Recentemente, um notário teve contra si a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar por ter reconhecido firma num documento que exigia alvará judicial para a sua validade.
Além disso, tem-se notado o surgimento de diversas normas impondo dever de análise acurada do conteúdo documental para permitir o reconhecimento da firma pelo Tabelião de Notas. Isto precisa de um freio.
Por mais que o notário moderno esteja assumindo funções de guardião da estrita legalidade e da eficácia dos atos jurídicos, não se pode esquecer a natureza precípua do reconhecimento de firma bem como os limites da qualificação notarial para a prática do ato.
Algumas considerações são importantes acerca do que efetivamente é responsabilidade do Tabelião de Notas na prática do ato notarial de reconhecimento de firma.
Num primeiro momento, confecciona-se o cartão de autógrafos do usuário, para que fique arquivado na serventia seus padrões de assinatura. Aqui ocorre a primeira qualificação notarial que se consubstancia na análise do documento de identificação apresentado pela parte, bem como da sua capacidade natural.
Os documentos de identificação que podem ser aceitos estão em regra previstos em lei e incluem a cédula de identidade, as carteiras expedidas por órgãos controladores do exercício profissional (Art. 1º Lei 6206/75), a carteira de habilitação (Art. 159 da Lei 9503/97), a carteira de trabalho (Art. 40 CLT) e Passaporte. Ressalta-se que em alguns estados há disposição normativa expressa vedando o uso da carteira de trabalho e do passaporte para a abertura do cartão de autógrafos.
A higidez do documento apresentado deve ser analisada pelo Tabelião de Notas, podendo recusá-los quando contiver caracteres morfológicos geradores de insegurança, ou seja, quando estiverem replastificados, com foto muito antiga ou quando de qualquer forma não servirem para identificar o seu portador.
Estando hígido o documento de identificação, o notário deve proceder a analise da capacidade natural do usuário. Aqui a qualificação notarial incide somente sobre a vontade de entender e querer o reconhecimento de firma sem adentrar na manifestação de vontade constante do documento sobre o qual incidirá a assinatura reconhecida.
Não é crível exigir-se do notário uma análise detida do documento apresentado, uma vez que o ato a ser praticado é o de reconhecimento de firma, incidindo neste a qualificação e as responsabilidades.
Reconhecer significa admitir como certo, legítimo ou verdadeiro. Por seu turno, assinatura é o sinal gráfico produzido por uma pessoa para representar seu nome num documento, sendo em acepção notarial, sinônimo de firma.
Isto quer dizer que a qualificação notarial no reconhecimento de firma incide somente sobre os aspectos morfológicos da assinatura aposta no documento e não sobre o seu conteúdo.
Foge totalmente dos limites da qualificação notarial a verificação se o documento apresentado está sob a forma legal ou se contém alguma disposição ilícita.
Até mesmo porque o parágrafo único do artigo primeiro da Lei 10.169/2000 dispõe que os emolumentos são fixados em razão do efetivo custo e adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados. Assim, para estender os limites da qualificação notarial no reconhecimento de firma devem-se levar em conta os custos de tais imposições.
Imagine-se que um funcionário tenha que ler todo o conteúdo de um contrato apresentado no balcão da serventia, cuidando para saber se não há forma prescrita em lei para o negócio, se alguma das partes precisa de representação ou assistência, ou ainda se há cláusula ilícita em seu conteúdo. Isso afetaria tanto a quantidade quanto a qualidade de funcionários que passariam a atender o balcão, bem como o tempo de atendimento e as filas em razão do alongamento no atendimento.
Por outro lado, ainda que o documento apresentado estivesse mesmo viciado pelas causas acima mencionadas o reconhecimento de firma não o validaria. Isto porque, como sobredito, o reconhecimento guarda relação apenas com o aspecto formal da assinatura.
Além disso, como ficariam os documentos redigidos em língua estrangeira? Não se exige tradução para o reconhecimento de firma em tais documentos. Então o Tabelião só poderia reconhecer se soubesse o idioma, pois teria que analisar todo o conteúdo do documento. Não se mostra lógica tal ilação.
Repita-se: a qualificação notarial no reconhecimento de firma guarda relação apenas com o aspecto morfológico da assinatura, não voltando sua eficácia ao teor do ato ou negócio jurídico nele constante.
Sendo o reconhecimento de firma uma análise formal da assinatura, impõe também uma análise formal do documento apresentado, justificando-se com isso a proibição de se reconhecer a assinatura em documentos sem data, incompletos ou que contenham demasiados espaços em branco. Isto para assegurar o mínimo de segurança ao próprio reconhecimento de firma e também em homenagem ao princípio da boa fé.
Portanto, deve-se limitar a qualificação notarial no ato de reconhecimento de firma, voltando-se apenas a aspectos morfológicos das assinaturas sem exigir do Tabelião de Notas o exame acurado do conteúdo do documento, sob pena de atribuir responsabilidades dissonantes à natureza do ato praticado.