* Por Luiz Ernesto Oliveira e Viviane Castilho A segurança das transações imobiliárias depende do acesso a informação de qualidade sobre a situação do imóvel e de seu proprietário. Antes de fechar o negócio, o interessado precisa saber se o proprietário responde por dívidas no mercado e garantir que a alienação do imóvel não caracterize uma fraude a credores. Atualmente, as informações sobre as dívidas ficam dispersas em um labirinto burocrático. A certidão vintenária do imóvel detecta a existência de hipotecas ou penhoras relacionadas a ações de execução já em estado avançado. No entanto, ações de cobrança, de indenização, reclamações trabalhistas e outras medidas em estágio de conhecimento não aparecem nessa certidão. Considerando que vivemos em um país de dimensões continentais com uma das mais elevadas taxas de litigância do mundo, o interessado que pretende reunir todas as informações necessárias para avaliar os riscos da aquisição precisa obter certidões dos distribuidores de todas as justiças operacionais no Brasil, o que inclui os 91 tribunais espalhados por 27 unidades federativas da Justiça Estadual, Federal e Trabalhista não apenas em nome do proprietário e de seus antecessores, mas, para avaliar possíveis desconsiderações de personalidade jurídica, de todas empresas das quais ele um dia participou. Diante dos custos proibitivos dessa verdadeira peregrinação judiciária, os interessados acabam optando por requerer certidões apenas nas jurisdições do local do imóvel e da residência do proprietário, assumindo os riscos da falta de informação completa. As transações imobiliárias no Brasil são, por consequência, realizadas em um ambiente de baixa informação e elevada insegurança jurídica, no qual exigências legais desarrazoadas recaem sobre as pessoas que não se encontram na melhor posição para atendê-las. Para tentar modificar essa realidade, no dia 08 de outubro foi publicada a Medida Provisória nº 656, que elege a matrícula mantida no Livro nº 02 dos registros de imóveis brasileiros como registro único, apto a concentrar todas as informações relativas à constituição, alteração e transferência de direitos reais. A partir da vigência da MP, aquele que assumir a condição de titular de uma pretensão sobre direito real deve proceder à anotação na matrícula do imóvel, sob pena de não oposição desse direito a um terceiro de boa-fé. Da mesma forma, os titulares de pretensões e direitos anteriores à MP terão prazo de dois anos para fazer a anotação na matrícula do imóvel, também sob pena de não oposição a terceiros de boa-fé. Assim, t odas as anotações relevantes constarão da matrícula e bastará ao comprador a obtenção de uma única certidão para avaliar a situação do imóvel. A MP reforça a presunção de boa-fé do interessado na compra de imóveis e facilita a sua vida ao exigir a concentração na matrícula, mas, ao mesmo tempo, transfere aos credores e demais interessados no patrimônio do proprietário os ônus de fazer com que suas pretensões constem do registro, aumentando os cuidados necessários à garantia da sua satisfação. Os autores de ações de execução, ações pessoais reipersecutórias ou ações em fase de cumprimento de sentença contra o proprietário precisam averbar seus processos nas matrículas para evitar que terceiros comprem o imóvel e frustrem seu direito. Da mesma forma, os autores de ações constitutivas ainda não julgadas, como cobranças ou indenizações, cujo resultado tenha o potencial de reduzir o proprietário do imóvel à insolvência, devem pedir ao juiz uma ordem de averbação do seu processo na matrícula do imóvel, de forma a garantir a efetividade do seu direito frente a terceiros adquirentes. Diferentemente do arresto, que exige prova de mudança evasiva de endereço ou desfazimento proposital de bens, a demonstração da insolvência está relacionada à desproporção entre o patrimônio e as dívidas do réu, considerado nas dívidas o valor pleiteado na ação. Essa demonstração pode ser realizada no início do processo mediante a prova de sinais externos de insolvência, como a existência de protestos, negativações e ações de execução não garantidas, bem como pela exibição da declaração de renda do réu. Outro aspecto importante diz respeito aos efeitos posteriores da MP na estratégia de cobrança de dívidas pelo Poder Judiciário. As mudanças da MP 656 fazem renascer um instituto esquecido: a hipoteca judiciária. Diz o art. 466 do Código de Processo Civil que a sentença de condenação do réu no pagamento de uma prestação em dinheiro ou em coisa valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos. Ou seja: havendo sentença condenatória, ainda que em primeira instância e pendente de recurso, o autor deve inscrever sua pretensão na matrícula, sob pena de ver o patrimônio do réu esvaziado pela alienação a terceiros de boa-fé. O mercado imobiliário recebeu positivamente a MP, até porque a concentração de informações na matrícula é uma providência de bom senso. No entanto, é recomendável que os credores em geral, em especial as empresas e fundos que administram grandes carteiras de créditos estressados, imediatamente iniciem um esforço de revisão de seus processos, a fim de avaliar em quais casos é cabível um requerimento de anotação em registro ou uma hipoteca judiciária. A adoção dessas providências é necessária porque a redistribuição de responsabilidades imposta pela MP afeta o cálculo de recuperabilidade dos créditos e, se não estiverem atentos, ações com alto potencial de sucesso jurídico podem ter seu sucesso econômico severamente depreciado pelo esvaziamento do patrimônio do devedor.. * Luiz Ernesto Oliveira e Viviane Castilho são, respectivamente, sócio e advogada coordenadora da área de direitos imobiliário e fundiário de Guedes Nunes Oliveira e Roquim Advogados. |