APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL - OFICIAL DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL - RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO JUDICIÁRIA - CONSTITUCIONALIDADE DO TRIBUTO, DECORRENTE DO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA DO ESTADO - PRECEDENTES DO STF - PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELA AUTORIDADE FISCAL - PREVALÊNCIA, EM FACE DA INEXISTÊNCIA DE PROVA ROBUSTA APTA A DESCONSTITUIR O DOCUMENTO - MULTA - PERCENTUAL - PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO
- O recolhimento da TFJ compete ao oficial da serventia extrajudicial, nos termos expressos em lei, não se admitindo a oposição, ao Fisco, de documento de delegação de atribuições conferido pelo notário a um de seus subordinados.
- O lançamento do selo de fiscalização nos documentos emitidos e conferidos pelo cartório extrajudicial indica que fora submetido a procedimento de averiguação da legitimidade pelo órgão ao qual fora atribuído o poder de polícia, justificando, pois, a cobrança da taxa. Precedentes do STF.
- Deve ser rejeitada a alegação de correto preenchimento das DAEs com recolhimento das taxas, porquanto despida de respaldo técnico-probatório.
- Afigura-se legítima a cobrança da multa de revalidação no patamar de 50% da operação, pois lastreada em lei estadual, e também diante da inexistência de quaisquer elementos a corroborar o alegado efeito confiscatório da penalidade.
Recurso não provido.
Apelação Cível nº 1.0433.09.275931-8/001 - Comarca de Montes Claros - Apelante: Fábio Dias Durães - Apelado: Estado de Minas Gerais - Relatora: Des.ª Áurea Brasil
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 3 de fevereiro de 2014. - Áurea Brasil - Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª ÁUREA BRASIL - Cuida-se de apelação cível interposta por Fábio Dias Durães em face da sentença de f. 239/249, proferida pela MM. Juíza de Direito Rozana Silqueira Paixão, da 1ª Vara Empresarial e da Fazenda Pública da Comarca de Montes Claros, que, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária ajuizada contra o Estado de Minas Gerais, julgou improcedente o pedido, reconhecendo a legitimidade dos lançamentos das taxas de fiscalização judiciária em face do autor, na qualidade de tabelião em exercício do Cartório do 2º Ofício de Notas da cidade de Montes Claros.
Em razões de f. 254/286, o recorrente alega que: a) fora autuado pelo Fisco sob a alegação de falta de recolhimento a menor referente a procurações, autenticações, reconhecimento de firmas e confecções de cartões de assinaturas sobre a Taxa de Fiscalização Judiciária (TFJ) nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, escrituras públicas no período de 2007, bem como utilização de DAEs rasuradas; b) na data de 02.03.2004, a Sr.ª Selma Cristina Pereira Lopes foi autorizada a praticar, simultaneamente com o titular do cartório, todos os atos próprios da serventia; c) após apuração de diversos desvios de conduta, esta funcionária foi afastada das atividades; d) não foram localizados alguns comprovantes de pagamento, o que motivou o reconhecimento espontâneo, pelo apelante, da legitimidade de parte dos valores reivindicados pelo Estado, demonstrando, dessarte, sua conduta ilibada e boa-fé; e) a responsabilidade pela falha no recolhimento do tributo deve ser atribuída à pessoa que praticar o ato notarial ou de registro, nos termos do art. 5º da Lei 15.424/04 e Portaria Conjunta TJMG/CGJ/SEF-MG nº 002, de 11 de março de 2005; f) a escritura pública declaratória lavrada em 15.06.2006, e que tem como outorgante a tabeliã substituta Selma Cristina Lopes, é clara ao responsabilizá-la pela confecção de documentos públicos, recebimento de valores, pagamento de taxas, dentre outros; g) a transferência de responsabilidade para o recorrente se justificaria caso demonstrada a impossibilidade de se receber o crédito da responsável primária - Selma Cristina Lopes; h) a taxa de fiscalização judiciária é inconstitucional, tendo em vista a imunidade recíproca concedida a toda Administração Pública; i) é, ainda, inconstitucional o tributo, porque não há exercício regular de poder de polícia pelo Judiciário, e, também, porque não envolve atividade estatal específica; j) não há autorização constitucional para a criação de taxa por qualquer ato de fiscalização, senão que relativamente àqueles que constituem poder de polícia (sic); k) as alíquotas de 12% a 77% (sic) incidentes sobre o valor dos emolumentos configuram confisco; l) procedeu ao recolhimento das taxas na forma como dispõe a Portaria Conjunta nº 002/05; m) se uma única escritura contempla mais de uma cessão de direitos, o número destas, e consequentemente dos cedentes, é irrelevante para o cálculo da exação, devendo a taxa ser calculada pelo montante global dos direitos cedidos; n) a desconsideração, pelo Fisco, das DAEs rasuradas importa em bitributação; o) os valores já repassados ao Estado devem ser decotados da quantia lançada como devida; p) impõe-se, ainda, considerar os valores recolhidos a maior pelo apelante; q) é provável que tenha ocorrido erro material concernente a defeito do carbono, [...] eventuais problemas com a máquina de escrever (sic), ou mesmo um equívoco praticado por algum funcionário; r) a multa aplicada supera o valor do próprio tributo; s) multas são impostas a titulo de compensação como forma de ressarcir o Erário Público pelo dano eventualmente causado (sic).
Contrarrazões às f. 290/311.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O apelante, em extensa peça recursal, insurge-se contra a sentença de primeiro grau, limitando-se, todavia, a repetir os mesmos argumentos consignados em sua petição de ingresso, os quais podem ser resumidos, basicamente, nas seguintes teses: 1) ilegitimidade para responder pelo não repasse das taxas de fiscalização judiciária, porquanto delegado o serviço notarial a terceira pessoa; 2) ausência de má-fé do recorrente, por ter reconhecido espontaneamente a legitimidade de parte dos valores reivindicados pelo Fisco, efetuando o seu devido repasse; 3) inconstitucionalidade da taxa de fiscalização judiciária, tendo em vista a imunidade recíproca, bem assim, a ausência de efetivo exercício do poder de polícia, e também por não envolver atividade estatal específica; 4) abusividade das alíquotas; 5) recolhimento do tributo nos termos da norma regulamentadora, havendo, inclusive, arrecadação em valor superior ao devido; e, por fim, 6) natureza confiscatória da multa aplicada.
Da legitimidade para responder pela infração administrativa
A responsabilidade dos notários e oficiais de registro pelos atos praticados no exercício da serventia que lhes fora delegada se encontra prevista no art. 22 da Lei Federal nº 8.935/94, que dispõe:
¡°Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.
A lei é clara ao estabelecer que o titular do cartório responda pelos atos por ele praticados diretamente e, também, por aqueles praticados por seus prepostos, ressalvado o direito de regresso.
In casu, o documento de f. 42 revela que Fábio Dias Durães fora nomeado pelo Juiz Diretor do Foro da Comarca de Montes Claros para o exercício do cargo de Oficial do Tabelionato do 2º Ofício de Notas daquela localidade, em 03.03.2004.
Ao final de 2007, após auditoria fiscal, restaram apuradas infrações consistentes na ausência de recolhimento e recolhimento a menor da taxa de fiscalização judiciária - TFJ relativa a inúmeros atos praticados por aquela serventia nos exercícios de 2005 a 2007 (vide docs. f. 51/61).
A taxa de fiscalização é um tributo pago pela pessoa física ou jurídica usuária dos serviços notariais e de registro, tendo como fato gerador o exercício do poder de polícia atribuído ao Judiciário. Cada documento expedido pelo cartório extrajudicial conterá um selo de fiscalização, que auxiliará o órgão responsável no controle da autenticidade de tudo o que for emitido ou submetido ao crivo dessa serventia notarial.
O lançamento desse selo indica, portanto, que o documento já se submetera a procedimento de averiguação de legitimidade, daí a cobrança da taxa, cuja obrigação de recolhimento recai sobre o titular do cartório, nos termos expressos na Lei nº 15.424/04, que disciplina a atividade neste Estado de Minas Gerais, verbis:
¡°Art. 3º A Taxa de Fiscalização Judiciária tem como fato gerador o exercício do poder de polícia atribuído ao Poder Judiciário pela Constituição da República, em seu art. 236, § 1º, e legalmente exercido pela Corregedoria-Geral de Justiça e pelo Juiz de Direito Diretor do Foro.
Art. 4º É contribuinte dos emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária a pessoa natural ou jurídica usuária dos serviços notariais e de registro.
Art. 5º É responsável pelo recolhimento da Taxa de Fiscalização Judiciária, nos termos do inciso II do parágrafo único do art. 121 da Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que contém o Código Tributário Nacional, o Tabelião de Notas, o Tabelião de Protesto de Títulos, o Oficial de Registro de Imóveis, o Oficial de Registro de Títulos e Documentos, o Oficial de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais ou o Oficial de Registro de Distribuição que praticar ato notarial ou de registro.
Desse modo, tratando o recolhimento da taxa de fiscalização judiciária de atribuição expressamente designada aos tabeliães e oficiais de registro, correta a lavratura dos autos de infração em face do ora apelante, por ser ele o titular da serventia vistoriada, afigurando-se, outrossim, irrelevante para o Fisco o termo de designação conferido à serventuária Selma Cristina Pereira (doc. f. 44), o qual, ressalta-se, autoriza a prática simultânea dos atos, não excluindo, desse modo, a conduta do seu delegatário.
Saliento, ademais, que a alegação do recorrente no sentido de ter reconhecido, posteriormente à lavratura do auto, a existência de parte do débito, porquanto não localizados diversos comprovantes de pagamento, não inibe a caracterização da infração, podendo, eventualmente repercutir na mensuração da multa aplicada.
Configurada, pois, a legitimidade do notário para responder pela falha apontada, passo ao exame do restante das argumentações colacionadas.
Da constitucionalidade da taxa de fiscalização judiciária
Consoante acima destacado, a TFJ tem como fato gerador o exercício do poder de polícia sobre as atividades notariais, atribuído ao Poder Judiciário.
Sua constitucionalidade veio a ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades, dentre as quais, destaco:
¡°Constitucional. Lei estadual que destina 3% dos emolumentos percebidos pelos serviços notariais e registrais ao fundo para instalação, desenvolvimento e aperfeiçoamento das atividades dos juizados cíveis e criminais. - Os emolumentos têm natureza tributária e caracterizam-se como taxas remuneratórias de serviços públicos (não incidência do art. 167, inciso IV, da CF). A cobrança de parcela do valor total desses emolumentos para a formação de fundo de desenvolvimento da Justiça local é cabível, uma vez que o Poder Judiciário tem competência constitucional de fiscalizar os atos praticados pelos notários, oficiais de registro e prepostos. Pedido de liminar indeferido. (ADI 2129 MC, Relator: Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 10.05.2000, DJ de 11.03.2005, p. 00006, Ement v.02183-01, p. 00145.)
¡°Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 8.033/2003, do Estado do Mato Grosso, que instituiu o selo de controle dos atos dos serviços notariais e de registro, para implantação do sistema de controle das atividades dos notários e dos registradores, bem como para obtenção de maior segurança jurídica quanto à autenticidade dos respectivos atos. I - Iniciativa: embora não privativamente, compete ao Tribunal de Justiça deflagrar o processo de elaboração de leis que disponham sobre a instituição do selo de controle administrativo dos atos dos serviços notariais e de registro (alínea d do inciso II do art. 96 c/c § 1º do art. 236 da Carta Federal). II - Regime jurídico dos serviços notariais e de registro: a) trata-se de atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Traspassada, não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos; b) a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais; c) a sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público; d) para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público; e) são atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações inter-partes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito; f) as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal. III - Taxa em razão do poder de polícia: a Lei mato-grossense nº 8.033/2003 instituiu taxa em razão do exercício do poder de polícia. Poder que assiste aos órgãos diretivos do Judiciário, notadamente no plano da vigilância, orientação e correição da atividade em causa, a teor do § 1º do art. 236 da Carta-cidadã. É constitucional a destinação do produto da arrecadação da taxa de fiscalização da atividade notarial e de registro a órgão público e ao próprio Poder Judiciário. Inexistência de desrespeito ao inciso IV do art. 150; aos incisos I, II e III do art. 155; ao inciso III do art. 156 e ao inciso III do art. 153, todos da Constituição Republicana de 1988. IV - Percepção integral dos emolumentos: a tese de que o art. 28 da Lei Federal nº 8.935/94 (Lei dos Cartórios) confere aos notários e registradores o direito subjetivo de receberem integralmente os emolumentos fixados em lei jaz circunscrita às fronteiras do cotejo entre normas subconstitucionais. Assim, por se constituir em confronto que só é direto no plano infraconstitucional mesmo, insuscetível se torna para autorizar o manejo de um tipo de ação de controle de constitucionalidade que não admite intercalação normativa entre o diploma impugnado e a Constituição República. V - Competência legislativa e registros públicos: o § 1º do art. 2º do diploma legislativo em estudo cria um requisito de validade dos atos de criação, preservação, modificação e extinção de direito e obrigações. Imiscuindo-se, ipso facto, na competência legislativa que a Carta Federal outorgou à União (CF, inciso XXV, art. 22). Ação julgada parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade, tão somente, do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.033/03, do Estado do Mato Grosso. (ADI 3151, Relator: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08.06.2005, DJ de 28.04.2006, p. 00004, EMENT v. 02230-01, p. 00119.)
¡°Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso III do art. 4º da Lei nº 4.664, de 14 de dezembro de 2005, do Estado do Rio de Janeiro. Taxa instituída sobre as atividades notariais e de registro. Produto da arrecadação destinado ao fundo especial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. - É constitucional a destinação do produto da arrecadação da taxa de polícia sobre as atividades notariais e de registro, ora para tonificar a musculatura econômica desse ou daquele órgão do Poder Judiciário, ora para aportar recursos financeiros para a jurisdição em si mesma. O inciso IV do art. 167 da Constituição passa ao largo do instituto da taxa, recaindo, isto sim, sobre qualquer modalidade de imposto. O dispositivo legal impugnado não invade a competência da União para editar normais gerais sobre a fixação de emolumentos. Isso porque esse tipo de competência legiferante é para dispor sobre relações jurídicas entre o delegatário da serventia e o público usuário dos serviços cartorários. Relação que antecede, logicamente, a que se dá no âmbito tributário da taxa de polícia, tendo por base de cálculo os emolumentos já legalmente disciplinados e administrativamente arrecadados. Ação direta improcedente. (ADI 3643, Relator: Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 08.11.2006, DJ de 16.02.2007, p. 00019, Ement v. 02264-01, p. 00134, RTJ v. 00202-01, p. 00108, RDDT nº 140, 2007, p. 240.)
O caso em exame não se distancia das hipóteses supracitadas, sendo certo que a simples emissão do selo de fiscalização já configura o exercício do poder de polícia estatal sobre as atividades notariais, justificando, pois, a exação.
Quanto às alegações de imunidade recíproca e exorbitâncias das alíquotas, afiguram-se, data venia, despidas de qualquer fundamento jurídico plausível.
A imunidade consiste na inexistência da obrigação de contribuir, tratando-se, portanto, de uma argumentação válida para o contribuinte, e não para o mero agente responsável pelo recolhimento do tributo, in casu, o notário.
Também sem respaldo o questionamento do percentual fixado para a TFJ, porquanto despido de qualquer embasamento técnico, permanecendo, por isso, no campo da retórica.
Afastada a tese de inconstitucionalidade da taxa, passo ao enfrentamento dos últimos tópicos relativos à regularidade do recolhimento do tributo e, por fim, à legalidade do percentual de multa aplicado.
Do recolhimento da TFJ pelo apelante.
O recorrente afirma que procedeu corretamente ao recolhimento das taxas, ressaltando que, nas escrituras relativas a somente um único imóvel, ainda que dele decorressem várias cessões de direito, considerava-se apenas um único ato praticado, para fins de recolhimento do tributo.
Ora, patente o erro de interpretação do recorrente, tendo em vista a expressa determinação constante nas notas II e III da tabela I do anexo da Lei Estadual nº 15.424/04, verbis:
¡°Nota II - Havendo, na escritura, mais de um contrato ou estipulação que, por sua autonomia, possa ser objeto de outra escritura, os valores serão cobrados separadamente.
Nota III - Sendo objeto da escritura mais de uma unidade imobiliária, será considerado o valor de cada unidade para efeito de cobrança de emolumentos e respectiva Taxa de Fiscalização Judiciária.
E, ainda, alínea g do inciso I do art. 11 da Portaria Conjunta do TJMG/CGJ/SEF-MG nº 002/05:
¡°Art. 11. O Selo de Fiscalização deverá ser utilizado pelo serviço notarial e de registro em todos os atos praticados, nos termos do art. 10 desta Portaria Conjunta, observados os seguintes procedimentos:
I - Tabelionato de Notas:
[...]
g) nos casos de escritura onde haja mais de um contrato ou estipulação que, por sua autonomia, possa ser objeto de outra escritura, será afixado um selo `padrão para cada ato;
h) nos casos de escritura relacionada a mais de uma unidade imobiliária, será afixado um selo padrão para cada unidade;
i) nos casos de escritura pública de permuta, será afixado um selo `padrão para cada traslado, observando-se ainda o disposto na alínea anterior.
Quanto às alegações do apelante no sentido de que não houve rasuras e adulterações nas DAEs apreendidas, ocorrendo, ainda, em algumas operações, recolhimento a maior do tributo, verifica-se que não restaram amparadas em prova robusta, hábil a desbancar a presunção de legitimidade dos autos de infração lavrados pela autoridade fazendária.
Trata-se, evidentemente, de matéria fática e técnica, a demandar prova especializada, que, entretanto, não veio a ser produzida pela parte interessada, em manifesta inobservância ao disposto no art. 333, I, do CPC.
Da multa de revalidação.
Em relação à multa de revalidação, aplicada no índice de 50% do valor dos tributos devidos, com amparo no art. 24 da Lei Estadual nº 15.424/04, entendo que deve ser mantida.
O art. 150, IV, da Constituição da República veda expressamente a utilização do tributo com efeito de confisco.
A norma decorre do Estado Democrático de Direito e tem, como objetivo, evitar que excessiva tributação implique privação do contribuinte à propriedade dos seus bens, à livre iniciativa e ao livre exercício profissional.
O princípio atua, portanto, como limitação a uma atividade lícita do Estado.
Essa conclusão, contudo, não impede que os percentuais de multa aplicados em decorrência de ilícitos fiscais sejam revistos em casos excepcionais, quando constatado que a incidência desta penalidade está a gerar para o contribuinte os mesmos efeitos da exação tributária.
Sobre o tema, merecem destaque as considerações do tributarista Leonardo e Silva de Almendra Freitas:
¡°Não duvidamos que a multa e o tributo (de per si considerado) são entes distintos. Na esteira do que expusemos, a proibição do confisco foi erigida ao patamar de princípio constitucional por decorrência da proteção à propriedade privada, sendo defeso ao Poder Público amesquinhar, de qualquer sorte, este escudo. Ora, o que seria a imposição de multas com conteúdo confiscatório se não expediente de amesquinhamento por via oblíqua, da propriedade privada do contribuinte? Neste descortinar, pode-se fazer à colação um célebre adágio latino a que se subsume o caso em comento: ubi eadem est ratio, eadem est jus dispositio, em nosso vernáculo: onde há a mesma intenção, aplica-se o mesmo dispositivo de lei. Por terem a mesma ratio, qual seja, a proteção da propriedade privada do contribuinte, tanto a aplicação da multa como a imposição de tributo devem se submeter à dicção de uma mesma norma. (Da estendibilidade do princípio do não-confisco às multas tributárias pecuniárias. RTFP v.12, nº 54, f. 211-232, jan./fev. 2004.)
Partindo dessa premissa, entendo que o correto, na extensão deste princípio às multas por ilícito tributário, é averiguar, caso a caso, o grau de limitação sofrido na esfera jurídica do contribuinte, para que se conclua se há ou não efeito confiscatório - não se podendo olvidar, no entanto, que a multa se presta a desestimular a conduta transgressora do contribuinte e, como tal, não deve ser fixada em percentual baixo, de molde a estimular a inobservância da legislação tributária.
A análise do caráter confiscatório, assim, deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade.
A propósito, elucidativo o acórdão do TRF da 4ª Região:
¡°Tributário. Multa moratória. Patamar de 60%. Caráter confiscatório. Não ocorrência. Incidente de arguição de inconstitucionalidade do art. 61, IV, da Lei nº 8.383/91 e do art. 4º, IV, da Lei nº 8.620/93. Rejeição. 1. Aplica-se mesmo às multas moratórias o princípio do não confisco, porque proteção ao direito de propriedade, como garantia contra o desarrazoado agir estatal, que manifesta-se não somente na obrigação tributária principal. 2. O critério de proporção, contudo, é completamente diferente. Enquanto se há de ter por confiscatório tributo que atinja mais de 50% dos rendimentos anuais do bem, ou o próprio valor do bem (em cobranças repetitivas), como chegou a propor Geraldo Ataliba em sugestão de norma legal delimitadora do confisco, de outro lado quanto à multa maiores valores deverão ser admitidos. 3. É que, ao contrário do tributo, que incide sobre lícita conduta do cidadão, a multa tem como pressuposto o ato ilícito, penalizando o infrator e fazendo o papel de prevenção geral, evitando novas condutas de infração. Pequenos valores de multa, equiparáveis aos juros de mercado, permitiriam fosse a multa incorporada ao gasto empresarial e a infração à lei reiterada. 4. O patamar de 60%, discutido na espécie, não há de ser considerado confiscatório para uma multa moratória. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que admitiu multa de 80% e implicitamente reconheceu a possibilidade de multas até o limite de 100% do principal. (TRF4, Corte Especial, Apelação Cível nº 2000.04.01.063415-0, Relator para o acórdão Néfi Cordeiro, j. em 03/2007.)
Na espécie em exame, a multa de 50% sobre o crédito não repassado encontra-se respaldada no art. 24, II, da Lei nº 15.424/04, que disciplina a matéria tributária no âmbito deste Estado de Minas Gerais, inexistindo nos autos qualquer elemento a corroborar a alegada desproporcionalidade desta cobrança.
O apelante, também neste ponto, não cuidou de carrear ao processo provas de que a incidência da multa no montante fixado lhe tenha gerado abalo financeiro, a ponto de comprometer o seu autossustento.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a bem-lançada sentença de primeiro grau.
Custas recursais, pelo apelante, na forma da lei.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Luís Carlos Gambogi e Fernando Caldeira Brant.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO