- O usufrutuário que mantém o imóvel em estado de abandono, contribuindo para deterioração, malgrado guarnecido com móveis, deixando-o em risco jurídico de perda pelo não pagamento de tributos e despesas atribuíveis, deve ter declarada a perda do usufruto, em cumprimento à norma do inciso VIII do art. 1.410 do Código Civil e respeito à prova produzida em contraditório judicial.
- O fato de o relatório conter alguns parágrafos próprios doutra causa não torna nula a sentença, sobretudo quando esse erro material é sanado por meio de embargos de declaração, tornando-o, ao final, preciso em relação à causa a que pertence.
Apelação Cível nº 1.0702.10.087770-4/002 - Comarca de Uberlândia - Apelante: Ilton Gomes Fernandes - Apelada: Laryssa Gomes Fernandes - Relator: Des. Saldanha da Fonseca
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar e negar provimento.
Belo Horizonte, 5 de outubro de 2016. - Saldanha da Fonseca - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. SALDANHA DA FONSECA - Recurso próprio e tempestivo.
Preliminar.
Nulidade da sentença (f. 304/308).
O apelante alega a nulidade da sentença recorrida por erro no relatório, que não se trata de erro material, mas de erro de análise da causa por parte do Juízo, uma vez que é do relatório que surge o conhecimento delineado dos fatos postos. No caso em tela, a demanda cingia-se à extinção de usufruto, contudo o relatório tratou de caso diverso. A sentença deve ser considerada nula, uma vez que se utilizou do relatório em nome de terceiros que não são partes no processo.
O relatório da sentença recorrida contém pequeno erro material por se reportar em determinado ponto a fatos de outra causa (f. 294/294-v.), dado técnico sanado com a acolhida dos embargos de declaração e supressão dos parágrafos 24 ao 33 (f. 298), de modo que o relatório passou a contar apenas com os elementos da causa. Assim sendo, imaginar não existente mero erro material, e sim erro na análise da causa, e deixar de ler a sentença recorrida em seus devidos termos, posição que se encaixa no cenário fático da parte que se vê derrotada, pelo que não técnica e verdadeira, e não pode ser tutelada.
Rejeito a preliminar.
DES. DOMINGOS COELHO - De acordo com o Relator.
DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA - De acordo com o Relator.
DES. SALDANHA DA FONSECA - Mérito (f. 307/314).
A análise dos autos revela que a apelada requer, em face do apelante, uma tutela jurídica de extinção de usufruto.
Alega que adquiriu a nua-propriedade de um terreno situado na Avenida Bélgica, Bairro Tibery, lote 16-B, quadra 167, em 02.02.1999, objeto de usufruto vitalício reservado para sua genitora Maria Aparecida Gomes Fernandes e marido Ilton Gomes Fernandes. Em 2001, foi construída no terreno uma casa sem qualquer ajuda financeira do réu. Após passar a residir no imóvel, o réu intensificou as agressões contra a família, com espancamentos, chutes e agressões verbais, expulsando-a do imóvel juntamente com sua genitora, sob a ameaça de morte. Com a expulsão, o réu passou a residir sozinho no imóvel e a levar várias mulheres para o local, enquanto ficou sem ter onde morar com sua genitora, quando foram acolhidas pela avó materna. Proposta a ação de separação litigiosa, o réu continuou residindo sozinho no imóvel, porque se comprometeu a pagar para a usufrutuária o equivalente a 41,5% de um salário mínimo, para que pudesse alugar outra casa, acordo não cumprido. Como a genitora paga o IPTU do imóvel, e foram surpreendidas com a penhora do imóvel resultante de execução promovida pelo DMAE, pelo não pagamento das despesas de consumo de água pelo réu, desde a data em que foram expulsas do imóvel. Ao usufrutuário incumbe o pagamento das despesas referentes à posse do imóvel, e o inadimplemento significa o abandono do bem. O réu deixou de utilizar o imóvel, não aluga, não comparece ao local e o bem se encontra abandonado, coberto de lixo, mato e objeto de invasão e depredação. O art. 1.410 do Código Civil autoriza a extinção do usufruto por abandono e pelo não uso. Requer o cancelamento do usufruto e imissão na posse do imóvel.
Prova oral produzida (f. 198/201).
Pedido julgado procedente para confirmar a liminar e declarar extinto o usufruto do réu sobre o imóvel de propriedade da autora, permanecendo apenas o usufruto de Maria Aparecida Gomes Fernandes (f. 293/296-v.). Embargos de declaração acolhidos para sanar erro material (f. 298).
O apelante sustenta não ser verdadeira a proposição de abandono do imóvel, pois, na data de sua retirada abrupta, nele residia com sua família, fato demonstrado pelo auto de imissão de posse (f. 69), de modo que o imóvel não se encontrava abandonado, com lixo e mato, como fez crer a apelada e as testemunhas. Os Oficiais de Justiça não relataram que o imóvel estava coberto de mato ou lixo, mas que estava em estado normal de habitação pelos bens móveis que o guarneciam, com roupas e até cachorro, o que demonstra não ser cabível a assertiva de que teria abandonado o imóvel. A dívida com o DMAE renegociou (f. 100/102). Provado que residia no imóvel, fazendo dele sua moradia juntamente com sua companheira e filho, não se enquadra a hipótese no inciso VIII do art. 1.410 do Código Civil.
O inciso VIII do art. 1.410 do Código Civil reza como causa de extinção do usufruto a culpa do usufrutuário, que aliena, deteriora ou deixa arruinar os bens ao não promover os cuidados de reparação. As deteriorações devem ser visíveis, duráveis e culposas. A conduta é sempre culposa, o que exige investigação de fato imputável ao usufrutuário, necessariamente na via judicial, descabendo pedido de cancelamento direto ao oficial registrador. A extinção não é automática, porque pressupõe a iniciativa do nu-proprietário, que tem a opção de exigir a reparação, a extinção ou os dois pedidos cumulativos. O juiz tem ampla liberdade ao examinar os atos culposos do devedor, especialmente a sua gravidade. Pode, assim, determinar a extinção pura e simples, como a extinção apenas de uma parte, manter o usufrutuário na posse dos bens, mas obrigando-o a reparar os danos, ou a prestar caução, ainda quando esta tenha sido anteriormente dispensada. O não pagamento de tributos e despesas condominiais atribuíveis ao usufrutuário pode também colocar em risco jurídico de perda a coisa, em razão da excussão. Abre-se ao nu-proprietário a obrigação alternativa de pagar as dívidas e reavê-las do usufrutuário, ou de pedir a extinção do usufruto por conduta culposa.
Os autos do processo mostram que a apelada paga o IPTU do imóvel (f. 37/47), embora seja encargo do apelante pela condição de usufrutuário que permaneceu no imóvel após acordo nos autos de separação litigiosa em 06.08.2003, que assegurou para a usufrutuária o recebimento de um aluguel compensatório (f. 28/29), não cabendo discutir nestes autos se pagos ou não. O imóvel foi penhorado em razão de dívida com o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) (f. 49). A condição de imóvel com sinais de desocupação, com lixo acumulado na porta e no jardim foi atestada por Oficial de Justiça Avaliador em 16.10.2010 (f. 57). O ato de imissão de posse revelou conter o imóvel mobiliário (f. 67/71). O fornecimento de água para imóvel foi interrompido em virtude da inadimplência (f. 73). O débito com o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) foi parcelado (f. 74/78 e 100/105). A companheira do apelante relatou que teria saído para passear numa fazenda no dia 29.01.2011 e, ao voltar no domingo (30.01.2011), não conseguiu entrar no imóvel, pois estava interditado (f. 108). A prova oral (f. 198/201) expressa a condição de imóvel carente de cuidados regulares.
Nesse contexto técnico, a conclusão jurídica razoável é no sentido de que o apelante deixou o imóvel recebido em usufruto em estado de abandono, contribuindo para deterioração, conduta culposa, malgrado estivesse o imóvel guarnecido com móveis, deixando-o em risco jurídico de perda pelo não pagamento de tributos e despesas atribuíveis ao usufrutuário. Assim sendo, a extinção parcial do usufruto por culpa do apelante é de rigor, em cumprimento da norma do inciso VIII do art. 1.410 do Código Civil e respeito à prova produzida em contraditório judicial.
Dispositivo.
Com tais razões, nego provimento à apelação, para confirmar a sentença recorrida.
Custas, pelo apelante, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça (art. 98, § 3º, CPC).
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Domingos Coelho e José Flávio de Almeida.
Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico