APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - CONDOMÍNIO - ÁREA COMUM UTILIZADA COMO GARAGEM E ``BOX DE DESPEJO'' - APLICAÇÃO DA SUPRESSIO - MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM - TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO ADMITIDA PELO STF E PELO STJ
- Consoante pacificada jurisprudência dos Tribunais Superiores, tem-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões, mesmo na hipótese de o Poder Judiciário lançar mão da motivação referenciada (per relationem).
- Aplica-se o instituto da supressio, quando uma das partes perde o direito constante da relação, por não tê-lo exercitado durante um considerável interregno de tempo, sendo a inércia uma conduta desleal, já que gera uma expectativa na outra parte, que vinha agindo, reiteradamente, com base na confiança advinda de um acordo.
Apelação Cível nº 1.0000.16.052399-9/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Condomínio do Edifício Achilles Miraglia - Apelado: Lucas Pinheiro Costa - Relatora: Des.ª Mônica Libânio Rocha Bretas
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 17 de novembro de 2016. - Mônica Libânio Rocha Bretas - Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª MÔNICA LIBÂNIO ROCHA BRETAS - Trata-se de apelação interposta por Condomínio do Edifício Achilles Miraglia contra a r. sentença de ordem nº 68, proferida nos autos da ação de obrigação de fazer e não fazer, proposta em face de Lucas Pinheiro Costa, em que a MM. Juíza, Maria Aparecida Consentino Agostini, da 34ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG, julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:
``Assim, julgo improcedente o pedido do autor, resolvendo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% do valor atualizado da causa, como autoriza o art. 85 do CPC.''
Pelas razões de ordem nº 70, pretende o apelante a reforma da r. sentença, ao fundamento, em síntese, de que nunca houve uso exclusivo da área comum pelos proprietários da unidade do apelado, que justificasse a supressio ou pudesse gerar uma expectativa de direito para o recorrente, que só está de posse desses espaços há apenas 3 anos.
Aduz não estarem presentes os requisitos para que a supressio seja verificada.
Pugna pela reforma da sentença.
Contrarrazões recursais à ordem nº 73, pugnando, preliminarmente, o desentranhamento dos documentos apresentados com a ordem 37/38.
Em respeito ao princípio da não surpresa, determinei a intimação do apelante para que se manifestasse quanto à preliminar arguida (doc. ordem nº 74), o que o fez à ordem nº 75.
É o relatório. Decido.
Conheço do recurso, já que presentes os pressupostos de admissibilidade.
Da preliminar de desentranhamento dos documentos de ordem nº 37 e 38.
Em que pesem as alegações do apelado, não vejo por que determinar o desentranhamento dos documentos de ordem nº 37 e 38, uma vez que são meramente esclarecedores de fatos (STJ, 4ª T., REsp 181.627, Min. Sálvio de Figueiredo, DJU 21.6.99) e porque o apelado teve vista deles (art. 437, § 1º, do CPC).
Assim, rejeito a preliminar.
DES. MAURÍLIO GABRIEL - De acordo com a Relatora.
DES. TIAGO PINTO - De acordo com a Relatora.
DES.ª MÔNICA LIBÂNIO ROCHA BRETAS - Mérito.
A controvérsia cinge-se a verificar se estão presentes os requisitos para a ocorrência da supressio, no caso dos autos.
Confiram-se os fundamentos lançados na r. sentença para justificar a improcedência dos pedidos iniciais:
``Trata-se de ação de obrigação de fazer e não fazer ajuizada em face de morador, afirmando que este se utiliza dos espaços públicos do condomínio para estacionar seu veículo e depositar bens que lhe pertencem, tratando área comum do Condomínio como sua. Resta claro, considerando a planta original do edifício e afirmações em teor confessional advindas do réu, que ele faz uso inapropriado do espaço do prédio, estacionando seu veículo e utilizando-se da propriedade comum com certo teor privado. Ocorre que este uso vem se prolongando durante um longo período de tempo, tendo em vista que o réu já residia anteriormente, em conjunto com sua família, no edifício, e que, apesar da mudança para apartamento independente há 4 anos, a denominada ``vaga'' sempre teve seu uso validado pelos moradores. O instituto do direito civil denominado supressio, como afirma Menezes Cordeiro, `consiste na redução do conteúdo obrigacional pela inércia de uma das partes em exercer direito ou faculdades, gerando na outra legítima expectativa'. Ou seja, trata-se de direito adquirido com o decorrer do lapso temporal, em que a falta de cobrança ou exercício de um direito originário provoca a minoração deste, suprimindo a possibilidade de invocá-lo. Em consonância, decidiu o egrégio Tribunal de Minas Gerais:
`Apelação cível. Ação declaratória de nulidade de débito c/c indenização por danos morais e repetição de indébito. Contrato de empréstimo. Negativação do nome da parte. Pagamento não comprovado. Inversão do ônus da prova. Impossibildade. Supressio. Presunção de veracidade. Inocorrência. - A inversão do ônus da prova não constitui princípio absoluto, não é automática e não depende apenas da invocação da condição de consumidor, pois esse conceito não é sinônimo necessário de hipossuficiência, tampouco de verossimilhança. A inversão prevista no CDC só é permitida se houver prova inequívoca da verossimilhança das alegações da parte que a pede, ou hipossuficiência real à produção de determinada prova, não estando presentes nenhum dos requisitos no caso. A sanção processual de presunção de veracidade é aplicável somente quando a exibição é requerida de forma incidental ao processo principal. A inércia qualificada de uma das partes gera na outra a expectativa legítima (diante das circunstâncias) de que a faculdade ou direito não será exercido, configurando-se a supressio (TJMG - Apelação Cível 1.0693.12.006676-8/001, Rel. Des. Rogério Medeiros, 13ª Câmara Cível, j. em 10.03.2016, p. em 18.03.2016).'
Desta maneira, conclui-se que, durante os vinte anos em que morou no edifício em questão, tanto o réu quanto os moradores que ali residiam anteriormente não tiveram a ocupação da vaga questionada, como afirma o proprietário anterior do imóvel em seu testemunho, em que afirma que `morou no prédio de 2008 a 2012 e que sempre utilizou a área discutida nos autos assim como o proprietário antes dele, que também se utilizava desta área específica', gerando, assim, uma legítima expectativa de direito, em que, após todo este tempo, viu-se a supressão do direito original do prédio de ocupação do espaço. Além deste fato, a parte ré apresentou, por meio documental, outras irregularidades que ocorrem diariamente no edifício em questão, como o não respeito às vagas delimitadas previamente e o uso não autorizado dos armários presentes ao lado dos apartamentos, que não constam na matrícula original ou planta do prédio. Ademais, o objetivo final do prédio em relação ao espaço seria o de ocupá-lo com objetos que já se encontram em local determinado no prédio, como, por exemplo, o fornecimento de gás, que já encontra cômodo próprio, assim não havendo real necessidade de utilização deste espaço. Há ainda que ressaltar que, na Convenção de Condomínio, não há explicitamente proibição de uso de espaço não ocupado, tendo em vista que este não apresentava propósito para com o prédio. Assim, a improcedência é medida que se impõe.''
Com efeito, entendo que as razões declinadas no recurso e o conjunto probatório contido nos autos são insuficientes para infirmar os fundamentos lançados na r. sentença.
Assim, valendo-me da técnica de motivação per relationem, adoto e ratifico os fundamentos da r. sentença para mantê-la hígida, como autoriza a jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal e do colendo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
``Direito processual civil e direito civil. Veiculação de imagem sem autorização. Danos morais. Indenização. Suposta afronta aos arts. 5º, IV, IX e XIV, 93, IX, e 220 da Carta Maior. Motivação referenciada (per relationem). Ausência de negativa de prestação jurisdicional. Acórdão regional em que adotados e transcritos os fundamentos da sentença lastreada no conjunto probatório. Súmula 279/STF. Interpretação de normas de âmbito infraconstitucional. Eventual violação reflexa não viabiliza o manejo de recurso extraordinário. Consoante pacificada jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, tem-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões mesmo na hipótese de o Poder Judiciário lançar mão da motivação referenciada (per relationem). Precedentes. Além de a pretensão da recorrente demandar reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, a suposta afronta ao preceito constitucional indicado nas razões recursais dependeria da análise de legislação infraconstitucional, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário, considerada a disposição do art. 102, III, a, da Lei Maior. Agravo conhecido e não provido'' (AI 855829 AgR, Rel.ª Min.ª Rosa Weber, Primeira Turma, j. em 20.11.2012, DJe-241 div. em 0712.2012, p. em 10.12.2012).
``Recurso especial. Civil. Processual civil. Doação. Nulidade. Fundamentação per relationem. Possibilidade. Violação ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Prescrição. Incidência da Súmula 283/STF. Incapacidade. Perquirição acerca da intenção do agente. Desnecessidade. Documentos. Fé pública. Presunção relativa de veracidade. Sentença de interdição. Natureza declaratória e não constitutiva. Natureza da incapacidade. Ausência de interesse prático. Recurso desprovido. - 1. A iterativa jurisprudência desta Corte admite a fundamentação per relationem, pela qual o julgador se vale de motivação contida em ato judicial anterior e, especialmente, em parecer ministerial, como razões de decidir. [...] 9. Recurso especial conhecido em parte e não provido'' (REsp 1206805/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. em 21.10.2014, DJe de 07.11.2014).
Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes: AgRg no AgRg no AREsp 318.166/SP; REsp 660413/SP; AgRg no AREsp 210178/PR; AgRg no AREsp 296368/RS; AgRg no AREsp 114531/PR; EDcl no AREsp 202062/MG; REsp 1399997/AM; dentre outros.
Cumpre esclarecer que a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, em 18 de março de 2016, não alterou o entendimento jurisprudencial acima mencionado. Pelo contrário, a interpretação sistemática do aludido Diploma Legal deixa claro que essa técnica de fundamentação só não pode ser adotada em sede de agravo interno (conforme previsão expressa do art. 1.021, § 3º, do NCPC).
Não obstante, para melhor atender à expectativa da apelante, cumpre esclarecer que, pelo conjunto fático-probatório, ficou demonstrado que o apelado sempre usou a área comum como estacionamento e ``box de despejo'', com anuência do condomínio apelante, tendo, inclusive, ocorrido sucessão possessória da área comum.
Também restou demonstrado que, não só o apelado, como o próprio síndico e demais condôminos, se valem de áreas comuns como vagas de garagem ``extra'', com exclusividade, e que o único que está sendo questionado, após longo período de utilização, é o apelado, conforme depoimento pessoal do representante legal do condomínio apelante. Vejamos:
``[...] que o declarante usa uma vaga oficial e uma vaga não oficial da garagem; que com relação ao uso de vagas não oficiais, o único morador que foi questionado pela sua utilização foi o réu, [...]; que quase todos no condomínio utilizam vagas não oficiais e, de vez em quando, alguém se desentende, mas dá para suportar; que o filho do morador envolvido em uma discussão com o réu utiliza uma vaga não oficial com exclusividade [...]''. - Doc. ordem 63.
Ademais, a meu ver, o uso prolongado do local, inclusive pelos proprietários anteriores, descaracteriza a alegação de imprescindibilidade do local para ``depósito de material e escritório do condomínio'' ou mesmo para o depósito de lixo, como projetado.
Assim, tenho que a inércia do condomínio e a anuência dos demais condôminos por longo período, bem como a boa-fé objetiva do apelado, justificam a aplicação da supressio ao caso em comento.
Diante do exposto, rejeito a preliminar e nego provimento à apelação, mantendo hígida a r. sentença, por seus próprios fundamentos.
Custas e honorários recursais, os quais fixo em 5% sobre o valor da causa, pelo apelante, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.
DES. MAURÍLIO GABRIEL - De acordo com a Relatora.
DES. TIAGO PINTO - De acordo com a Relatora.
Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.
Fonte: Diárdio do Judiciário Eletrônico - MG