Por José Flávio Bueno Fischer*
O artigo 236 da Constituição Federal de 1988 erigiu o microssistema de notas e registro a cargo de delegatários de relevante função pública, que a exercem em caráter privado[1], o que ocasionou uma profunda transformação do regime jurídico do Notariado Brasileiro. “De uma atividade subordinada, caracterizada como simples serventia do Poder Judiciário, o Notariado tornou-se um serviço público privatizado.” [2] Essa profunda modificação reduziu a centralização do poder, cortando os vínculos tutelares que os Tribunais exerciam sobre o Notariado brasileiro, possibilitando o desenvolvimento da instituição, com a adoção de modernos meios de informática a possibilitar a celeridade e segurança na elaboração e lavratura dos atos. Ademais, em cumprimento ao mencionado preceito constitucional, foi editada a Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, que exigiu que o tabelião e o registrador fossem bacharéis em direito, limitando o acesso a profissionais em nível universitário. Com isso, o tabelião tornou-se um técnico com conhecimentos científicos especializados, garantidor da segurança dos negócios e da manutenção da paz social, objetivando sempre a prevenção de litígios. O tabelionato, assim, deixou de ser atividade meramente empírica, de reduzir a escrito a manifestação das partes, para tornar-se função exercida com independência, rigor técnico e qualificação profissional. O notário colhe a vontade das partes, interpreta-as à luz da moral, da justiça e da lei, e propõe a solução de maior conveniência sob o aspecto jurídico. Essa atividade de consultor tem como resultado a escritura pública, “ onde ele coordena, autentica e legitima os interesses dos contratantes, assegurando a eficácia jurídica necessária à correta aplicação dos direitos gerados pelo acordo de vontades”.[3] Não se pode negar, portanto, que os notários brasileiros, na condição de delegatários de uma função pública, exercem atualmente papel fundamental na sociedade, sendo verdadeiros garantidores da segurança jurídica dos negócios e da manutenção da paz social. Ora, então, porque sua atividade tem sofrido constantes ataques e duras críticas, vindas de todos os lados? A principal razão, ao nosso ver, parece ser o desconhecimento do papel do notário pela sociedade em geral. Valendo-nos das palavras de João Figueiredo Ferreira, “a função de agente preventivo de litígios é tão bem exercida pelos notários que os resultados favoráveis dessa ação não são percebidos pelas pessoas. Ao contrário, o cuidado no trato dos atos mais simples, especialmente o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia, é visto com um ranço burocrático a entravar os negócios particulares. A garantia jurídica e econômica representada pela intervenção do notário em tais negócios não passaria da atividade de um intermediário ou atravessador, que nada mais faz senão por um carimbo no documento que a ele foi submetido.”[4] Na verdade, as pessoas consideram os atos notariais, como o reconhecimento de firma, por exemplo, um entrave burocrático, justamente porque só se dão conta da falta que eles fazem nas relações negociais quando o dano ou a fraude já estão instalados. Vejamos, à título de ilustração, o exemplo das Juntas Comerciais. Muitas pessoas, que tiveram seus documentos perdidos ou roubados, só se dão conta da importância do reconhecimento de firma quando são surpreendidas por dívidas ou outros problemas decorrentes da inserção de seu nome como sócio laranja em empresas fantasmas. Aliás, justamente em razão de tentativas rotineiras de falsificação de assinatura em documentos societários levados a registro, as Juntas Comerciais de alguns Estados brasileiros, como Mato Grosso, Tocantins, Paraná, Pernambuco e Rio de Janeiro, passaram a adotar, por meio de resolução, a obrigatoriedade do reconhecimento de firma nos atos a serem arquivados.[5] Outro aspecto da atividade notarial que as pessoas comumente consideram excessivo formalismo é a escritura pública. Da mesma forma que no reconhecimento de firma, as partes que contratam por instrumento particular só se dão conta da importância da intervenção do notário para garantir segurança e eficácia ao negócio jurídico após já instaurada a lide. E, basta dar uma olhada no repositório de jurisprudência de nossos Tribunais para verificar a imensa quantidade de litígios que pendem sobre contratações particulares, enquanto raras são as revisões de escrituras públicas. Desta forma, diante deste desconhecimento generalizado da importância da atividade notarial e dos prejuízos graves patrimoniais e morais que podem advir de sua não existência, como modificar este cenário? Como mostrar à população que o notário, ao contrário de um entrave burocrático, um mero carimbador, é um verdadeiro aliado do povo na busca pela certeza e segurança jurídica dos negócios? Como mostrar às pessoas a verdadeira face do notário, caracterizada por um assessor jurídico qualificado e imparcial, que busca o equilíbrio contratual e a proteção do mais fraco na relação, prevenindo litígios? A solução passa pela publicidade institucional para a defesa da integridade do papel que o notário exerce na sociedade. Valendo-nos, novamente, das palavras de João Figueiredo Ferreira, “a sociedade tem o direito de saber quais os serviços que os notários estão preparados a prestar. Por isso, os notários deveriam vir a público, através de artigos em jornais, comentários radiofônicos, entrevistas na televisão, oferecer gratuitamente ensinamentos jurídicos em linguagem simples e despojada a respeito de regime de bens, relações de parentesco e outros assuntos que possam despertar a curiosidade das pessoas comuns do povo, que não contam com assistência legal para ensiná-las ou protegê-las.”[6] Não estamos, aqui, nos referindo ao notário fazer isoladamente propaganda do seu serviço, o que é vedado em razão de compromissos éticos. Estamos, sim, nos referindo à disseminação do conhecimento da atividade notarial à população, através de sites, revistas, jornais, rádio, televisão. Quantos brasileiros ainda acham que os cartórios são transmitidos de pai para filho, desconhecendo a realidade de outorga das Serventias através de concurso público? É preciso modificar esta ideia errônea que se possui dos notários, mostrando às pessoas que o tabelião é profissional técnico qualificado, que passou por rigorosa seleção para ocupar seu ofício. É imprescindível que as pessoas conheçam as atividades desenvolvidas no Tabelionato e tenham consciência de sua relevância para o saudável desenvolvimento das relações jurídicas. Muito já se tem feito neste sentido, é verdade! No entanto, é preciso mais! O ataque à atividade notarial tem se acirrado nos últimos tempos e a arma que temos nesta luta é a disseminação do conhecimento de nossa atividade. Só o conhecimento é capaz de livrar uma sociedade dos imensos e trágicos prejuízos que a ignorância pode acarretar. Notários do Brasil, vamos unir nossas forças nesta luta, pois, nas palavras de nosso querido Carlos Poisl, “se o Tabelião não salvar o seu Notariado, ninguém mais o fará”!
[1] NASCIMENTO, Luiz Lafaiete. Títulos com estranha força de escritura pública. Disponível em: http://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=246. Acesso em: 20 nov. 2015.
[2] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. O notariado brasileiro perante a Constituição Federal. In: Revista de Direito Imobiliário. Ano 23, n. 48. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan-jun, 2000. p. 82.
[3] POISL, Carlos Luiz. Em testemunho da verdade: Lições de um notário. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2006. p. 32
[4] FERREIRA, João Figueiredo. Para onde vão os cartórios? In: Revista de Direito Imobiliário. Ano 23, n. 48. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan-jun, 2000. p. 128
[5] COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL – CONSELHO FEDERAL. Juntas Comerciais adotam reconhecimento de firma como mecanismo de prevenção contra fraudes com documentos. Notícia publicada em 26.10.2015. Disponível em http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NjU0Nw. Acesso em 20 nov 2015.
[6] FERREIRA, João Figueiredo. Para onde vão os cartórios? In: Revista de Direito Imobiliário. Ano 23, n. 48. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan-jun, 2000. p. 129
*José Flávio Bueno Fischer 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS Ex-presidente do CNB-CF Membro do Conselho de Direção da UINL
Fonte: CNB-CF
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