DIREITO DAS SUCESSÕES E O NOVO CÓDIGO CIVIL: ALGUMAS LINHAS SOBRE A NOVA ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
1. Importantes inovações operadas pelo novo ordenamento civil brasileiro
Em vigor desde 11 de janeiro de 2003 (art. 2.044), a Lei Federal n.° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo Diploma Civil brasileiro, trouxe importantes e profundas inovações em nossa legislação civil. Engana-se quem imagina ou propaga o contrário. Basta ter em mente a transformação principiológica operada pelo novo Estatuto Privado: hoje, o Direito Civil brasileiro baseia-se em uma visão voltada para a satisfação do direito social e não mais para a satisfação do direito individualista, que reinava com a codificação anterior (Lei Federal n.° 3.071, de 1.° de janeiro de 1916). Mas não é só. Diversas foram as modificações operadas com a entrada em vigor de nosso novo Código Civil. Citaremos algumas delas, a título meramente exemplificativo, sem a menor pretensão de esgotarmos a matéria:
1-) Substituição do substantivo ‘homem’ pelo substantivo ‘pessoa’ em seus diversos dispositivos, notadamente em seu art. 1.° (“toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” - grifamos), a fim de adaptar o Código Civil de 2002 ao princípio constitucional da igualdade, princípio este, esculpido no art. 5.°, “caput”, e seu inciso I, de nossa Lei Maior;
2-) Redução da maioridade civil para os 18 (dezoito) anos de idade completos (art. 5.°, “caput”), em contraposição aos 21 (vinte e um) anos exigidos pelo Código Civil revogado;
3-) Inclusão do vício social da simulação como hipótese de nulidade do negócio jurídico (art. 167, “caput”) e não mais como causa de anulabilidade do mesmo, como prescrevia o revogado art. 147, II, quarta figura, do Código Civil de 1916;
4-) Adoção pelo novo Estatuto Civil da denominada ‘teoria da empresa’ (arts. 966 e seguintes) em atendimento ao clamor doutrinário e jurisprudencial que pedia a substituição da, até então vigorante, ‘teoria dos atos de comércio’;
5-) Exclusão da enfiteuse do rol taxativo dos direitos reais (art. 1.225);
6-) Limitação ao grau de parentesco na linha colateral até o 4.° grau (art. 1.592) e não mais até o 6.°, como dispunha o Código de 1916 em seu art. 331; e,
7-) Possibilidade de alteração do regime de bens dos cônjuges durante a vigência do vínculo matrimonial,“... mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros” (§ 2.° do art. 1.639 do Código em vigor), em contraposição à imutabilidade do regime de bens prevista no Código de 1916 (art. 230); dentre inúmeras outras.
E isso não foi diferente com relação ao Direito das Sucessões, igualmente objeto de sensíveis alterações com a entrada em vigor do Código de 2002. Ao que nos interessa mais de perto, passaremos a analisar as profundas modificações que se verificaram no tocante à ordem de vocação hereditária (subitem 2.1. infra) e à sucessão do companheiro (subitem 2.2. infra) com a entrada em vigor do novo Código Civil brasileiro, sem não antes analisarmos superficialmente alguns conceitos básicos do direito sucessório (item 2 infra).
2. Sucessão: aspectos gerais
O vocábulo ‘sucessão’, do verbo ‘suceder’, significa a transferência de direitos e obrigações de um titular ao outro. Esta transferência tanto pode se dar por ato “inter vivos” (compra e venda, doação, sucessão de empresas, desapropriação, etc.) quanto por ato “causa mortis”. A segunda espécie de sucessão, isto é, a sucessão “causa mortis” é a que ora nos interessa. E sucessão “causa mortis” pode ser definida como sendo a transferência de direitos e obrigações que se opera em virtude do falecimento do titular dos mesmos. Esta transferência é regulada pela Lei, que define os legitimados a receber os bens (a chamada ‘capacidade sucessória passiva’) e a forma como se dará tal transmissão.
Preliminarmente é importante esclarecermos uma questão que ainda causa sérias dúvidas entre os notários, registradores, prepostos e demais operadores do direito. Meação não se confunde com sucessão. Meação é a simples atribuição de bens a cada um dos cônjuges quando da dissolução da sociedade conjugal ou do vínculo matrimonial. Meação, portanto, é a metade do patrimônio que já pertence ao cônjuge por direito próprio e não sucessório. A par desta diferenciação, entretanto, nos formais de partilha ou escrituras públicas de inventário e partilha de bens revela-se obrigatório que se proceda ao arrolamento da totalidade dos bens e ao pagamento da meação ao cônjuge sobrevivente. Isto, inclusive, já foi pacificado pelo Colendo Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, conforme se verifica das Ementas abaixo:
“Meação. Partilha. Dúvida inversa. 1. O quinhão do meeiro não deve ser extremado antes da partilha, que deve ser do todo. 2. Admite-se a figura da dúvida inversa. 3. A decisão no procedimento de dúvida não se vincula aos motivos deduzidos pelo registrador, mas não se autoriza julgamento fora do pedido”(grifamos). (Apelação Cível n.º 17.289-0/7, Campinas-SP, julgada em 06/08/1993, Rel. Des. José Alberto Weiss de Andrade, publicada no D.O.E. em 26/08/1993).
“Registro de Imóveis. Dúvida. Pretendido registro de carta de adjudicação referente a metade ideal de bem imóvel deixado por cônjuge falecido. Arrolamento que deixa de lado a meação do cônjuge sobrevivo. Violação dos artigos 1.771 do Código Civil e 993, inciso IV, do Código de Processo Civil. Dados qualificativos da cônjuge, ademais, ausentes do fólio real. Princípios da continuidade e da especialidade. Registro inviável. Decisão mantida” (grifamos). (Apelação Cível n.º 36.052-0/5, Atibaia-SP, julgada em 30/12/1996, Rel. Des. Márcio Martins Bonilha, publicada no D.O.E. em 24/02/1997).
“Registro de Imóveis. Dúvida. Registro de carta de adjudicação expedida em autos de inventário. Necessidade de se arrolar a totalidade dos bens. Recurso provido para reformar a sentença que autorizou o registro da adjudicação da metade ideal dos bens” (grifamos). (Apelação Cível n.º 404-6/6, São Paulo-SP, julgada em 08/09/2005, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale, publicada no D.O.E. em 25/10/2005).
Devidamente esclarecida esta questão preliminar, passaremos à análise de alguns aspectos iniciais da sucessão “causa mortis”.
O momento da abertura da sucessão “causa mortis” se dá no instante mesmo do falecimento do autor da herança. Neste exato momento já se opera automaticamente a transmissão de todo os bens, direitos e obrigações do espólio aos herdeiros, sejam eles legítimos ou testamentários, tudo em obediência ao“Droit de Saisine” (art. 1.784 do Código Civil de 2002). Deste conceito já se extrai que “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade” (art. 1.786 do Diploma Civil), isto é, que a sucessão pode ser legítima ou testamentária, sendo que a primeira é subsidiária em relação à segunda (art. 1.788 do Código Civil). Finalmente, deve-se frisar que o testamento deve sempre preservar a legítima dos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente), à luz do prescrito nos arts. 1.789 e 1.845, ambos do Código de 2002.
2.1. Sucessão legítima
Sucessão legítima é aquela que se opera nos termos da lei. Ela independe de qualquer manifestação de vontade do autor da herança. Embora subsidiária em relação à sucessão testamentária (art. 1.788 do Código de 2002), que prevalece sobre ela, a lei civil prevê diversos mecanismos que fazem com que a sucessão legítima, em determinadas hipóteses, seja resguardada da liberalidade ilimitada do pretenso testador. Em resumo: o ordenamento jurídico protege certas categorias de pessoas que ele, ordenamento, não aceita ver excluídos da sucessão. São os chamados ‘herdeiros necessários’ (arts. 1.789 e 1.845 e seguintes, todos do Código Civil de 2002), a saber: descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente.
Uma vez regulada pela lei, estabelece esta a ordem de chamamento à sucessão, ou a ordem de vocação hereditária para ser mais preciso, definindo a seqüência de pessoas legitimadas a receber, em face da lei, todo o acervo patrimonial do defunto ou mesmo parte dele.
Neste campo, surge uma das principais inovações do Código de 2002, que será objeto de estudo próprio no subitem seguinte, a chamada ‘concorrência sucessória’, que vem regular as hipóteses em que descendentes e ascendentes concorrem, dentro de suas próprias classes, com o cônjuge sobrevivente.
Dois são os artigos que tratam da ordem de vocação hereditária em nosso Código Civil, são eles: os arts. 1.829 e 1.844, este último, regulando a hipótese de herança vacante.
Tais artigos definem a seqüência legal dos legitimados à suceder o “de cujus”:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais”.
“Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal”.
2.1.1. Concorrência sucessória
A principal inovação do Código de 2002, dentro do tema da ordem de vocação hereditária, refere-se à chamada ‘concorrência sucessória’. Ela encontra-se prevista nos incisos I e II do art. 1.829 do Estatuto Civil. Preliminarmente cumpre esclarecer que a concorrência sucessória pode se dar entre descendentes e cônjuge sobrevivente (inciso I do art. 1.829) ou entre ascendentes e cônjuge sobrevivente (inciso II do art. 1.829).
No que se refere à concorrência sucessória entres descendentes e cônjuge sobrevivente, três são as hipóteses legais para a configuração, a saber:
1-) Quando o casamento do “de cujus” com o cônjuge sobrevivente se realizou no regime da separação convencional de bens (arts. 1.687 e 1.688, ambos do Código Civil de 2002), mediante lavratura de escritura pública de pacto antenupcial (arts. 1.639, “caput”, e 1.640, parágrafo único, ambos do Código de 2002). Neste caso específico, não há meação entre os cônjuges, não incidindo à espécie, inclusive, a Súmula 377 do STF[1]. Cada qual, portanto, é proprietário exclusivo de seus bens, tenham sido eles adquiridos antes ou na constância da sociedade conjugal. Como forma de resguardar o cônjuge sobrevivente da falta de recursos para se manter após a morte de seu consorte, a lei civil passa a aquinhoá-lo com parte da herança dos bens do mesmo. O cônjuge sobrevivente, neste caso, recebe parte do acervo patrimonial do defunto em face do direito sucessório, e não em virtude de direito próprio (como ocorre nos casos de meação);
2-) Quando o casamento do “de cujus” com o cônjuge sobrevivente se realizou no regime da comunhão parcial de bens (art. 1.658 e seguintes do Código de 2002), desde que existam bens particulares do falecido a serem partilhados (art. 1.659 do novo Código Civil). Entretanto, não havendo bens excluídos da comunhão, não há herança a ser recebida pelo cônjuge sobrevivente, somente meação que, como visto, o sobrevivente recebe em virtude de direito próprio, e não sucessório; e,
3-) Quando o casamento do “de cujus” com o cônjuge sobrevivente se realizou no regime da participação final nos aqüestos (art. 1.672 e seguintes do Código Civil de 2002), mediante lavratura de escritura pública de pacto antenupcial (arts. 1.639, “caput”, e 1.640, parágrafo único, ambos do Código de 2002), somente com relação aos bens exclusivos do “de cujus” (art. 1.673, “caput”, do Estatuto Privado).
São estas as três únicas hipóteses de concorrência sucessória entre descendentes e cônjuge sobrevivente. Não há qualquer outra. Portanto, não há concorrência sucessória entre descendentes e cônjuge sobrevivente quando o casamento, entre este e o falecido, se deu pelos regimes da comunhão universal de bens (art. 1.667 e seguintes do novo Código Civil), separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código de 2002) ou comunhão parcial de bens (art. 1.658 e seguintes do Código de 2002), neste último caso, quando não existir bens particulares do “de cujus”.
Mas, de que forma se dá a participação do cônjuge sobrevivente na herança do falecido? Três são as hipóteses previstas na lei civil, a saber:
1-) Quando os descendentes do “de cujus” não o forem também do cônjuge sobrevivente, este recebe por cabeça, isto é, recebe quinhão igual aos dos demais herdeiros do falecido. Exemplo prático: ‘A’ é casado com ‘B’ no regime da separação convencional de bens, mediante lavratura de escritura pública de pacto antenupcial. ‘A’ e ‘B’ não têm filhos comuns entre si. ‘A’, entretanto, tem 4 (quatro) filhos advindos de uma união anterior. ‘A’ vem a falecer. Não há meação entre os cônjuges, em virtude do regime de bens adotado por eles quando de seu casamento. ‘B’ receberá 1/5 da herança e cada um dos filhos de ‘A’ também (art. 1.832, primeira parte, do Código Civil de 2002);
2-) Quando os descendentes do falecido também forem descendentes do cônjuge sobrevivente, a lei civil garante à este, no mínimo, ¼ da herança de seu consorte. Exemplo prático: ‘A’ é casado com ‘B’ no regime da separação convencional de bens, mediante lavratura de escritura pública de pacto antenupcial. Desta união advêm 4 (quatro) filhos. ‘A’ vem a falecer. Não há meação entre os cônjuges, em virtude do regime de bens adotado por eles quando de seu casamento. ‘B’ receberá ¼ da herança e cada um dos filhos em comum, 3/16 ávos da herança (3/4 dividido por 4), tudo em obediência ao art. 1.832, segunda parte, do Código de 2002. Mas, e se dá união entre ‘A’ e ‘B’ tivessem nascido apenas 2 (dois) filhos? Aí, atendendo à “ratio legis” de se resguardar o cônjuge sobrevivente de eventual infortúnio financeiro oriundo da morte de seu consorte, cada um dos herdeiros (cônjuge sobrevivente e filhos) receberia por cabeça, isto é, cada um teria direito à 1/3 da herança do falecido; e,
3-) A terceira hipótese não conta com previsão específica da lei e, portanto, exige certo esforço hermenêutico do intérprete, isto é, quando alguns dos descendentes do falecido também o são do cônjuge sobrevivente e outros não. Exemplo prático: ‘A’ é casado com ‘B’ no regime da separação convencional de bens, mediante lavratura de escritura pública de pacto antenupcial. Desta união advêm 4 (quatro) filhos. ‘A’, entretanto, tem mais 4 (quatro) filhos de uma união anterior. ‘A’ vem a falecer. Pergunta-se: como fica a divisão da herança? A lei não prevê, de forma explícita, esta hipótese. Mas, analisando-se o teor do retro citado art. 1.832 do Código Civil de 2002, obtêm-se, até com certa facilidade, a resposta para tal questionamento. Senão vejamos: o art. 1.832 do Código Civil em vigor estabelece “in verbis” que “em concorrência com os descendentes (art. 1.829, I) caberá ao cônjuge quinhão igual aos dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer” (grifamos). A lei, portanto, garante ao cônjuge sobrevivente, quando em concorrência com os descendentes em comum, um mínimo de ¼ na herança. Assim sendo, a lei já lhe garantiu uma parte certa e mínima na herança de seu consorte (¼), pouco importando que alguns dos demais herdeiros não sejam seus descendentes. Assim, em nosso exemplo hipotético, ‘B’ receberia ¼ da herança e os 8 (oito) filhos do defunto, 3/32 ávos cada um (3/4 dividido por 8)[2].
Por seu turno, no que se refere à concorrência sucessória entres ascendentes e cônjuge sobrevivente, sempre haverá a chamada concorrência sucessória entre eles, independentemente do regime de bens adotado no matrimônio. Quando isso ocorrer, basta analisar de que forma o cônjuge sobrevivente participará da sucessão de seu consorte falecido. E 3 (três) são as hipóteses legais que disciplinam a matéria, a saber:
1-) Em concorrência com ascendentes de 1.° grau do falecido (pais do falecido, portanto), o cônjuge receberá sempre 1/3 da herança. Os outros 2/3 serão divididos, em partes iguais, entre os ascendentes de 1.° grau do “de cujus” (art. 1.837, primeira parte, do Código de 2002);
2-) Em concorrência com somente 1 dos ascendentes de 1.° grau (pai ou mãe) do falecido, ao cônjuge sobrevivente tocará a metade da herança, cabendo ao ascendente sobrevivente a outra metade (art. 1.837, segunda parte, primeira figura, do Estatuto Civil); e,
3-) Em concorrência com ascendentes de grau superior ao primeiro (avós, bisavós, etc.), ao cônjuge sobrevivente tocará a metade da herança, devendo os demais herdeiros dividirem entre si, a outra metade do acervo patrimonial (art. 1.837, segunda parte, segunda figura, do Estatuto Civil).
2.2. Sucessão do companheiro
Outro tema inovador trazido à lume pelo Código de 2002, refere-se à sucessão do companheiro. Deixando de lado as questões referentes à suposta inconstitucionalidade das normas do Código Civil atual que tratam deste tema, em obediência ao princípio da presunção de legitimidade e de constitucionalidade das leis, passaremos ao estudo do dispositivo legal que trata deste novo e intrigante tema.
Prescreve a lei civil, em seu art. 1.790, “in verbis” que “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Tomando-se por base o artigo acima citado, podemos chegar às seguintes conclusões referentes ao tema ora tratado:
1-) A sucessão prevista no art. 1.790 da Lei Civil, acima citado, independe do regime de bens adotado pelos conviventes, podendo ele tanto ser o da comunhão parcial de bens, que é o regime legal, quanto qualquer outro porventura escolhido pelos companheiros com a assinatura de um contrato escrito (art. 1.725 do Código de 2002);
2-) A herança da companheira ou do companheiro defere-se somente em relação aos bens comuns dos conviventes, isto é, em relação aos bens adquiridos onerosamente pelos mesmos na vigência da união estável. Neste caso, o convivente supérstite, além de receber a meação destes bens em virtude de direito próprio e não sucessório (direito este, garantido pelo art. 3.° da Lei Federal n.° 8.971, de 29 de dezembro de 1994), receberá também parte da herança sobre os mesmos sob a forma e condições previstas nos 4 (quatro) incisos do art. 1.790;
3-) 4 (quatro) são as hipóteses de concorrência do convivente supérstite com os demais herdeiros do falecido. São elas:
a. Concorrendo com filhos comuns, terá direito a uma quota igual à que por lei for atribuída ao herdeiro filho;
b. Concorrendo com filhos somente do “de cujus”, terá direito à metade da quota que, por lei, for atribuída àqueles;
c. Concorrendo com os demais parentes sucessíveis do falecido, terá direito à 1/3 da herança; e,
d. Não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança;
4-) Em relação à última hipótese, acima citada, importante frisarmos que a totalidade da herança a que se refere o inciso IV do art. 1.790 do Código de 2002, não se restringe, como se parece em uma primeira leitura apressada e equivocada do referido artigo, somente aos bens comuns dos conviventes. Isto porque, referido artigo deve ser lido e interpretado conjuntamente com o art. 1.844 do Estatuto Civil que prescreve “in verbis” que “não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal” (grifamos). Assim sendo, a herança somente será considerada vacante se inexistir companheiro ou algum parente sucessível do defunto; a contrário senso, havendo companheiro ou parente sucessível do falecido, estes receberão “in totum” a herança do falecido, independentemente do espólio referir-se somente a bens comuns dos conviventes ou, além destes, abranger também bens exclusivos do autor da herança; e,
5-) Por fim, importante esclarecermos que os bens particulares do falecido somente serão herdados pelo convivente supérstite na hipótese acima citada, isto é, quando não existir nenhum parente sucessível do“de cujus”.
3. Conclusão
O Código Civil brasileiro de 2002 inovou, e muito, em diversos aspectos relacionados ao Direito das Sucessões. Entre as principais alterações legais, destacam-se o surgimento do instituto da concorrência sucessória, que vem resguardar o cônjuge sobrevivente de eventuais infortúnios financeiros oriundos da morte de seu consorte, e a regulamentação da chamada sucessão do companheiro.
Estes temas, ainda que complexos e um pouco desconhecidos da maior parte da comunidade jurídica, merecem especial atenção dos notários, registradores e seus prepostos, principalmente agora que foi transferido à esfera extrajudicial, com o advento da Lei Federal n.° 11.441, de 04 de janeiro de 2007, parte da competência para a lavratura de inventários e partilhas. Entender e dominar com perfeição estes temas pode vir a ser o diferencial que separa um ótimo prestador de um serviço público delegado e aquele que vive somente de modelos pré-determinados e pouco engajado com as mutações legislativas atuais.
Conhecer a nova ordem de vocação hereditária e a sucessão do companheiro é compromisso que todos os notários, registradores e seus prepostos assumiram desde a entrada em vigor da Lei Federal n.° 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Conhecer os temas acima estudados, portanto, é conhecer e fazer aplicar um direito constitucionalmente garantido, isto é, o direito à herança (art. 5.°, inciso XXX, da Constituição Federal de 1988).
[1] “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
[2] Duas outras teorias aplicam de forma diversa e antagônica o preceito contido na norma do art. 1.832 do Código de 2002. A primeira delas entende que o cônjuge sobrevivente deve receber por cabeça, em condições de igualdade com os demais herdeiros, sejam eles seus descendentes ou não. Assim, de acordo com esta teoria, em nosso exemplo hipotético, ‘B’ e os demais herdeiros do falecido receberiam, cada um, 1/9 da herança do falecido. Não nos parece correta esta teoria já que, à evidência, deixa de aplicar a parte final do retro citado art. 1.832 do Código Civil, que garante ao cônjuge sobrevivente, em situações análogas à ora estudada, um mínimo de ¼ da herança do “de cujus”. A última teoria, por sua vez, manda aplicar ao caso uma complexa formula matemática, aparentemente de difícil compreensão, o que nos parece, com todo o respeito, incorreto, já que a função do profissional do direito é aplicar o mesmo aos fatos concretos e não elaborar cálculos matemáticos inteligíveis e de difícil aplicação.