Notícias

24/09/2014

Artigo: Inventário Extrajudicial com menores – Esta e outras experiências do notariado marroquino - Milton Fernando Lamanauskas

INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL COM MENORES – ESTA E OUTRAS EXPERIÊNCIAS DO NOTARIADO MARROQUINO

No mês de agosto tive a oportunidade de acompanhar as duas visitas do Presidente da Ordem dos Notários de Marrocos, Sr. Touhami El Ouzzanni, a São Paulo e à sede do Colégio Notarial do Brasil-Seção São Paulo e a sua recepção pelo Presidente do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil, Dr. Ubiratan Pereira Guimarães e pelo Presidente do Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo, Dr, Carlos Fernando Brasil Chaves. Novamente uma experiência para enriquecer nosso conhecimento.

O Marrocos é considerado uma monarquia constitucional, com parlamento eleito democraticamente, mas cujo chefe de governo é o rei. Observa-se a existência dos três poderes tradicionais, sendo o notariado controlado e fiscalizado pelo Ministério da Justiça e Ministério das Finanças, logo atrelado não só ao Judiciário, como ao Executivo.

O Notariado Marroquino é do tipo latino, portanto, guarda semelhanças em seus princípios com o notariado brasileiro. Ao mesmo tempo, possui inúmeras peculiaridades, que o diferenciam do nosso notariado. De acordo com a classificação de Leonardo Brandelli, o notariado pode apresentar um número fixo de notários ou número livre. O notariado marroquino, assim como o brasileiro, é de número fixo. Não obstante, Marrocos, com sua população de pouco mais de 33 milhões de habitantes, possui 1150 notários. Em Casablanca, região metropolitana de pouco mais de 4 milhões de habitantes, são 250 notários.

A expansão do notariado marroquino e a afirmação de sua importância se deram com a lei que criou a Ordem dos Notários e proporcionou significativas alterações na profissão, que se espelha em muito no notariado francês, em especial na formação profissional e no acesso à carreira. Porém, o sistema notarial e de registro marroquino guarda algumas outras semelhanças com o nosso sistema, talvez mais do que propriamente com o francês. Isso decorre da existência de registros imobiliários no Marrocos, o que não ocorre no sistema francês, no qual se prevê a transferência de direitos no campo obrigacional, sem a constituição de direitos reais por meio de registro.

Diversas práticas e experiências foram trocadas com o Presidente da Ordem dos Notários do Marrocos, que em muito se interessou pelas tecnologias existentes no Brasil para o tratamento de informações e banco de dados de atos notariais, em especial a CENSEC, que congrega diversos módulos de Centrais de Informação, a qual o Presidente da Ordem marroquina teve oportunidade de conhecer, em apresentação realizada no CNB-SP.

Entre as diversas peculiaridades da atividade notarial marroquina, interessante citar o recebimento dos valores das transações de compra e venda imobiliária pelo Tabelião. Se, por um lado, cria um fluxo monetário quiçá problemático (considerando a realidade brasileira da insegurança física), por outro se destaca a confiança que é depositada no notário, sendo ele responsável pela entrega do preço do negócio ao vendedor, quando verificado pelo notário da legalidade do negócio jurídico por si instrumentalizado. A prática reduz, inclusive, a sonegação de valores declarados e de impostos recolhidos, o que de certa forma, parece ser uma vantagem superior aos incômodos que pode causar.

Outra boa prática exigida pela normatização marroquina é que o notário deve levar a escritura a registro peremptoriamente, sendo responsabilizado por sua negligência. Em que pese os registros serem estatizados, o sistema notarial e registral, à nossa semelhança, garante ao comprador a transferência da propriedade, evitando que a escritura seja engavetada, gerando maior segurança jurídica, na justa medida em que o vendedor terá reduzidas chances de efetuar venda a mais de um comprador.

Mas, entre os atos notariais praticados no Marrrocos que mais despertaram atenção, encontra-se a possibilidade de realização de inventário extrajudicial na existência de herdeiros menores. O sistema, conforme relatado, pareceu relativamente simples e eficiente. É necessário uma simples autorização judicial, obtida por petição ao juízo competente. Lavra-se a escritura mencionando-se tal autorização, efetua-se a partilha e a escritura é submetida à homologação, oportunidade na qual será verificada pelo Parquet a preservação dos interesses dos menores.

Em que pese a participação do Judiciário e do Ministério Público no procedimento, a lavratura de escritura pública economiza uma grande parte do procedimento processual que tramitaria no judiciário, trazendo todas as benesses que a desjudicialização pode proporcionar, dentre as quais a celeridade e o desafogamento do judiciário se destacam. Ao indagar quanto aos riscos aos herdeiros menores, ao Presidente marroquino, este devolveu: Que riscos? Ora, a partilha de bens é determinada em lei e a homologação a posteriori evita eventuais erros na partilha ou prejuízos aos menores.

De fato, a partilha de bens seguindo a determinação legal prescrita na legislação civil não há de gerar outro resultado, independente de quem atua no seu processamento. Ora, o Tabelião é observador da legalidade dos atos e conhecedor do Direito a ser aplicado, em especial das normas civilistas incidentes, de forma que nada difere a partilha de bens na presença de menores ou não.

Considerando a hipótese na qual os herdeiros partilhem os bens de forma que cada qual receba uma fração ideal de cada bem do espólio, seguindo-se, portanto, a previsão legal, não há de se cogitar de prejuízo a qualquer herdeiro, seja menor ou não. Porém, os herdeiros podem decidir por atribuir diferentes bens em suas totalidades a diferentes herdeiros ou ainda partilhando-se usufruto e nua-propriedade, mantendo-se a equivalência dos valores partilhados, o que não foge da prescrição legal, de qualquer forma. Neste caso, poderá haver eventual indagação sobre prejuízo ao menor, na hipótese em que a este for atribuído um bem de qualidade inferior, ou que seu valor não reflita a realidade, mesmo quando preservada a equidade dos valores partilhados. Para tanto, serve a homologação posterior, no qual seria feita a mesma análise que o Parquet faz no procedimento judicial, em defesa dos interesses dos menores.

Naturalmente, os atos de disposição e alienação implicariam necessidade de autorização judicial, tendo a cessão de direitos hereditários como exemplo. Certo que não havendo atos de alienação, não se presencia conflito de interesses. Do contrário, necessário representação ou assistência por tutor ou curador. A mesma dificuldade pode ocorrer nos casos em que apenas existam herdeiros menores, sem herdeiros capazes ou viúvo meeiro, que pudesse exercer o múnus de inventariante. Caso em que a nomeação de curador se imporia neste caso, o que requereria minimamente outra intervenção judicial, mas ainda assim não afastaria a possibilidade de inventário por escritura pública, uma vez suprida essa necessidade.

Não obstante, o procedimento de apreciação prévia das questões relativas a filhos menores não é novidade na atividade notarial. Observem-se as normas de serviço paulistas, aplicáveis à separação e divórcio, que prescrevem: “Se comprovada a resolução prévia e judicial de todas as questões referentes aos filhos menores (guarda, visitas e alimentos), o tabelião de notas poderá lavrar escrituras públicas de separação e divórcio consensuais.” (Item 86.1., Cap XIV, Tomo II, NSCGJSP).

Veja-se que a intervenção judicial autorizativa não é motivo impeditivo para a escritura pública. Recente decisão da 2ª. Vara de Registros Públicos da Capital do Estado de São Paulo (Processo 0032934-17.2014.8.26.0100) traz a possibilidade da lavratura de inventário extrajudicial na existência de testamento diante de autorização judicial.

Assim, salvo melhor juízo – e deixo aqui também para debate e sugestões sobre esta possibilidade e eventuais obstáculos adicionais a serem pontuados – o inventário extrajudicial com a presença de herdeiros menores  -que no Marrocos é tratado como algo bastante simples e eficaz - pode aqui também ser plausível e vantajoso em diversos sentidos, sendo a solução da homologação judicial ou ministerial a posteriori da escritura pública,  condição para a eficácia da partilha, o que reduziria enormemente todo o procedimento de inventário a carregar a estrutura do Judiciário nacional, estando os notários brasileiros mais do que aptos a realizar tal procedimento, quando regulamentada a questão.


•  Veja outras notícias