Falta de registros formais atinge mais de 50% dos imóveis locais e aflige os proprietários.
Moradores de Paracatu (Noroeste de Minas) cobraram a regularização fundiária de seus imóveis durante audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada na cidade na tarde desta sexta-feira (11/4/14). Os participantes da reunião reivindicaram a elaboração de um projeto-piloto para solucionar os problemas dos imóveis irregulares, que somam mais de 50% das propriedades no município.
Moradores e autoridades se mostraram aflitos com a situação dos registros de imóveis em Paracatu. Ao longo dos anos, diversas propriedades foram loteadas de forma irregular, sem a concessão do registro de propriedade aos compradores. Isso porque muitos desses terrenos, embora divididos e vendidos pelos proprietários originais, tiveram as vendas consolidadas apenas por meio de contratos de compra e venda. Ou seja, o proprietário-vendedor não retirou a propriedade de seu nome nem repassou cada lote para o nome dos compradores. Com isso, ao tentar regularizar o lote comprado, os novos proprietários esbarram no registro do imóvel em nome da pessoa que vendeu o lote originalmente. Essa situação persiste há anos e continua a se repetir.
Além dessa irregularidade, ainda foram relatados problemas decorrentes da entrega de títulos de terras consideradas devolutas (improdutivas e aptas à reforma agrária) sem verificar se, de fato, tais áreas pertenciam ao poder público. Algumas dessas terras já estariam registradas em nome de particulares, o que inviabilizaria a validade do título de posse concedido nesses processos.
Essa realidade, de imóveis cujo título de propriedade permanece irregular, impede, por exemplo, a contratação de empréstimos para melhorias da propriedade ou a sua comercialização, uma vez que não há como formalizar o registro legal em nome do atual dono. As perdas em arrecadação para o município também são outro problema decorrente dessa situação.
Comunidade se mobiliza pela regularização
Para resolver esse problema, que exige ações em todos os âmbitos de governo, os moradores de Paracatu iniciaram um amplo movimento na cidade e esperam o envolvimento de todas as esferas de poder. “O próprio cidadão com interesse de ver seu terreno regularizado tem custeado os levantamentos técnicos necessários para a legalização. Em 2013, fizemos o projeto "Cidade Legal é Cidade Regularizada", visando a garantir soluções ágeis para essa falha histórica”, afirmou o presidente das Central das Associações Comunitárias de Paracatu, Mauro Mundim da Costa.
“Lamentavelmente várias administrações, visando a sanar o problema da moradia, limitam-se a desapropriar, lotear e abrir ruas sem emitir títulos de posse dessas áreas. Isso tem se repetido e agravado a situação", explicou o promotor Paulo Campos Chaves. "Falta também fiscalização para coibir loteamentos ilegais, pois há proprietários que apenas iniciam o processo de regularização, mas quando vendem os lotes não o concluem. O município precisa fiscalizar os loteamentos autorizados. Mas é essencial uma ação conjunta, envolvendo também o Estado, a União, a sociedade, órgãos públicos, Poderes Judiciário e Legislativo e o cartório de registro de imóveis - é um trabalho árduo e caro, porém necessário”, finalizou.
As palavras do promotor foram endossadas pela oficial do cartório de registro de imóveis da comarca, Inah Álvares. Ela também defendeu a criação de um projeto-piloto para concretizar a regularização de pelo menos um grupo de imóveis, para com isso garantir o início concreto desse processo.
Prefeitura quer agilizar processos
Segundo o secretário municipal de Assuntos Jurídicos, Rosângelo Pereira da Silva, a prefeitura está disposta a agilizar esse processo. “Em outubro de 2013, nomeamos uma Comissão para o Desenvolvimento do Plano de Regularização Fundiária, que trabalha com empenho. Já há a destinação de cerca de R$ 400 mil para regularização urbana em Paracatu. Com essa verba, acreditamos na possibilidade de regularizar mil propriedades, priorizando os seis bairros de ocupação de interesse social”, informou.
A demora nos processos judiciais, em razão das minúcias que envolvem cada caso, é outro agravante desse problema, de acordo com o juiz diretor do foro local, Antônio Fortes de Pádua Neto. “O processo judicial de regularização é por unidade de imóvel, pois não há como regularizar dois lotes num mesmo processo. Hoje um terço da distribuição dos processos em Paracatu é de usucapião. Com certeza o melhor caminho para uma solução mais ágil é a via extrajudicial, que precisa ser iniciada pelo Poder Executivo”, ponderou.
Representando a esfera federal de governo, Francisco Filomeno Abreu, do Ministério das Cidades, e Rosário Deon César Mota, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ressaltaram as bases legais, em âmbito federal, que facilitam a regularização fundiária, sobretudo em propriedades de interesse social.
O representante do Incra lamentou a desarticulação do Instituto de Terras (Iter-MG), ressaltando a importância de o Estado reestruturar os órgãos responsáveis por esse tipo de política pública. Ele também questionou a destinação de verbas estaduais para a área. “Não é só o título de propriedade, é a dignidade das pessoas que está em pauta. Espero que o Estado se empenhe para a efetiva regularização fundiária em Paracatu”, concluiu.
Mota também lamentou a necessidade de o cidadão ter de recorrer ao instituto do usucapião (ação judicial que visa ao reconhecimento legal de um direito real de propriedade), em virtude do tempo demandado e da sobrecarga que isso representa para o Poder Judiciário.
Deputado faz avaliação positiva da audiência
O autor do requerimento para a realização da audiência, deputado Almir Paraca (PT), fez um balanço do movimento pela regularização fundiária em Paracatu, relembrando outras audiências organizadas pela ALMG, na cidade e também em Belo Horizonte. Para o parlamentar, a reunião foi positiva, uma vez que contou com ampla participação de autoridades, além de apontar caminhos mais concretos. Ele lamentou, porém, a ausência de representante do Governo do Estado.
O parlamentar lamentou as dificuldades para a regularização fundiária, lembrando que este é um problema antigo, que vem desde a colonização do País. “É preciso trabalhar por um convênio entre Estado e município para agilizar os processos. Está claro que a organização social incentiva a formalização dos processos: este é um esforço de cidadania que pode resultar, de fato, na efetiva titulação das propriedades irregulares”, avaliou.