CPC traz impactos significativos na fixação de preço mínimo de alienação
O Código de Processo Civil é uma das maiores alterações realizadas no ordenamento jurídico nacional nas últimas décadas! Em 30 anos recebemos uma nova Constituição, um novo Código Civil, um Código de Defesa do Consumidor, e agora, um novo Código de Processo Civil, que se coloca ao lado dessas outras grandes e significativas alterações realizadas em nosso ordenamento. Como não poderia deixar de ser, são muitas as discussões em torno deste novo diploma normativo. Dentre as mudanças, para o presente texto, destaca-se a regra prevista no artigo 843, caput e parágrafos, do Código de Processo Civil de 2015[1]. De acordo com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, firmada à luz do revogado Código, tratando-se de bem indivisível, era possível apenas a penhora e a alienação judicial da fração ideal do devedor executado, ficando o terceiro livre tanto da penhora quanto da alienação de sua fração ideal[2]. A regra sofria temperamentos quando a fração ideal do bem indivisível era de copropriedade do cônjuge do devedor executado. Assim, conforme era previsto no artigo 655-B, do Código de Processo Civil revogado, admitia-se a penhora da fração ideal, com a alienação judicial da integralidade do bem do casal, ainda que o cônjuge não fosse executado[3]. O novo Código de Processo Civil vai além dessa orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, permitindo a alienação da totalidade do bem indivisível, independentemente de o terceiro não executado ser coproprietário ou cônjuge meeiro (conforme caput, do artigo 843). Se o terceiro não quiser perder a propriedade do bem, poderá exercer direito de preferência na arrematação do imóvel, oportunidade em que concorrerá em igualdade de condições a outros interessados na aquisição, nos termos do § 1º, do artigo 843. Não exercendo o direito de preferência, a quota-parte ou a meação do terceiro recairão sobre o produto da alienação (caput, do artigo 843, do Código de Processo Civil). Além disso, para garantir que o coproprietário ou meeiro seja indenizado em quantia equivalente à necessária para aquisição de bem similar, a quota-parte ou a meação não poderão ser alienadas por quantia inferior à de avaliação. Ao menos em tese, esse mecanismo concilia uma série de interesses, em princípio, divergentes. Proporciona maior eficiência à execução. Concede ao terceiro o direito de não perder a propriedade do bem, possibilitando-lhe o exercício do direito de preferência. E, também, indeniza o terceiro caso o bem seja alienado. Não fosse tal dispositivo, caberia ao coproprietário ou ao meeiro o ajuizamento de embargos de terceiro para a proteção de sua quota-parte ou de sua meação, respectivamente. Tal regra prestigia, dessa forma, a economia processual, assim como garante a proteção constitucional da propriedade do terceiro que não é devedor, mas que teve bem atingido pelo ato expropriatório da execução. Tenta-se harmonizar, como se disse, o interesse do credor, em ver o prosseguimento do ato de expropriação, e o direito de propriedade do terceiro, que nada deve e não é parte na execução. A partir de agora, portanto, bem indivisível poderá ser alienado, ainda que o coproprietário não seja parte na execução. É uma inovação, sem dúvida, pois o artigo 655-B, do revogado Código, somente permitia a expropriação de bem indivisível quando o terceiro era cônjuge do executado. Trata-se de uma mudança que, a nosso ver, tende a tornar melhor o sistema do processo executivo brasileiro. Talvez tenha passado despercebido por parte da literatura processualista brasileira, contudo, que esta regra traz significativo impacto na decisão do magistrado que fixa o preço mínimo de alienação do bem que será levado à expropriação. Diz-se isso porque a limitação prevista nos citados parágrafos do artigo 843 do Código de Processo Civil não se refere apenas à penhora, mas, também, ao ato da arrematação que, relativamente à quota-parte ou meação, não poderá ser menor do que o valor da avaliação. A regra prevista no citado artigo 843 do Código de Processo Civil deve ser lida em sintonia com as demais disposições do novo Código, notadamente aquela que limita a fixação do preço mínimo do bem penhorado de propriedade do devedor. De acordo com o artigo 891, do Código de Processo Civil, não será aceito lance que ofereça preço vil, sendo que considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação. Ou seja, se coproprietário não pode perder sua quota-parte, sem que seja indenizado em quantia suficiente para aquisição de outro bem similar, o devedor não pode ser expropriado sem que se respeite a vedação à alienação por preço vil. Portanto, relativamente à quota-parte ou à meação do terceiro, deve-se, no mínimo, respeitar o valor da avaliação. Já em relação à quota-parte ou à meação do devedor, deve-se respeitar a vedação à alienação por preço vil. Dessa forma, tratando-se de um bem indivisível de R$ 1 milhão, em que são proprietários, na fração ideal de 50% para cada um, devedor e terceiro, em que o juiz fixe como preço vil lance inferior a 50% do valor da avaliação, o preço mínimo será de R$ 750 mil. Isso porque, a alienação deverá garantir que o terceiro receba 100% de sua quota-parte, no caso, 500 mil reais, e o devedor não poderá ser destituído de sua quota-parte por valor que seja considerado vil, ou seja, inferior a R$ 250 mil. Não se entendendo assim, no exemplo acima, poder-se-ia chegar ao absurdo de o bem ser expropriado R$ 500 mil, quantia que seria integralmente reservada ao coproprietário, situação em que o devedor perderia a propriedade sobre sua fração ideal sem que um centavo sequer da dívida fosse amortizado. Ainda que, por exemplo, o bem fosse alienado por 60% do valor da avaliação, no nosso sentir, não seria respeitada a regra do artigo 891, do Código de Processo Civil, pois 50% seriam destinados ao coproprietário e apenas 10% seria usado para saldar a dívida. Em outras palavras, seria, neste caso, o devedor destituído da propriedade de sua fração ideal pelo valor de 10% do que ela foi avaliada. Por tal razão, como antes afirmamos, a regra prevista no artigo 843 do Código de Processo Civil traz impactos significativos na decisão que fixa o preço mínimo de alienação. Conforme se viu acima, o juiz deverá observar tanto a necessidade de preservação da quota-parte ou da meação como inadmitir a alienação por preço vil da fração de titularidade do devedor executado.
1 Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.
§ 1.o É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições. § 2.o Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação.
2 “O Superior Tribunal de Justiça entende que, em execução, a fração ideal de bem indivisível pertencente a terceiro não pode ser levada a hasta pública, de modo que se submetem à constrição judicial apenas as frações ideais de propriedade dos respectivos executados. Precedentes: REsp 1.404.659/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 7/4/2014 e REsp 1.263.518/MG, Rel. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, DJe 04/12/2012).” (STJ, 2.a T., REsp 1573783/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 23/02/2016, DJe 01/06/2016)
3 “O entendimento desta Corte é no sentido de ser possível que os bens indivisíveis sejam levados à hasta pública por inteiro, reservando-se ao cônjuge meeiro do executado a metade do preço obtido.” (STJ, 3.a T., AgRg nos EDcl no AREsp 264.953⁄MS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, julgado em 26⁄02⁄2013, DJe 20⁄03⁄2013)
Henrique Cavalheiro Ricci é mestre em direito, sócio do escritório Medina & Guimarães Advogados Associados e professor de direito falimentar e de direito tributário na PUC-PR. Fonte: Revista Consultor Jurídico |