo argumentação não abordada no recurso especial. Agravo interno a que se nega provimento'' (STJ. Agravo no REsp 1096280/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. em 26.04.2016, DJe de 05.05.2016).
No caso, os pedidos de despejo e cobrança de aluguéis atrasados possuem amparo no ordenamento jurídico em vigor, de modo que a tutela jurisdicional pretendida é passível de entrega. Assim, não há falar em impossibilidade do pedido.
Mantém-se a sentença que rejeitou respectiva preliminar.
Interesse de agir.
Por fim, o apelante aventa preliminar de falta de interesse processual na medida em que o apelado terá que acertar seus prejuízos no bojo da ação de extinção de condomínio.
Todavia, sem razão.
Pois bem. Importante tecer algumas considerações sobre o interesse de agir.
Consoante as lições de Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito processual civil. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense, v.1, p. 56):
``Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio. Essa necessidade se encontra naquela situação que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão.''
Verifica-se o interesse processual quando a pretensão não puder ser alcançada sem a propositura da ação judicial, quando o provimento for útil à parte e o meio escolhido adequado para o fim almejado.
No caso, a demanda se mostra necessária e útil, pois, na condição de coproprietário do imóvel, o apelado procura receber indenização a título de aluguel na proporção de sua cota-parte.
Ademais, o meio processual escolhido pela parte mostra-se adequado (ação ordinária de cobrança), não subsistindo a tese do apelante de que a tutela deveria ser buscada em ação de extinção condominial.
Nesse sentido, mutatis mutandis:
``Ação reivindicatória c/c cobrança de aluguéis. Condomínio horizontal. Uso exclusivo por um dos condôminos. Imóvel indivisível. Direito do condômino sobre a totalidade do bem. Arbitramento de aluguéis. Percepção dos frutos. Interesse de agir configurado. 1) Sem o ajuizamento da ação de divisão, o direito de cada condômino pela sua cota se estende sobre a coisa como um todo, respeitada sua destinação. 2) Contudo, o uso do imóvel por apenas um dos condôminos faz com que tenha de indenizar o coproprietário na proporção da respectiva quota, tomando por base o valor que seria obtido a título de aluguel se o imóvel fosse locado a terceiros'' (TJMG - AC nº 1.0686.12.008340-3/001, Rel. Des. Marcos Lincoln, 11ª Câmara Cível, j. em 31.10.2012, p. em 08.11.2012).
``Apelação cível. Cobrança de alugueres pelo uso de bem deixado de herança. Uso exclusivo de bem do espólio por um dos herdeiros. Preliminares de ilegitimidade ativa e de falta de interesse processual afastadas. I. Não se configura falta de interesse processual na conduta da autora em ajuizar uma ação de cobrança para a satisfação dos locativos em atraso. Quanto à alegação de ilegitimidade ativa, a mesma resta afastada, pois, como comprovado nos autos autora e réu são irmãos, portanto herdeiros do bem. II. Como é sabido, em se tratando de direito sucessório, todos os herdeiros podem usar e gozar do patrimônio do espólio, havendo condomínio entre eles, o que não se aceita é que apenas um dos herdeiros use de forma exclusiva o bem sem a anuência dos demais. III. O termo inicial para a cobrança dos locatícios deve levar em conta o arbitramento feito nos autos da ação de inventário. IV. A correção monetária, pelo IGP-M, deve incidir desde a data do vencimento dos aluguéis. Deram parcial provimento ao apelo da autora e negaram provimento ao apelo do réu. Unânime'' (TJRS. Apelação Cível nº 70043786466, Décima Sexta Câmara Cível, Rel. Ergio Roque Menine, j. em 09.08.2012).
Assim, coaduna-se com o entendimento do Juízo a quo no tocante à rejeição da preliminar de ausência de interesse de agir.
Cobrança de aluguéis.
Finalmente, quanto ao mérito propriamente dito, melhor sorte também não assiste ao apelante.
Dispõe o art. 569 do CC:
``Art. 569. O locatário é obrigado:
[...]
II - a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar''.
A Lei federal nº 8.245, de 1991, também estabelece:
``Art. 23. O locatário é obrigado a:
I - pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido, no imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no contrato''.
Com efeito, caberia ao apelante efetuar o pagamento dos aluguéis pontualmente no valor fixado no preâmbulo do contrato locatício e na proporção discriminada a cada locador.
Segundo noticiado em impugnação à contestação (f. 71), combinado entre os contratantes o pagamento dos aluguéis aos coproprietários, na proporção da fração ideal de cada um, quais sejam: Vicente Pedrosa da Silva - 50%; Ercy Pedrosa - 25%; João Bosco Pedrosa - 25%.
Todavia, incontroverso que respectivo pagamento perdurou apenas até fevereiro de 2013. Esse fato foi afirmado pelo autor, apelado, e não desconstituído, tampouco impugnado pela parte contrária.
Diante disso, impõe-se reconhecer o direito do apelado de auferir os valores correspondentes a sua cota parte do aluguel do imóvel havido em condomínio com os demais locadores. Portanto, deve ser mantida a sentença que julgou procedente o pedido.
Ademais, conforme já esclarecido, até que efetivada a transferência da propriedade após alienação do imóvel e extinto o condomínio, o apelado permanece no direito de receber os frutos advindos do bem, na proporção da sua fração ideal.
Logo, sem razão a insurgência recursal.
Litigância de má-fé.
No tocante à ocorrência de litigância de má-fé, imputada pelo apelado, tem-se que descabida a arguição, porquanto a conduta do apelante de se insurgir contra sentença de procedência não enseja dano processual em prejuízo à parte adversa, tampouco insere nas hipóteses objetivas arroladas no art. 80 do CPC/15.
Rejeita-se, portanto, a caracterização da litigância de má-fé.
Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Majoram-se os honorários advocatícios devidos pelo apelante para R$2.200,00 (dois mil e duzentos reais), na forma do art. 85, § 11, do CPC/15.
Custas recursais pelo apelante.
É como se vota.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Álvares Cabral da Silva e Mariângela Meyer.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG