1) Tratando-se de interdito proibitório, é ônus do autor comprovar a posse e o esbulho ou turbação praticados pelo réu, bem como a demonstração do justo receio de moléstia da posse exercida.
2) Quando o imóvel, objeto do litígio, for alienado após o ingresso da ação possessória, ocorrerá a perda superveniente do objeto, posto que o interesse na pretensão da posse será dos novos possuidores e proprietários.
3) Assim, em homenagem ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, consubstanciado no art. 3º do NCPC/15, é possível, ao comprador, ajuizar ação independente, com vistas a se defender da ameaça de turbação ou esbulho sobre bem do qual detém a posse.
Apelação Cível nº 1.0180.16.000402-4/001 - Comarca de Congonhas - Apelante: PWG Incorporações e Participações Ltda. - Apelados: Carlos Alberto de Souza e outro, Clébio da Paz de Souza
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 5 de outubro de 2016. - Marcos Lincoln - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES. MARCOS LINCOLN - Trata-se de recurso de apelação, interposto por PWG Incorporações e Participações Ltda., da sentença de f. 148, integrada à f. 159, proferida nos autos da ação de interdito proibitório ajuizada em desfavor de Carlos Alberto de Souza e Clébio da Paz de Souza, pela qual o MM Juiz singular julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil de 1973, em razão da existência de anterior ação de interdito proibitório, movida contra os mesmos réus pela antiga proprietária dos imóveis discutidos.
Nas razões recursais, f. 160/170, a autora, ora apelante, sustentou, em síntese, que a empresa Terra Boa Administradora e Corretora Ltda., antiga proprietária dos imóveis, não possuiria legitimidade para ajuizar ação possessória, em virtude de contrato de promessa de compra e venda celebrado antes da distribuição do aludido feito; que existiria fato novo, qual seja, a desistência, pela autora Terra Boa, da mencionada ação de interdito proibitório, ocorrida após a oposição dos Embargos Declaratórios no presente feito. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, para cassar a sentença hostilizada, "determinando-se a análise da liminar pleiteada ou a realização de audiência de justificação, e posterior sequência do rito da ação" (sic, f. 170).
Contrarrazões às f. 182/186.
É o relatório.
Em primeiro lugar, impõe-se registrar que, em razão da vigência, a partir de 18.03.2016, do Novo Código de Processo Civil, segundo a boa doutrina, à qual me filio em matéria recursal, duas são as situações para a nova lei processual: 1) rege o cabimento e a admissibilidade do recurso a lei vigente à época da prolação da decisão da qual se pretende recorrer; 2) rege o procedimento do recurso a lei vigente à época da efetiva interposição do recurso (Comentários ao Código de Processo, Nelson Nery Júnior, Rosa Maria de Andrade Nery - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 228).
Além disso, o art. 14 do NCPC/15 dispõe: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
No caso em apreço, a decisão que rejeitou os embargos declaratórios e integrou a sentença recorrida foi publicada em 01.04.2016 (f. 159-v.) e o recurso interposto em 25.04.2016, de modo que as disposições do novo CPC serão observadas, respeitando-se os atos processuais já praticados.
Feitas tais considerações, passa-se ao exame do recurso propriamente dito.
Colhe-se dos autos que a autora, ao argumento de ter a posse de imóveis de sua propriedade ameaçada pelos requeridos, ajuizou o presente feito visando à expedição de mandado proibitório, bem como a condenação dos requeridos em perdas e danos.
A par disso, conforme relatado, foi proferida a sentença recorrida, pela qual o MM Juiz a quo julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, por falta de condições da ação, ao fundamento de "estar em tramitação ação de interdito proibitório tombada sob o número de ordem 0000738.08.2014, movida pela antiga proprietária dos imóveis (Terra Boa Administradora e Corretora Ltda.) em desfavor dos aqui apontados como réus" (sic).
Esses são os fatos.
Cinge-se a controvérsia em saber se o douto Magistrado agiu corretamente ao extinguir o processo, sem resolução de mérito, sob o fundamento de haver outra ação da mesma natureza ajuizada em desfavor dos apelados, pela antiga proprietária dos imóveis discutidos.
Pois bem.
Como cediço, interdito proibitório é a ação de preceito cominatório utilizada para impedir agressões iminentes que ameaçam a posse de alguém. Nas palavras de Luiz Antonio Scavone Junior, "trata-se de tutela inibitória, ou seja, de um veto, um preceito de não fazer (não esbulhar ou turbar a posse do autor), sob pena de cominação de multa pela transgressão" (Direito imobiliário: teoria e prática. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014).
Nos termos do art. 567 do NCPC/15, a ação de interdito proibitório pode ser manejada pelo "possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse", não havendo, portanto, necessidade expressa de se comprovar a propriedade do bem.
Nesse sentido, o recente entendimento desta Câmara Cível:
"Apelação cível. Ação de interdito proibitório. Art. 932, do CPC. Requisitos processuais demonstrados. Posse e ameaça iminente de turbação ou esbulho. Discussão acerca da propriedade. impossibilidade.. Nos termos do que enuncia o art. 932 do CPC, comprovada a posse do autor sobre o imóvel em questão, bem como o justo receio de que esta posse esteja sofrendo ameaça de turbação ou esbulho, deve ser mantida a procedência do pedido de interdito proibitório. - Em interdito proibitório não se discute direito de propriedade" (Apelação Cível 1.0481.06.060896-7/003, Rel.ª Des.ª Shirley Fenzi Bertão, j. em 18.08.2016).
É imperioso destacar que a posse dos imóveis indicados às f. 03/04 também está sendo discutida na ação de nº 0000738- 08.2014.8.13.0180, ajuizada pela empresa Terra Boa Administradora e Corretora Ltda. em desfavor dos apelados.
No entanto, em se tratando de ação possessória, para a procedência do pedido, é ônus do autor comprovar a sua posse, o esbulho ou turbação praticados pelo réu e sua data, bem como, no caso do interdito proibitório, demonstrar justo receio de moléstia da posse exercida.
Assim, com a alienação dos imóveis, que se deu em 02.07.2014, ou seja, em momento posterior ao ingresso da ação de nº 0000738-08.2014.8.13.0180, ocorrido em 13.01.2014, a pretensão dos antigos proprietários restou prejudicada, uma vez que o interesse na demanda possessória será dos novos possuidores/proprietários.
Anote-se que a perda do objeto foi reconhecida naqueles autos pela própria empresa Terra Boa, como é possível inferir da petição de desistência protocolada, à f. 171.
Em situação semelhante, decidiu o TJMG:
"Apelação cível - Ação de reintegração de posse - Alienação posterior ao ingresso da ação - Perda superveniente do objeto da demanda - Extinção sem resolução de mérito - Causa madura - Dispositivo alterado de ofício. - 1. quando o imóvel, objeto do litígio, for alienado após o ingresso da ação de reintegração de posse, ocorrerá a perda superveniente do objeto, posto que o interesse na pretensão possessória será dos novos possuidores e proprietários. 2. Caberá ao autor, alienante do imóvel, mediante a via adequada, apenas buscar ressarcimento eventual por perdas e danos, posto que já não lhe interessa mais discutir sobre a posse do imóvel. 3. Considerando que a apelação devolve ao tribunal o julgamento da apelação e que não há necessidade de produção de provas (art. 515, § 3°, do CPC), modifico o dispositivo da sentença para julgar o feito extinto, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC." (Apelação Cível nº 1.0390.11.003176-7/002, Rel.ª Des.ª Mariza Porto, j. em 11.03.2015).
Dessa forma, em homenagem ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no art. 5º, XXXV, do texto constitucional e consubstanciado no art. 3º do NCPC/15, é possível, ao comprador, ajuizar ação independente, com vistas a se defender da ameaça de turbação ou esbulho sobre bem do qual detém a posse, sem que isso se constitua em violação ao preceituado no art. 109 do novel diploma processual.
Deverá, portanto, ser cassada a sentença proferida, cabendo ao Juízo o seguimento do feito, com a apreciação da liminar pleiteada ou a designação de audiência de justificação, na forma da lei, e a determinação, se for o caso, do apensamento dos autos, para julgamento das ações em conjunto, a fim de se evitar decisões contraditórias.
Ante essas considerações, dá-se provimento à apelação, para cassar a sentença hostilizada, determinando-se o prosseguimento do feito.
Custas e honorários recursais, de 10% (dez por cento) do valor da causa, pela parte apelada, suspensa a exigibilidade em razão da justiça gratuita para fins recursais, que ora defiro.
Recurso provido.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alexandre Santiago e Mariza de Melo Porto.
Súmula - DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico