JURISPRUDÊNCIA MINEIRA
JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ENDOSSATÁRIO DE TÍTULO DE CRÉDITO - LEGITIMIDADE PASSIVA - DUPLICATA QUITADA - PROTESTO E NEGATIVAÇÃO INDEVIDOS - ENDOSSO-MANDATO - NÃO COMPROVAÇÃO - MANUTENÇÃO DA RESTRIÇÃO DE CRÉDITO - ATO ILÍCITO - RESPONSABILIDADE DO ENDOSSATÁRIO RECONHECIDA - DANO MORAL CARACTERIZADO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - SENTENÇA MANTIDA
- Conforme entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, o endossatário que recebe o título, mesmo por endosso-mandato, é parte legítima para figurar no polo passivo da ação ordinária visando à declaração de inexistência do débito, cancelamento do protesto e da indenização por danos morais.
- O protesto indevido de duplicata configura ato ilícito capaz de causar dano moral à pessoa jurídica sacada, cuja comprovação é dispensada.
- Comprovado pela parte autora que o endossatário, mesmo depois de informado acerca do pagamento do título, se negou a fornecer carta de anuência a viabilizar o cancelamento do protesto indevidamente lavrado com base em duplicata efetivamente quitada perante o cedente, deve ser mantida a condenação a ele imposta com o propósito de reparar os danos morais.
- Na fixação de indenização por dano moral, o julgador deve levar em conta o caráter reparatório e pedagógico da condenação, de forma a não permitir o lucro fácil do ofendido, mas também sem reduzir a verba a um valor irrisório.
- Verificado que o valor da indenização por danos morais foi fixado em quantia a não destoar dos parâmetros utilizados para casos análogos, atendendo às nuances do caso concreto, deve ser mantido.
Apelação Cível nº 1.0525.15.005763-2/001 - Comarca de Pouso Alegre - Apelante: Banco do Brasil S.A. - Apelado: Mercadinho Geraldo Moura Leite Ltda. - Relator: Des. Vicente de Oliveira Silva
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 7 de fevereiro de 2017. - Vicente de Oliveira Silva - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. VICENTE DE OLIVEIRA SILVA - Trata-se de recurso de apelação interposto por Banco do Brasil S.A., pelo qual busca a reforma da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Pouso Alegre (f. 121/126-v.), que, em autos de "ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais", ajuizada por Mercadinho Geraldo Moura Leite Ltda., julgou procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial, para: a) - confirmar a antecipação de tutela para retirada do nome da parte autora dos bancos de dados dos órgãos de proteção ao crédito e baixar o protesto indevidamente lavrado e questionado nos autos; b) - condenar o réu a pagar à autora a importância de R$10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais.
Determinou-se a incidência de correção monetária sobre o montante da condenação pelo índice da tabela publicada pela CGJMG, a partir da publicação da sentença, mais juros de mora de 1% ao mês, estes contados desde a data do evento danoso.
Os ônus da sucumbência ficaram a cargo do réu, sendo os honorários advocatícios arbitrados em 20% sobre o valor da condenação.
Em suas razões (f. 15/108), o apelante sustenta, em preliminar, não ser parte legítima para integrar o polo passivo da lide, pois diz não ter mantido qualquer relação jurídica com a parte autora, sendo que procedeu ao protesto na condição de mero mandatário do credor e sacador da duplicata - Glauco Silva Oliveira e Cia. Ltda.
No tocante ao mérito alega, basicamente, que desconhece o vínculo negocial gerador do título a ele cedido para cobrança e posteriormente protestado e, por essa razão, entende que eventuais danos causados ao apelado devem ser reparados pelo cedente.
Prosseguindo, assegura que, ao enviar o título para protesto, não agiu com negligência ou com excesso de mandato e, por ser terceiro de boa-fé, não pode sofrer as consequências do ato praticado por terceiro.
Enfatiza que a parte autora não comprovou a ocorrência de ato ilícito ou qualquer outra situação a lhe render a almejada indenização por danos morais. Argumenta que o débito existe e a cobrança é legítima, logo diz ter agido mediante o exercício regular de seu direito.
Em tese alternativa, com arrimo no princípio da eventualidade, caso seja mantida a obrigação de indenizar, defende a redução do quantum reparador de forma a atender aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Postula, ao final, seja dado provimento ao recurso com a conseguinte reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial.
Preparo: regular (f. 153/154).
Respondendo ao recurso (f. 157/169), o apelado rebate a preliminar de ilegitimidade passiva, No mérito, tece considerações sobre a ilegalidade do protesto e de sua manutenção, motivos pelos quais bate pela confirmação da sentença que aponta justa e correta, com a manutenção da indenização conforme fixada pelo juízo de primeiro grau.
É o relatório. Passo ao voto.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos condicionantes de admissibilidade.
Seguindo, passo ao exame da preliminar de ilegitimidade passiva.
Preliminar de ilegitimidade passiva.
O Banco do Brasil S.A., ao argumento de que recebeu a duplicata a título de endosso-mandato e que se limitou a realizar a sua cobrança, suscita a preliminar de ilegitimidade passiva.
A referida preliminar não merece ser albergada.
Na ação declaratória de inexistência de débito c/c cancelamento de protesto e indenização por danos morais, são legitimados passivos tanto a empresa emitente da cártula como a instituição financeira endossatária que enviou o título a protesto, independentemente de ter recebido a cártula por endosso-mandato ou translatício.
Esse entendimento restou pacificado perante o Superior Tribunal de Justiça, veja-se:
"Civil e processual. Ação declaratória c/c cancelamento de protesto e indenizatória. Duplicatas endossadas. Legitimidade passiva do banco endossatário configurada. Negligência. I. Na ação declaratória de inexistência de relação jurídica, cancelamento de protesto e indenizatória, devem figurar no polo passivo tanto a empresa emitente da cártula como o banco endossatário que enviou o título a protesto, visto que, quanto a este, impossível o processamento da demanda no que tange, pelo menos, ao cancelamento do título, sem a sua presença na lide. [...]'' (REsp 332.813/MG - Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior - Quarta Turma - j. em 09.10.2001 - DJ de 27.06.2005, p. 395).
Portanto, a inconsistência da preliminar levantada pelo recorrente salta aos olhos e em nada o favorece.
Rejeito, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva.
Mérito.
No caso, o apelante visa à reversão integral da sentença e, para tanto, nega a prática de ato ilícito. Alternativamente, almeja a redução do valor arbitrado a título de indenização por danos morais. Insiste na tese de que não pode ser responsabilizado por ato ilícito que não praticou e, para tanto, volta a dizer ter agido na condição de mero mandatário da empresa credora.
A despeito das considerações tecidas pelo recorrente, depois de empreender detida análise do contexto fático-probatório, com minhas escusas, estou apto a adiantar que a insurgência recursal não procede.
Saliente-se que a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1063474/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos, decidiu, in verbis, que:
``Direito civil e cambiário. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Duplicata recebida por endosso-mandato. Protesto. Responsabilidade do endossatário. Necessidade de culpa. 1. Para efeito do art. 543-C do CPC, só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula. 2. Recurso especial não provido'' (REsp 1063474/RS - Relator: Ministro Luís Felipe Salomão - Segunda Seção - j. em 28.09.2011 - DJe de 17.11.2011).
No caso, analisando-se a prova documental produzida, é de se reconhecer que o réu, ora apelante, não logrou comprovar tenha recebido a Duplicata nº 0012243/02 por endosso-mandato. Competia ao ora apelante demonstrar que recebera o aludido título de crédito na condição de mero mandatário, porém, prova nesse sentido não trouxe aos autos.
Por outro lado, observa-se dos autos que a autora, mesmo mediante a posse de carta de anuência fornecida pelo sacador da duplicata, não conseguiu efetuar a baixa do protesto contra si lavrado, tendo o cartório exigido a emissão de autorização por parte do Banco do Brasil S.A. E, sendo assim, existe forte indício de que o título fora recebido por endosso translatício.
Não obstante, mesmo que se considerasse tenha o réu, ora recorrente, recebido o título por endosso-mandato (mas volto a lembrar de que prova quanto a isso não produziu), estou convencido de que excedeu no exercício do mandato.
Com efeito, compulsando os autos, infere-se que a autora, mesmo de posse da carta de anuência de f. 47, emitida em 28.11.2012, não obteve sucesso em cancelar o protesto da duplicata levada a protesto pelo Banco do Brasil S.A.
No mesmo passo, ao analisar os documentos de f. 49/54, constata-se que a apelada, por mais de uma vez, diligenciou perante os prepostos do recorrente almejando obter a baixa do indevido protesto; contudo, não logrou êxito em sua empreitada.
Emerge cristalino dos autos que a permanência do indevido protesto, bem como da irregular negativação do nome da apelante perante os órgãos de proteção ao crédito, resultou do comportamento negligente e desidioso do Banco do Brasil, que incorreu sim na prática de ato ilícito.
Não tenho dúvida de que, mesmo se o apelante houvesse recebido a cártula para mera cobrança, a inexplicável recusa na adoção de medidas necessárias ao cancelamento do protesto indevido, inclusive a permitir a negativação dos dados da autora por longo período, configura excesso de mandato a atrair para si a responsabilidade pelos danos causados à apelada.
Observa-se que, muito embora a reputada devedora tenha se valido da prerrogativa de procurar o banco para pleitear a regularização de seu nome, sem justo motivo, não teve a sua súplica atendida.
Diante desse cenário, sem qualquer perspectiva de êxito, é a renitência do apelante em negar sua responsabilidade pelos danos causados à autora e, em razão disso, pela confluência dos pressupostos legais, isto é, o ato ilícito cometido pelo banco, o dano causado à apelada e o nexo causal entre ambos. Dessa forma, a reparação ao patrimônio imaterial da apelada é devida.
Esse entendimento se reforça na medida em que a parte autora noticia, na petição inicial, ter envidado esforços para resolver a questão extrajudicialmente, mas o ora apelante fez ouvidos moucos aos seus reclames, daí a eclosão da lide com o propósito de obter a declaração de inexistência do débito e o cancelamento do protesto.
Do dano moral.
Improcedente também a alegação do apelante de que não restou comprovada a caracterização de dano moral passível de merecer indenização.
Diversamente do ponto de vista defendido pelo apelante, o Superior Tribunal de Justiça há muito consolidou o entendimento de que a pessoa jurídica é susceptível de ofensa moral, tanto é que editou a Súmula 227, in verbis: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".
E o dano moral decorrente de protesto indevido ou irregular não depende de prova do prejuízo efetivo, porque, em se tratando de pessoa jurídica, as repercussões são danosas, pois o ilícito gera restrições, descrédito junto a bancos, ao comércio, fornecedores etc., dando a entender a falta de capacidade financeira para arcar com as obrigações assumidas.
Do quantum indenizatório.
Quer, finalmente, o recorrente a redução do valor da indenização por danos morais, por entender que o quantum fixado na sentença não atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
No que se refere à fixação da verba indenizatória a mitigar os efeitos dos danos morais, o juiz deve estar atento a todas as circunstâncias que regem o caso concreto, firme nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como nas diretrizes do art. 944 do Código Civil.
Sobre o tema, Rui Stoco, em sua obra Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial (3. ed. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 564), sustenta: "[...] o eventual dano moral que ainda se possa interferir, isolada ou cumulativamente, há de merecer arbitramento tarifado, atribuindo-se valor fixo e único para compensar a ofensa moral perpetrada".
Daí caber ao magistrado a tarefa de arbitrar o valor da reparação, sem que possibilite lucro fácil à parte autora ou reduza a indenização a valor ínfimo ou simbólico.
A doutrina e a jurisprudência têm procurado estabelecer parâmetros para o arbitramento do valor da indenização, traduzidos, por exemplo, nas circunstâncias do fato e nas condições do autor do ilícito e do ofendido, devendo a condenação corresponder a uma sanção ao responsável pelo fato para que não volte a cometê-lo.
Também há de se levar em consideração que o valor da indenização não deve ser excessivo a ponto de constituir fonte de enriquecimento do ofendido, nem apresentar-se irrisório, uma vez que, segundo observa Maria Helena Diniz:
"Na reparação do dano moral, o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível, tal equivalência. A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. Não se pode negar sua função: penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor; e compensatória, sendo uma satisfação que atenue a ofensa causada, proporcionando uma vantagem ao ofendido, que poderá, com a soma de dinheiro recebido, procurar atender a necessidades materiais ou ideais que repute convenientes, diminuindo, assim, seu sofrimento" (DINIZ, Maria Helena. A responsabilidade civil por dano moral, Revista Literária de Direito, a. 2, n. 9, p. 9, jan./fev. 1996).
Sobre o tema, transcreva-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"Para a fixação do valor da indenização por danos morais, deve-se considerar as condições pessoais e econômicas das partes e as peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido e que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito" (STJ - AGA 425317/RS - 3ª T. - Relatora: Ministra Nancy Andrighi - j. em 24.06.2002).
Na hipótese dos autos, o protesto indevido foi lavrado contra pessoa jurídica. Cuida-se de procedimento extremo de cobrança extrajudicial com consequências nefastas à pessoa protestada, dificultando suas relações com fornecedores de produtos e serviços, notadamente no que diz respeito à realização de compras a prazo, obtenção de financiamento, participação de licitações etc.
Por tudo isso, levando também em conta o parâmetro que vem sendo adotado em casos similares, estou convencido de que a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais) se revela suficiente para recompensar a autora pelo dano moral sofrido, atendendo, destarte, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Em face do exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo réu e nego provimento ao recurso de apelação, mantendo, incólume, a sentença hostilizada. Considerando que os honorários sucumbenciais foram fixados em percentual máximo, deixou de majorá-los.
Custas, pelo apelante.
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Manoel dos Reis Morais e Álvares Cabral da Silva.
Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG