APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MEIO AMBIENTE - RESERVA LEGAL - AVERBAÇÃO ÀS MARGENS DA MATRÍCULA DO IMÓVEL RURAL - NOVO CÓDIGO FLORESTAL - CADASTRO AMBIENTAL RURAL - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO
- Com o advento da Lei nº 12.651/2012 e, notadamente, da Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente nº 2/2014, impõe-se reconhecer a improcedência da demanda que visa compelir o possuidor ou proprietário rural à averbação da reserva legal na matrícula do imóvel, quando não comprovada a recusa à instituição da reserva legal, por meio do sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Apelação Cível nº 1.0297.15.000749-2/001 - Comarca de Ibiraci - Apelantes: Raquel Fonseca de Mello Rodrigues e Geraldo Rodrigues Filho - Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Relator: Des. Peixoto Henriques
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 7 de fevereiro de 2017. - Peixoto Henriques - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. PEIXOTO HENRIQUES - Geraldo Rodrigues Filho e Raquel Fonseca de Mello Rodrigues se insurgem, via apelação (f. 61/68), contra sentença (f. 52/58) que, dirimindo a ação civil pública contra eles ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, julgou procedentes os pedidos iniciais, condenando-os a, no prazo de seis meses:
``1) demarcar a área de reserva legal de, no mínimo, 20% do imóvel rural denominado Vale das Flores (matrícula nº 4.297) e inscrevê-la no Cadastro Ambiental Rural (CAR); 2) providenciar a regeneração/reflorestamento da área de reserva legal de sua propriedade (Vale das Flores), através de recuperação de área degradada e/ou laudo de constatação, elaborado por responsável técnico, com recolhimento da ART. Em caso de não cumprimento das determinações supra, fixo desde já multa diária no valor de R$50,00 em favor da Associação de Protetores da Bacia do Rio Grande (Probrig), sediada em Ibiraci/MG.''
Declarou, de forma incidental, a inconstitucionalidade dos arts. 12, 15, 18, 66 e 83, bem como de seus respectivos incisos e parágrafos, da Lei nº 12.651/2012, e dos arts. 25, 31, 35, 38, 40 e 126 da Lei estadual nº 20.922/2013. Condenou os requeridos ao pagamento de custas processuais. Sem honorários.
Em suma, sustentam os apelantes: que está solidificado no TJMG o entendimento de ser nula a sentença que utiliza da via da ação civil pública para decretação de inconstitucionalidade, mesmo que de forma incidental; que, apesar de estarem tramitando no STF várias ações diretas de inconstitucionalidade que discutem vários itens da Lei nº 12.651/2012, esse fato não retira a vigência da lei em questão, a não ser que o STF defira medida cautelar nos termos do art. 11, § 2º, da Lei nº 9.868/1999, o que até o momento não ocorreu; que o novo Código Florestal tem aplicabilidade imediata; que, como já demonstrado no curso do processo, a propriedade rural em questão se localiza no Município de Ibiraci, possuindo área total de 24,200 hectares, e, conforme Instrução Especial Incra nº 20/1980, um módulo fiscal de 28 hectares, não se enquadrando na obrigação imposta pela sentença; que sua propriedade rural, desde 22.07.2008, possui a totalidade de 3.21.00 hectares a título de vegetação nativa, vegetação esta que vem sendo preservada e mantida e que, a partir da implementação do CAR, foi registrada como sendo área de reserva legal; e que, levando-se em conta o entendimento da legislação vigente e aplicável, eles em nada vêm prejudicando o equilíbrio ambiental.
Pugnam pela reforma da sentença.
Efetuado o preparo (f. 69 e 82).
Ofertadas contrarrazões (f. 71/72v.).
A d. Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, em parecer da lavra da d. Procuradora de Justiça, Ana Paula Mendes Rodrigues, recomenda o desprovimento do recurso (f. 85/89).
Reverenciado o breve, dou por relatado.
No exercício de sua função institucional prevista no art. 129, III, da CR/88, o Ministério Público ajuizou ação civil pública, visando à proteção do meio ambiente, sendo iniludível a adequação da via processual eleita.
Por primeiro, convém enfatizar irrelevante tratar da constitucionalidade (ou não) da questão aqui debatida, uma vez que recentemente decidiu o Órgão Especial deste egrégio TJMG:
``Incidente de inconstitucionalidade. Lei estadual nº 14.309/02, Lei federal nº 12.651/12 e Lei federal nº 12.727/12. Irrelevância da arguição. Incidente não conhecido. - Incidente não conhecido, com fulcro no art. 297, § 1º, IV, do RITJMG, segundo o qual a arguição de inconstitucionalidade será tida como irrelevante quando o julgamento pelo órgão a que couber o conhecimento do recurso, em que se levantou a arguição, puder ser feito independentemente da questão constitucional'' (IAI nº 1.0702.11.023491-2/003 - Órgão Especial/TJMG - Relator: Des. Antônio Carlos Cruvinel - DJe de 22.07.2016).
Essa ação foi ajuizada em 2015, sendo o instituto da ``reserva legal florestal'' regrado pela Lei nº 12.651/2012 (alterada pela Lei nº 12.727/2012), que regula a proteção da vegetação nativa e que revogou as Leis nos4.771/1965 e 7.754/1989 e a MP nº 2.166/1967, diplomas legais que disciplinavam a matéria.
O novo Código Florestal conceitua a reserva legal como
``área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa''.
A Lei nº 12.651/2012 alterou a antiga determinação de averbação da área de reserva legal na inscrição de matrícula do imóvel no registro de imóveis competente instituindo o CAR, que, a partir de agora, integra ``as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento'' (art. 29). Conforme determina o art. 18 da mencionada lei, a área de reserva legal passa a ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR, e, como dispõe seu § 4º, ``o registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis''.
Ora, se o registro no CAR elimina a necessidade da ``reserva legal'' no Cartório de Imóveis, não faz sentido exigir que os réus/apelantes tenham gastos com a realização das medidas necessárias à averbação imobiliária dessa ``reserva legal''.
Só para ilustrar, eis o que diz Frederico Amado:
``O antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) previa que a reserva legal deveria ser sempre registrada no Cartório de Imóveis mediante averbação. Entretanto, essa obrigatoriedade foi extinta pelo novo Código Florestal. Com propriedade, foi instituído o dever do proprietário de registrar a reserva legal no Cadastro Ambiental Rural no órgão ambiental competente, sendo vedada, em regra, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, salvo disposição legal em sentido contrário (art. 18 do novo Código Florestal). Logo, o registro no CAR irá desobrigar o proprietário de averbar a reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis, sendo mais uma inovação do novo Código Florestal'' (AMADO, Frederico. Direito ambiental esquematizado. 4. ed. Método, p. 250).
Nesse sentido, diz Marcos Alberto Pereira dos Santos:
``[...] o novo Código Florestal inovou, negativamente, quando dispensou a averbação à margem da matrícula do imóvel: [...] Depreende-se do texto acima que a averbação no Registro de Imóveis agora é facultativa. Esse dispositivo vai ao revesso da eficiência e da segurança jurídica que se teria caso se mantivesse a obrigatoriedade de averbar a reserva. [...] O novo Código Florestal, expressamente, desobriga os proprietários a procederem à averbação. Agora, estão obrigados a praticarem o registro perante o órgão ambiental'' (SANTOS, Marcos Alberto Pereira dos. Dispensa da averbação da reserva legal no novo Código Florestal. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com>).
Vale assinalar que o CAR, instituído pela Lei nº 12.651/2012, está em pleno funcionamento, gerenciado pelo Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), implementado pelo Decreto nº 7.830/2012, que normalizou os programas de regularização ambiental estabelecidos por aquela lei, sendo que ``a inscrição dos imóveis rurais no CAR é obrigatória e deverá ser requerida junto ao órgão ambiental competente do Estado da federação em que se localiza o imóvel rural'' (Disponível em: www.car.gov.br).
Cumpre, ainda, destacar que, em atenção ao art. 21 do Decreto nº 7.830/2012, que dispõe que ``ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente estabelecerá a data a partir da qual o CAR será considerado implantado para os fins do disposto neste Decreto e detalhará as informações e os documentos necessários à inscrição no CAR, ouvidos os Ministros de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário'', o CAR foi oficialmente considerado implantado em âmbito nacional desde a publicação da Instrução Normativa nº 2 do Ministério do Meio Ambiente, em 06.05.2014.
E, ainda, no caso dos autos, há comprovação que o imóvel objeto desta lide foi inscrito no CAR, conforme demonstram os documentos de f. 34/35.
Ora, se, antes mesmo da efetiva implantação do CAR, entendia-se não ser razoável exigir do proprietário rural a averbação imobiliária da reserva legal diante da morosidade ou ineficiência do Governo Federal na disponibilização do instrumental necessário à sua operacionalização, diante da declaração oficial de sua implantação, reitero meu entendimento.
E, antes que se diga aplicável ao caso a legislação estadual, mais restritiva que a federal e, portanto, mais protetiva, não se pode desprezar o fato de que, realizado o registro junto ao CAR, conforme faculta a legislação federal, desnecessária a averbação junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Ressalto que, como já tive a oportunidade de esclarecer no julgamento do AI nº 1.0016.10.009466-9/001, em que atuei como Relator, entendo ser a ``reserva legal'' instrumento para a materialização dos preceitos constitucionais que impõem à propriedade o cumprimento de sua função social, sem descurar da proteção ao meio ambiente como princípio de ordem econômica. Noutras palavras, a ``reserva legal'' se destina à harmoniosa integração e efetiva concreção das determinações constitucionais consagradas nos arts. 5º, XXIII; 170, II e III; 182, § 2º; 185, parágrafo único; 186, I e II; e 225. E, ainda, que, ao procurar manter ecologicamente equilibrado o meio ambiente, a imposição obrigatória da ``reserva legal florestal'' reveste-se de incomensurável interesse social, visto que, mais do que garantir uma boa qualidade de vida ao ser humano, se presta ela a assegurar a própria existência da raça humana, efetivamente ameaçada pelo abominável desrespeito ambiental, como dão mostras, cada vez mais, as constantes, graves e, às vezes, inéditas intempéries naturais.
Contudo, no caso em comento, considerada, sobretudo, a efetiva implantação do CAR (Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente nº 2/2014), impõe-se reconhecer impertinente a pretensão de compelir os réus/apelantes à averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel, por não comprovada a recusa à instituição da reserva legal por meio do CAR, ao contrário, a inscrição foi feita conforme documentos de f. 34/35.
Nesse contexto, tenho por aplicável à espécie a orientação jurisprudencial emanada dos seguintes arestos deste egrégio TJMG:
``Apelação cível. Suscitação de dúvida. Direito ambiental. Averbação de reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis. Faculdade do proprietário. Averbação junto ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Art. 18, § 4º, do novo Código Florestal. Sentença reformada. I. Na dicção do novo Código Florestal - Lei nº 12.651, de 2012 -, a área de reserva legal deverá ser registrada não mais junto ao Cartório de Registro de Imóveis, mas sim perante o órgão ambiental competente por meio de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR). II. Pela nova normatização, os proprietários de áreas rurais estão desobrigados a procederem à averbação da reserva legal à margem da matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis'' (Apelação Cível nº 1.0329.12.000128-7/001 - 7ª Câmara Cível/TJMG - Relator: Des. Washington Ferreira - DJe de 08.11.2013).
``Apelação cível. Ação civil pública. Instituição, demarcação e averbação de reserva legal. Imóvel rural. Obrigação do proprietário. Novo Código Florestal. Fato superveniente. Averbação da reserva legal. Cartório de Registro de Imóveis. Cadastro Ambiental Rural (CAR). Faculdade do proprietário. Recurso conhecido e provido, em parte. 1. A constituição da área de reserva legal estava prevista no art. 1º, § 2º, inciso III, da Lei nº 4.771/65. O novo Código Florestal (Lei federal nº 12.651/12) manteve a obrigatoriedade de sua instituição para os proprietários de imóveis rurais, mas facultou sua averbação junto ao Cadastro Ambiental Rural - CAR ou ao Cartório de Registro de Imóveis. 2. A promulgação do novo Código Florestal (Lei federal nº 12.651/12) no curso da demanda é fato superveniente que, por ter implicado modificação no direito do autor, deve ser levado em consideração para julgamento da causa (art. 462 do Código de Processo Civil)'' (Apelação Cível nº 1.0702.12.027457-7/001 - 8ª Câmara Cível/TJMG - Relator: Des. Bitencourt Marcondes - DJe de 04.11.2013).
Já tive a oportunidade de assim também decidir, acompanhado por meus pares:
``Apelação cível. Ação civil pública. Meio ambiente. Reserva legal. Averbação às margens da matrícula do imóvel rural. Superveniência do novo Código Florestal. Cadastro ambiental rural. Improcedência do pedido. Recurso desprovido. Com o advento da Lei nº 12.651/12 e notadamente da Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente nº 2/2014, impõe-se reconhecer a improcedência da demanda que visa compelir o possuidor ou proprietário rural à averbação da reserva legal na matrícula do imóvel quando não comprovada a recusa à instituição da reserva legal por meio do sistema CAR'' (Apelação Cível nº 1.0702.12.027058-3/001 - 7ª Câmara Cível/TJMG - Relator: Des. Peixoto Henriques - DJe de 08.08.2014).
Em resumo: com o advento da Lei nº 12.651/2012 e notadamente da Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente nº 2/2014, impõe-se reconhecer a improcedência da demanda que visa compelir o possuidor ou proprietário rural à averbação da reserva legal na matrícula do imóvel quando não comprovada a recusa à instituição da reserva legal por meio do sistema CAR.
Com tais considerações, dou provimento ao recurso.
Sem custas recursais (Lei estadual nº 14.939/2003).
Sem imposição de honorários, inclusive os recursais, visto ser o Ministério Público o autor da demanda (Lei nº 7.347/1985).
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Oliveira Firmo e Wilson Benevides.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG