JURISPRUDÊNCIA MINEIRA
JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ANULAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL - ALIENAÇÃO DE ÁREA RURAL INFERIOR AO MÓDULO RURAL - CITAÇÃO DE RÉ COM SUSPEITA DE DEMÊNCIA - NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL SEM PRÉVIO LAUDO MÉDICO - ATESTADO DE INCAPACIDADE - ATO MÉDICO ESPECÍFICO - INOBSERVÂNCIA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
- Havendo suspeita da sanidade mental da pessoa a ser citada, caberá ao oficial de justiça relatar minuciosamente a ocorrência e, diante deste fato, o juiz nomeará um médico para examinar o citando, para a apresentação de laudo em cinco dias.
- O atestado de incapacidade constitui ato médico específico que somente pode ser constatado por aquele profissional da medicina.
- Somente após a constatação da demência por um médico é que se autoriza a nomeação curador especial ao citando, não se mostrando suficiente para a constatação da incapacidade a certidão do oficial de justiça.
Apelação Cível nº 1.0236.14.000918-4/001 - Comarca de Elói Mendes - 1ª Apelante: T.D.F. representada por curador especial Marçal Figueiredo - 2os Apelantes: Aloísio Dehon Vituriano e outra, Luciana de Fátima Brandão Vituriano - Apelado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Litisconsorte: Orildo Mendes Ferreira, Vanius Damasceno Ferreira - Relator: Des. Renato Dresch
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em acolher preliminar de nulidade processual, de ofício.
Belo Horizonte, 15 de dezembro de 2016. - Renato Dresch - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. RENATO DRESCH - Trata-se de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face de Orildo Mendes Ferreira e T.D.F., pretendendo a condenação dos réus na obrigação de não-fazer consistente na não intervenção em área de desmembramento que reputa ser irregular (matrícula 5.848 do CRI), a declaração de nulidade das averbações R-11 e R-12 descritas na matrícula 5.848 do CRI de Elói Mendes e a condenação na obrigação de não-fazer consistente em não alienar qualquer parte de sua propriedade sem que haja aprovação do Incra e sem que seja respeitada a área mínima do módulo rural.
A inicial foi emendada, com a inclusão dos réus Aloísio Dehon, Luciana de Fátima Brandão Vitoriano e Vanius Damasceno Ferreira (f. 40).
Em sentença de f. 131/132v., publicada na vigência do CPC/2015, o Juiz Reginaldo Mikio Nakajima, da Comarca de Elói Mendes, julgou procedentes os pedidos iniciais para: 1) tornar definitiva a liminar concedida à f. 16; 2) declarar as nulidades das averbações R-11 e R-12 descritas na matrícula nº 5.848 do CRI da Comarca de Elói Mendes; 3) condenar os requeridos Orildo e Terezinha na obrigação de não-fazer consistente em não alienar qualquer parte de seu imóvel sem que haja aprovação do Incra e sem que seja respeitada a área mínima do módulo rural, sob pena de multa de R$50.000,00 por cada descumprimento; 4) condenar os requeridos ao pagamento das custas e despesas processuais. Os honorários do defensor dativo nomeado foram fixados em R$1.500,00, à custa do Estado de Minas Gerais.
Terezinha Damasceno Ferreira apelou às f. 135/142 alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa. No mérito, argumenta que é admissível a instituição de condomínio no imóvel indicado na inicial, inexistindo nulidade do negócio jurídico praticado entre as partes. Afirma que o Estatuto da Terra, Lei nº 4.504/64, na parte que trata do parcelamento do solo rural, não foi recepcionada pela Constituição de 1988, por infringir o direito de propriedade e sua finalidade social. Afirma que o cancelamento das averbações de nº 11 e 12 da matrícula 5.848 do CRI de Elói Mendes, sob o fundamento de desrespeito ao valor mínimo do módulo rural (2 ha), causará danos irreversíveis e irreparáveis às partes, que celebraram o negócio jurídico em 16.05.2005 e 04.03.2011. Aduz que a Lei nº 5.868/72, em seu art. 8º, §1º, c/c art. 65 da Lei nº 4.504/64, não impede o desmembramento do imóvel com área inferior ao módulo rural. Eventualmente, requer a instituição de condomínio na matrícula nº 5.848 do CRI de Elói Mendes.
Aloísio Dehon Vituriano e Luciana de Fátima Brandão Vituriano apelaram às f. 144/154, aduzindo, preliminarmente, cerceamento de defesa e ilegitimidade passiva. Afirmam a prescrição da pretensão de anulação do ato jurídico, em razão do transcurso de mais de quatro anos (art. 178 do CC) desde a celebração do negócio quando proposta esta ação. Sustentam a legalidade da alienação de fração do imóvel ocorrida em 2005, por meio de escritura pública, pois observada a legislação vigente à época.
Contrarrazões apresentadas às f. 159/163 pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela necessidade de intimação da requerida T.D.F., na pessoa de seu advogado, para efetuar o preparo em dobro do recurso, sob pena de deserção. No mérito, pugnou pelo não provimento dos recursos.
É o relatório.
Há questão preliminar a ser analisada de ofício, consistente na ausência de laudo médico reconhecendo a demência da requerida T.D.F., antes da nomeação de curador especial.
Da ausência de laudo médico para a nomeação de curador especial.
A requerida T.D.F. não foi citada nos autos, conforme certidão de f. 64v., em razão de o Oficial de Justiça considerar que ela "apresentou sinais de higidez mental com discernimento reduzido".
O CPC/1973, vigente à época da citação, estabelecia:
``Art. 218. Também não se fará citação, quando se verificar que o réu é demente ou está impossibilitado de recebê-la''.
Esta regra processual foi mantida no texto do CPC/2015, art. 245.
``Havendo suspeita da sanidade mental da pessoa a ser citada, caberá ao oficial de justiça relatar minuciosamente a ocorrência e, diante deste fato, o juiz nomeará um médico para examinar o citando, para a apresentação de laudo em cinco dias, nos termos do § 1º do art. 218 do CPC/1973''.
Somente após a constatação da demência por um médico é que o magistrado poderá nomear curador especial ao citando.
Nesse sentido, confira-se a doutrina de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:
``Laudo médico. Para que se proceda à nomeação de curador para receber a citação em nome do réu demente ou que se encontre impossibilitado para recebê-la, é insuficiente a constatação dessa circunstância pelo oficial de justiça, sendo necessária a nomeação de perito para a feitura de laudo médico (JTACivSP 59/141). No mesmo sentido: Nery, RP 53/219'' (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 406).
Confira-se, ainda, a lição de Marinoni e Mitidiero:
``Procedimento para citação. Verificada a demência ou a impossibilidade de recebimento da citação, tem o oficial de justiça de certificar minuciosamente a ocorrência. Comunicado o fato ao juiz, tem ele de nomear médico-perito a fim de examinar o citando. O laudo tem de ser apresentado em 5 (cinco) dias. Constatada a demência ou a impossibilidade de recebimento da citação, nomeará o juiz curador especial ao citando, com atuação obviamente circunscrita à causa (MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008. p. 222).
No caso dos autos, verifica-se que, após a certificação da suspeita de demência da citanda (f. 64v.) o Ministério Público opinou pela nomeação de curador especial (f. 67 e 81), ocorrendo a sua nomeação à f. 105, sem prévio laudo médico-pericial.
A inobservância da regra processual implica violação ao devido processo legal e à ampla defesa, pois suprime a citação da requerida sem que a sua demência tenha sido constatada por profissional habilitado.
Embora possa parecer excesso de formalismo, a incapacidade somente poderá ser atestada por médico. Trata-se de ato médico específico. Aliás, trata-se de cautela que deve ser tomada para evitar a possibilidade de fraude.
Nem mesmo a nomeação de curador especial supre a referida nulidade, pois a nulidade antecede este ato e refere-se à presunção de demência com fundamento exclusivo em certidão do oficial de justiça.
Diante do exposto, suscito, de ofício, preliminar de nulidade processual, para anular o feito desde a nomeação de curador especial para a requerida T.D.F. (f. 105) e determinar que seja observada a necessidade de laudo médico para a nomeação do curador especial.
Sem custas recursais.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Moreira Diniz e Dárcio Lopardi Mendes.
Súmula - ACOLHERAM PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL, DE OFÍCIO.
Fonte: TJMG