Recentemente este tabelião / colunista vivenciou em sua prática profissional duas experiências diferentes, radicalmente opostas, mas muito educativas, ambas com base em erros de qualificação.
São casos de interesse, sobre os quais vale a pena fazer algum comentário e reflexão.
O primeiro, se refere ao erro na qualificação registral de uma escritura que teve seu registro recusado pelo colega registrador, apesar de toda argumentação feita em defesa da possibilidade de seu registro da forma como realizada.
A dúvida registraria foi suscitada ao corregedor permanente. Julgada procedente em primeira instância, objeto de recuso ao CSM, teve seu resultado alterado pelo Conselho Superior da Magistratura. Por unanimidade de votos a sentença negativa do registro foi reformada, resultando em uma ordem expressa para o registro do título da forma como foi lavrado pelo tabelião e com o mesmo fundamento que serviu de base para a argumentação apresentada ao registrador.
Em primeira instância o processo administrativo de dúvida registraria, que dispensa a assistência de advogado,, foi manejado pelo próprio adquirente do imóvel, com base em fundamentação e orientação fornecida por este tabelião, que lavrou o ato e que sempre esteve convencido de sua regularidade.
Ante o julgamento pela improcedência do pedido, o recuso ao Conselho Superior da Magistratura foi apresentado por advogado habilitado, mas com a mesma fundamentação apresentado ao julgador de primeiro grau.
Em pouco mais de um ano o processo foi julgado e, com grande alegria tomei ciência do inteiro teor do acórdão, que contém uma bela e muito instrutiva declaração de voto convergente, declaração esta que tornava muito mais explícito o ponto onde o registrador imobiliário se enganava.
A leitura que faço deste Acórdão é que os membros do CSM/SP pretenderam deixar muito claro que para o registrador de imóveis que existem limites na qualificação e que não deve existir margem para ilações ou tiradas de conclusões à partir de dados inexistentes no fólio real e no título apresentado.
Para encerrar este tópico, apenas ressalvo que o ponto central da discussão travada entre registrador e o adquirente do imóvel – conflito que indiretamente envolveu este tabelião que lavrou o ato sempre entendeu dispensável qualquer retificação naquela escritura ou no registro de origem - era tão somente uma questão oriunda da divergência ente dados do Cadastro Municipal e o que constava na matrícula do imóvel. Matrícula que efetivamente tinha (e tem) algumas imperfeições desde suas remotas origens registrárias.
A lição oferecida pelo Acórdão que julgou regular a escritura lavrada e determinou a o seu registro da forma como foi apresentada ao cartório, pode ser resumida em poucas palavras: se existe divergência entre o registro e os dados de Cadastro Municipal, ela resolve-se em favor do que constas no registro de imóveis. O fundamento: princípio da continuidade.
Mas é claro que o colega registrador não encarou com a mesma satisfação e alegria o resultado do processo e desde o momento em que houve ciência daquela decisão, parece ter ocorrido uma certa mudança de postura em relação a este tabelião/colunista.
Assim é a natureza humana. Até parece que ganhei uma briga e também um inimigo. Porque faço tal afirmação? Ora, porque em uma feliz coincidência em data muito próxima, ao proceder a retificação de uma escritura lavrada por meu antecessor – ato notarial com quase 20 anos e que até hoje ainda não obteve seu registro - quem errou ao qualificar o ato, fui eu, tabelião.
Ao consertar um erro, cometi outro e, pior ainda, cego ao meu engano insisti na realização do registro imobiliário da forma como fiz constar naquela retificação.
Então, nesta mais recente qualificação, na redação da nota de devolução com exigência, diferentemente de outras alhures produzidas, percebi um tom levemente ríspido (quase ofensivo, digo com minha sensibilidade) Nesta nova Nota de Devolução o colega registrador, diferentemente dos termos sucintos e objetivos com que costuma redigir suas “exigências”, manifestou-se em uma linha de argumentação muito mais dura e incisiva, ele não poupou críticas, direta e francamente apontou os erros deste tabelião em juízos de valor nos seguintes termos : “.. custa a crer que um tabelião desconheça do fato de que ....O casamento, que foi contraído junto ao cartório que lavrou o ato, que também acumula a função de registrador civil, não pode ser ignorado ... “... o tabelião que mais uma vez pretende determinar o modo de ação deste cartório ...”.
O fato e que, neste caso, ele registrador estava totalmente correto em negar a realização do registro, pois havia um grave erro de qualificação notarial naquele título apresentado para registro.
Neste caso em particular, estava presente uma situação muito singular.
A escritura, originalmente lavrada no ano de 1995, teve um dos compradores qualificado como separado judicialmente e a outra compradora/condômina, como solteira. Entretanto, o primeiro comprador estava divorciado naquela data e posteriormente ambos casaram-se entre si, mas sob o regime da separação obrigatória de bens.
Ao fazer a primeira retificação daquela escritura, para consertar um erro na descrição do imóvel e fazer constar algumas declarações do vendedor, em data recente, foi consignada a existência do novo casamento, mas por um descuido não percebido ou corrigido por este tabelião e tampouco pelas partes, constou na escritura como se o regime de bens fosse o da comunhão parcial.
Inegavelmente a incorreta indicação do regime bens do casamento contraído foi um erro grave deste tabelião. As partes também erram ao não corrigir sua qualificação pessoal antes da assinatura do ato - pode parecer estranho, mas isso acontece com relativa frequência, somente a cuidadosa conferência dos documentos pessoais evita este tipo de erro.
O fato é que, independente do regime adotado, o casamento posterior dos compradores não soluciona a falha de qualificação existente naquele primeiro ato.
Na data da aquisição, o cidadão era divorciado e o ato notarial (lavrado no ano de 1995), não retratando esta situação fundamental, ainda continha um erro a impedir seu ingresso no registro imobiliário.
Somente depois do puxão de orelhas pude perceber meu erro e, envergonhado, precisei chamar novamente os interessados ao cartório de notas para lavrarmos a terceira retificação daquela escritura.
É difícil admitir os próprios erros.
Nossa natureza sempre busca desculpas, justificativas, motivos para explicar nossas falhas, mas na verdade, por vezes, elas inexplicavelmente ocorrem.
Penso que o importante é ter a humildade de perceber os próprios erros, admitir que a perfeição ainda é um objetivo a ser buscado, que a sabedoria somente se adquire a partir do aprendizado com os erros cometidos e que, por isso, é necessário ser paciente e compreensivo com o próprios erros e dos semelhantes.
Em arremate, confesso de público, que ao reapresentar para registro a citada escritura (que por três vezes foi retificada) em anexo encaminhei uma carta ao colega registrador, humildemente reconhecendo meus erros e solicitando a generosidade de sua compreensão.
Realmente espero e acredito que entre nós reinará a paz e a compreensão.
É muito melhor assim, pois no conflito entre tabelião e registrador, que perde é o usuário do serviço.