Rafael Antonietti Matthes
Sendo o fluxo de informações a finalidade do CAR, os dados devem intercambiar entre o Cadastro e o registro de imóveis, cuja vitalidade na garantia à segurança jurídica dos atos permanece inatacável no ordenamento jurídico.
Uma das principais novidades introduzidas pela lei 12.651/12 foi a criação do Cadastro Ambiental Rural que, na prática, superou a obrigatoriedade da averbação da área de Reserva Legal originária na matrícula do imóvel. Contudo, apesar de conferir celeridade, o que se percebe é que a proteção do meio ambiente perdeu um grande aliado: o registro público. Nesse sentido, importante verificar qual o espírito do novo diploma legal e quais possíveis interpretações poderão ser adotadas pelos tribunais pátrios quanto à relação meio ambiente, CAR e registro público.
Antes de vigorar os ditames da lei 12.651/12, o patrimônio florestal brasileiro era regulamentado por meio da lei 4.771/65. Conforme preceituava o parágrafo 8º do artigo 16 da revogada norma, o proprietário ou possuidor de área rural era obrigado a averbar na matrícula de seu imóvel, a área de Reserva Legal que conservava no interior de sua propriedade.
Seguindo a linha pactuada pelo Superior Tribunal de Justiça1, que consagrou a natureza meramente declaratória da averbação, o atual Código Florestal superou a redação da lei revogada e criou um novo mecanismo para que os proprietários ou possuidores rurais pudessem declarar sua área de Reserva Legal: o denominado Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Tal mecanismo prima pela celeridade e modernidade, permitindo que, atualmente, os proprietários ou possuidores rurais declarem suas área verdes e que as informações sejam automaticamente disponibilizadas para todo o território nacional, por meio de uma plataforma online.
Contudo, as averbações registrais tinham a função precípua de conferir publicidade e veracidade às informações ambientais, agregando segurança jurídica aos registros imobiliários e ampliando a proteção dos espaços legal e especialmente protegidos, permitindo, com isso, o controle e a transparência dos negócios imobiliários.
Nesse sentido, em que pese ter caminhado bem o novo diploma normativo no aspecto celeridade e modernidade, seu artigo 18º, §4º, que desobrigou a averbação da área de Reserva Legal originária junto ao Cartório de Registro de Imóveis, relegou ao ostracismo um importante aliado ao meio ambiente.
É evidente que por uma leitura literal do texto da lei tal conclusão salta aos olhos. Todavia, será que esta era mesmo a mens legis do Congresso Nacional ao publicar a lei 12.651/12? Parece que não!
De acordo com o Novo Código Florestal, o Cadastro Ambiental Rural conceitua-se como um "registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento2".
Pela leitura deste artigo, percebe-se que a finalidade do CAR é integrar informações ambientais sobre a propriedade. Tal viés, inclusive, é respaldado pelo artigo 9º, VII da lei 6.938/81, que indica como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, o chamado sistema nacional de informações sobre o meio ambiente.
Sendo o fluxo de informações a finalidade do CAR, é certo que os dados devem intercambiar entre o Cadastro e o registro de imóveis, cuja vitalidade na garantia à segurança jurídica dos atos permanece inatacável no ordenamento jurídico. Tal intercâmbio, portanto, permite a integração do sistema registral com os demais instrumentos de tutela ambiental.
Ora, mas de que forma o proprietário ou possuidor de um imóvel rural inscrito no CAR poderá cumprir com aquela finalidade, se a própria Lei o desobrigou a averbar a área de Reserva Legal originária na sua matrícula? A resposta é simples: encaminhe o recibo de inscrição no CAR para ao Cartório de Registro de Imóveis e requeira a averbação das informações ali prestadas.
De acordo com o artigo 12 da Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente 02/14, que regulamentou o CAR em âmbito nacional, as informações a serem disponibilizadas no Cadastro são as seguintes: a) número de registro do imóvel no CAR; b) Município; c) Estado; d) área do imóvel; e) área de remanescente de vegetação nativa; f) área de Reserva Legal; g) Áreas de Preservação Permanente; h) áreas de uso consolidado; i) Áreas de uso restrito; j) áreas de servidão administrativa; l) áreas de compensação e m) situação do imóvel rural no CAR
Todas estas informações devem ser averbadas na matrícula do imóvel, garantindo-se, com isso, segurança jurídica às declarações prestadas pelos proprietários ou possuidores, bem como, integração das informações entre todas as esferas de proteção ambiental.
Nesta linha, caminhou a interpretação da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal Paulista, por meio do seu Provimento 36/2013, "in verbis", "a obrigatoriedade da averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, a ser realizada mediante provocação de qualquer pessoa, fica condicionada ao decurso do prazo estabelecido no § 3.º do artigo 29 da lei 12.651, de 25 de maio de 2012 (ou seja, 1 ano)".
Em que pese não se tratar de lei em sentido estrito, importante recordar que no período em que o CAR federal não estava operante (antes da publicação da Instrução Normativa MMA 02/14), o Tribunal de Justiça de São Paulo, por reiterada vezes, baseou suas decisões nos pareceres e provimentos da Corregedoria de Justiça3, especialmente, para obrigar a averbação dos 20% da Reserva Legal, naquele momento.
Quanto aos valores da averbação, de acordo com o item 2.5.1 do Provimento, "a averbação será feita de ofício pelo Oficial do Registro de Imóveis, sem cobrança de emolumentos, quando do primeiro registro e por meio do Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), assim que implantados os mecanismos de fluxo de informações entre a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), definidos no Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebraram".
Sendo assim, é possível concluir que os proprietários e possuidores rurais, além da obrigação de inscrever suas propriedades no Cadastro Ambiental Rural, devem encaminhar o recibo de inscrição ao Cartório de Registro de Imóveis, para este averbe, sem a cobrança emolumentos, as informações ali descritas na matrícula do imóvel.
Quanto aos efeitos jurídicos, por estarem cumpridas todas as disposições constantes no Novo Código Florestal e nas demais normas regulamentadoras, ao receber a matrícula do imóvel com as informações do CAR averbadas, restará demonstrada a regularidade ambiental da propriedade, permitindo, inclusive, seja uma Ação Civil Pública julgada extinta por perda superveniente do objeto.
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1Nesse sentido os seguintes precedentes: 1) STJ - REsp 1027051, Rel. Humberto Martins, julgado em 17/05/2011 e 2) STJ - REsp 1060886, Rel. Luiz Fux, julgado em 01/12/2009.
2Art. 29 da lei 12.651/12.
3Nesse sentido: 1) TJSP - Apelação 0000929-68.2011.8.26.0189 - Rel. Paulo Alcides. Julgado em 18/04/2013); 2) TJSP – Apelação 0000937-37.2010.8.26.0397 - Rel. Vera Angrisani – Julgado em 10/04/2014.
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* Rafael Antonietti Matthes é advogado do escritório Furlanetto Bertogna - Sociedade de Advogados. Mestre bolsista CAPES em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito Tributário pela Rede de Ensino LFG e em Direito Internacional pela PUC/SP.