JURISPRUDÊNCIA MINEIRA
JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
APELAÇÃO - PROCESSO CIVIL - DIREITO CAMBIÁRIO - CHEQUE PÓS-DATADO - DATA DE EMISSÃO DIVERSA DA PACTUADA PARA SUA APRESENTAÇÃO - DESCONSIDERAÇÃO - PROTESTO EXTRAJUDICIAL - PRAZO DA EXECUÇÃO CAMBIAL - POSSIBILIDADE
- A pactuação da pós-datação de cheque, para que seja hábil a ampliar o prazo de apresentação à instituição financeira sacada, deve espelhar a data de emissão estampada no campo específico da cártula.
- É legítimo o protesto de cheque efetuado depois do prazo de apresentação previsto no art. 48, caput, da Lei nº 7.357/85, desde que não escoado o prazo prescricional relativo à ação cambial de execução.
- A exigência de realização do protesto antes de expirado o prazo de apresentação do cheque é dirigida apenas ao protesto obrigatório à propositura da execução do título, nos termos dos arts. 47 e 48 da Lei nº 7.357/85.
Apelação Cível nº 1.0051.12.002425-5/001 - Comarca de Bambuí - Apelante: Sandra Alves - Apelada: Giselle Carla Ferreira - Relator: Des. Mota e Silva
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 6 de dezembro de 2016. - Mota e Silva - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. MOTA E SILVA - Cuida-se de recurso de apelação interposto pela autora, Sandra Alves (f. 123/126), opondo-se à sentença de f. 120/121-v., proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Bambuí, Pedro dos Santos Barcelos, que, nos autos da ação anulatória de protesto c/c exclusão do nome dos cadastros de restrição ao crédito e pedido indenizatório, julgou improcedentes os pedidos contidos na exordial, julgando procedente o pleito contido na reconvenção, para condenar a autora/reconvinda a efetuar o pagamento no valor de R$6.000,00 (seis mil reais) em favor da ré/reconvinte, consoante os termos ali expressos.
Restou ainda condenada a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa na ação principal, e 10% do valor da obrigação na reconvenção, suspensa a exigibilidade, uma vez que lhe fora concedida a assistência judiciária gratuita.
Em suas razões de recurso, aduz a apelante que adquiriu uma empilhadeira da ré, pelo valor de R$15.000,00 (quinze mil reais), tendo emitido 5 (cinco) cheques de R$3.000,00 (três mil reais) cada, dos quais sustou os dois últimos, pelo fato de a apelada não ter lhe enviado a nota fiscal de compra, nos termos inicialmente acordados.
Assevera que o cheque fora protestado em 09.08.2012, de forma extemporânea, uma vez que o mesmo foi emitido com data de ``bom para'' 07.07.2012 (sábado). Nesses moldes, considerando o prazo de 30 (trinta) dias, este se iniciou em 09.07.2012, recaindo o prazo final para o protesto no dia 08.08.2012 (quarta-feira).
Sustenta que, em função do protesto indevido, vem sofrendo grandes constrangimentos e prejuízos, uma vez que exerce a profissão de comerciante.
Recurso isento de preparo, considerando a concessão da justiça gratuita à apelante (f. 32).
Contrarrazões apresentadas às f. 127/131, destacando a apelada que não houve irresignação quanto ao decidido na reconvenção, bem como diligenciando pelo desprovimento do recurso.
Eis o breve relato. Passo a decidir.
Conheço do apelo, eis que presentes os seus pressupostos legais de admissibilidade.
Considerando que a apelante não se insurge contra os fatos decididos na reconvenção, passo à análise restrita dos elementos contidos no apelo.
Em exame dos autos, verifica-se que restou incontroversa a negociação entre as partes, tendo a autora adquirido da ré uma empilhadeira, no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais), representados por 5 (cinco) cheques de R$3.000,00 (três mil reais).
Não obstante a justificativa apresentada pela autora no sentido de ter sustado os dois últimos títulos em razão da não entrega da nota fiscal, a questão posta sub judice cinge-se a analisar se o protesto do cheque se deu ou não de forma tempestiva.
Observa-se que o título apresentado à f. 23 foi emitido em 04.05.2012, com aposição de ``bom para'' a data de 07.07.2012.
A primeira questão a ser analisada é quanto à possibilidade de, em decorrência da pós-datação extracartular do cheque (sem que conste a pactuação no campo próprio, referente à data de emissão), admitir-se a ampliação do prazo de apresentação da cártula.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça já pacificou a matéria, no sentido de que a pós-datação extracartular (v.g., a cláusula "bom para") possui existência jurídica, surtindo consequência de natureza obrigacional para os pactuantes (tanto é assim que a Súmula 370/STJ orienta que enseja dano moral a apresentação antecipada de cheque).
No entanto, impôs-se restrição à autonomia privada, de forma que, se não constar no campo próprio para a data de emissão data da pós-datação, esta não surtirá eficácia para alteração do prazo de apresentação.
Para os efeitos do art. 1.036 do CPC/2015, quando do julgamento do REsp. 1.423.464/SC, o Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese:
``Recurso especial representativo de controvérsia direito cambiário e protesto extrajudicial. Cheque. Ordem de pagamento à vista. Cártula estampando, no campo específico, data de emissão diversa da pactuada para sua apresentação. Considera-se, para contagem do prazo de apresentação, aquela constante no espaço próprio. Protesto, com indicação do emitente do cheque como devedor, ainda que após o prazo de apresentação, mas dentro do período para ajuizamento de ação cambial de execução. Possibilidade. - As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015 (art. 543-C do CPC/1973), são as seguintes: a) a pactuação da pós-datação de cheque, para que seja hábil a ampliar o prazo de apresentação à instituição financeira sacada, deve espelhar a data de emissão estampada no campo específico da cártula. [...]'' (REsp 1423464/SC - Relator Ministro Luís Felipe Salomão - DJe de 27.05.2016).
Já a segunda tese firmada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento acima, sobreleva que ``sempre será possível, no prazo para a execução cambial, o protesto cambiário de cheque, com a indicação do emitente como devedor.''
Nesse panorama, tem-se que, no caso em apreço, a data constante no campo específico do cheque (f. 23) corresponde a 04.05.2012, diversa da que se encontra no campo inferior como pós-datada (07.07.2012), de forma que deve ser aquela considerada como data de emissão da cártula.
Desse modo, se o título foi emitido em 04.05.2012, na cidade de Bambuí/MG, município distinto daquele em que se situa a agência pagadora, in casu, Contagem/MG, o prazo de apresentação é de 60 (sessenta) dias, vencendo, portanto, em 03.07.2012, tendo o referido título sido apresentado a protesto em 09.08.2012.
Em se tratando de cheque, é de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação. Se ocorre a prescrição para execução do cheque, o art. 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o art. 62 do mesmo diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação fundada na relação causal.
Com efeito, é indubitável que a ré procedeu ao apontamento do protesto no prazo para a ação cambial de execução, isto é, na ocasião, o cheque mantinha caráter de título executivo, caracterizando-se "por documento ou ato documentado, tipificado em lei, que contém uma obrigação líquida e certa e que viabiliza o uso da ação executiva" (SHIMURA, Sérgio. Título executivo. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 112).
Nesses moldes, é legítimo o protesto do cheque, ainda que efetuado depois do prazo de apresentação previsto no art. 48, caput, da Lei nº 7.357/85, eis que não escoado o prazo prescricional relativo à ação cambial de execução.
Com essas considerações, constituindo o protesto exercício regular do direito da ré, não há que se falar em ilícito a ensejar danos moral e/ou material.
Mediante tais fundamentos, nego provimento ao recurso.
Custas recursais pela apelante, suspensa a exigibilidade, nos termos do art. 98, § 3º do CPC.
Em observância ao disposto no art. 85, § 11, do CPC, majoro, na demanda principal e reconvencional, os honorários de sucumbência para 15% sobre o valor da condenação, observada a assistência judiciária gratuita concedida à autora.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Arnaldo Maciel e João Cancio.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG