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27/01/2017

Artigo - Direitos patrimoniais decorrentes da união estável na dissolução em vida e por causa da morte - Por Regina Beatriz Tavares da Silva

Em artigo publicado neste mesmo portal tratei dos direitos patrimoniais decorrentes do casamento na sua dissolução pelo divórcio e pelo falecimento de um dos cônjuges. Hoje abordarei quais são os direitos patrimoniais na união estável quando ocorre sua dissolução em vida e por morte de um dos companheiros.

Assim como no casamento, na união estável os direitos patrimoniais decorrem do regime de bens adotado, de modo que se esse regime for da comunhão de bens existirá a chamada meação, existindo também outros direitos patrimoniais pela morte, como a herança, diante dos efeitos sucessórios que a lei atribui a cada uma dessas entidades familiares.

No direito vigente, os direitos patrimoniais oriundos do casamento e da união estável são regulados pelo Código Civil.

O regime de bens usual no casamento e na união estável é o da comunhão parcial, pelo qual todos os bens adquiridos onerosamente ao longo da relação se comunicam entre os consortes e passam a pertencer a ambos conjuntamente, mesmo que estejam em nome de um só deles, enquanto que os bens adquiridos onerosamente antes do início da relação e também os bens adquiridos por herança ou por doação durante a relação, continuam de propriedade exclusiva de cada um deles.

Assim como no casamento, na união estável os companheiros têm a mesma liberdade para pactuarem outro regime, como o da separação total de bens. No entanto, como a união estável é uma união de fato, que se constrói naturalmente, sem quaisquer formalidades, o regime de bens, na maior parte dos casos, sequer é pensado ou refletido com antecedência pelo casal, de modo que acabam por vigorar as regras legais da comunhão parcial de bens.

Quando a união estável chega ao fim, seja pela dissolução em vida com o rompimento da relação, seja pela morte de um dos companheiros, encerra-se também a comunhão de bens que existia entre eles, e o patrimônio é apurado e destinado de acordo com as regras de direito de família aplicáveis aos casos de dissolução em vida ou conforme as regras da sucessão no caso de dissolução pela morte.

Na dissolução da união estável em vida, quase sempre regida patrimonialmente pela comunhão parcial de bens, porque este regime decorre da própria lei e independe de qualquer documento, a divisão desses bens ocorre exatamente como no casamento celebrado sob o mesmo regime: cada um dos consortes tem direito à metade do patrimônio comum construído onerosamente ao longo da relação. Quando a união estável termina pela morte de um dos companheiros, a lei estabelece algumas diferenças no que se refere aos direitos patrimoniais decorrentes do casamento.

A primeira distinção refere-se ao acervo patrimonial que entra na sucessão do companheiro, que é aquele conjunto de bens adquiridos no curso da união estável. Lembremos, conforme escrevi em artigo anterior, que no casamento os direitos sucessórios incidem sobre os bens exclusivos do falecido. A esses direitos sucessórios são acrescidos, tanto no casamento como na união estável, os direitos patrimoniais decorrentes da meação, ou seja, os direitos à metade do patrimônio adquirido onerosamente no curso da união.

A segunda diferença entre os efeitos sucessórios decorrentes do casamento e da união estável refere-se ao direito à legítima ou herança necessária do cônjuge, que o companheiro não tem. Por isso, o companheiro pode ou não vir a ter direitos sucessórios. Assim, a lei vigente preserva a autonomia da vontade dos companheiros, possibilitando-lhes a realização de testamento, para que o companheiro sobrevivente não tenha outros direitos patrimoniais além da meação decorrente do regime de bens. Não sendo herdeiros necessários um do outro, um companheiro tem a liberdade de afastar, por testamento, o outro da sua herança e vice-versa. O companheiro, no entanto, não tem direito de atingir, por meio do testamento, o direito à meação do outro, aquele direito decorrente do regime de bens.
Reitere-se que os direitos sucessórios dos companheiros, quando não houver testamento, incidem sobre a outra metade dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, metade que, após a morte de um deles, passou a compor o seu espólio. Quando um companheiro morre, a união estável termina, e o patrimônio que formava a comunhão passa a pertencer metade ao sobrevivente e metade ao espólio do falecido; sobre esta metade é que o companheiro ainda vivo terá seu direito de herança na lei vigente.

A lei vigente sobre as regras sucessórias da união estável leva em consideração a natureza dessa relação, ou seja, como essa entidade familiar se constitui, no plano meramente dos fatos, quando duas pessoas vão unindo aos poucos suas escovas de dentes, deixando roupas na casa um de outro, compartilhando o pagamento de despesas do casal etc. A intenção dos grandes juristas que escreveram o Código Civil em vigor, por serem cultos, prudentes e com senso da realidade, foi dar segurança jurídica aos que convivem em união estável. Há de se presumir que quem constitui uma família sem qualquer formalidade prévia saiba que os bens adquiridos onerosamente no curso da relação se comunicarão ao companheiro se houver a extinção da união estável pela morte.

Afinal, a união estável é formada gradativa e naturalmente, com base no afeto que une os companheiros. Esses grandes juristas, comandados pelo Professor Miguel Reale, deram proteção aos companheiros, mas estiveram sempre atentos à natureza fática da constituição e da dissolução da união estável. Saliento que os direitos sucessórios existem se a união estável perdura até a morte. Assim, a legislação em vigor é coerente e apropriada, na mais justa medida que a natureza dessa relação exige, e, como demonstra a prática e o reconhecimento dos dois maiores Tribunais do Brasil – São Paulo e Minas Gerais -, assim vinham ocorrendo os julgamentos em casos de morte do companheiro desde a entrada em vigor do Código Civil, ou seja, há quatorze anos.

Mas, agora, há uma ideia permeando o Supremo Tribunal Federal de nosso país, para mudar essa legislação, interpretando-a como inconstitucional.

Como certamente sabem os leitores deste Blog, o Supremo Tribunal Federal pode vir a mudar a regulamentação vigente, se equiparar os direitos sucessórios decorrentes da união estável aos direitos sucessórios oriundos do casamento.

Depois do voto do relator Ministro Luís Roberto Barroso (Recurso Extraordinário 878.694 – MG de repercussão geral) em que foi alegada e por esse Ministro considerada a norma legal vigente como inconstitucional, cinco outros Ministros, entre os onze que compõem o STF, proferiram votos no sentido da equiparação dos efeitos sucessórios da união estável aos efeitos sucessórios do casamento.

O Ministro Dias Toffoli pediu vista e por isso o julgamento foi adiado, de modo que, como não terminou, os Ministros que já votaram podem alterar seus votos, o que se espera, para que não seja causada uma das maiores inseguranças jurídicas em nosso país, que afetará todas as pessoas que pretendem constituir ou que já vivem em união estável. Afirma-se, sem receio de errar, que assim será se não ocorrer modificação nos votos já proferidos porque o companheiro sobrevivente passará a ter direitos sucessórios sobre os bens exclusivos do falecido, em concorrência com os filhos, inclusive os filhos exclusivos, daquele que morreu.

Quem vive em união estável e morre, sem poder voltar a terra para comprovar que nem mesmo união estável havia quando da sua morte, estará em outra esfera assistindo uma divisão de bens que jamais pretendeu, que sequer sabia poderia ser assim praticada. Há de se convir que não é presumível pelo consorte leigo que o seu companheiro terá direito ao seu patrimônio em concorrência com os seus filhos. Ainda menos presumível será se a união estável tiver curta duração, lembrando-se que com dois anos de existência já se considera uma relação como entidade familiar.

Em razão das normas regimentais (Regimento Interno do STF), diante do recente passamento do Ministro Teori Zavascki – um daqueles Ministros que já havia proferido voto de equiparação total dos efeitos sucessórios da união estável aos do casamento -, seu voto, infelizmente, não poderá ser alterado após os votos dos Ministros que ainda não se manifestaram.

Note-se que a mudança de um voto já proferido é possibilitada quando o julgamento é adiado, salvo casos como o do falecimento daquele que já votou, exatamente porque os argumentos dos que ainda não votaram podem convencer os que já o fizeram de que devem mudar seus posicionamentos. Quem pode ter a certeza de que o Ministro agora falecido não mudaria seu voto? Ninguém! Saliente-se que o próprio Ministro Teori Zavascki, quando proferiu o seu voto, disse que tinha mudado a sua posição sobre a mesma matéria, de modo que há de se presumir que poderia, se não fosse seu falecimento e a norma regimental que conserva o seu voto, voltar a fazê-lo.

Dessa forma, a equivocada equiparação total já conta com um voto definitivo. Mas espera-se que os demais Ministros que anteciparam seus votos observem o exemplo do Teori Zavascki e tenham a mesma abertura e disposição para ouvirem e refletirem os possíveis posicionamentos contrários de seus pares na matéria em pauta e revejam seus votos, para que não sejam equiparados os efeitos sucessórios da união estável aos do casamento.

*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.

Fonte: Estadão


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