Carolina Penteado da Costa Galvão e Thiago dos Santos Ikeda
Empresas envolvidas em projetos de geração de energia a partir da força dos ventos se deparam com a questão do registro dos contratos
Empresas que desenvolvem atividade de geração de energia elétrica a partir da força dos ventos e que instalam seus aerogeradores em imóveis de terceiro têm se deparado com a questão do registro dos contratos que legitimam tal ocupação nas matrículas dos imóveis.
Tal controversa questão decorre dessa providência necessária, principalmente, por 2 motivos: (i) atribuir vigência ao contrato que legitima a empresa a ocupar o imóvel, mantendo-a na posse desse bem, ainda que haja alienação do imóvel a terceiros e (ii) satisfazer uma exigência do Ministério de Minas e Energia (Portaria nº 21 de 18 de janeiro de 2008 do Ministério de Minas e Energia) e da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) Instruções para Solicitação de Cadastramento e Habilitação Técnica com vista à Participação nos leilões de Energia Elétrica – Empreendimentos Eólicos (“Instruções para Cadastramento”), no que se refere à habilitação de todos os projetos de novos empreendimentos de geração, com vistas à participação de tais empreendimentos nos leilões de compra e venda de energia, mediante o registro prévio desses projetos na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Nas citadas Instruções para Cadastramento, no item 5.13 - Direito de Usar ou Dispor do Local da central de geração de EOL (energia eólica), há a determinação de que “na hipótese do imóvel ser de propriedade de terceiro (não responsável pela solicitação da Habilitação Técnica), deve ser apresentada, conforme o caso, a Promessa de Compra e Venda ou o Contrato que vincule o uso e disposição do local a ser destinado ao empreendimento celebrado entre o proprietário do imóvel e o agente interessado, devendo ser anexada cópia da certidão do RGI, comprovando a propriedade do imóvel, devendo nela constar, obrigatoriamente, a averbação do respectivo instrumento contratual (...)”.
A referida exigência tem como fundamento a própria necessidade de eficácia e vigência desses contratos, obrigando eventuais adquirentes dos imóveis a respeitá-los até o fim de seu prazo. Isso porque os eventuais adquirentes, que não forem partes nos contratos celebrados para ocupação dos imóveis, não são obrigados a respeitá-los, se estes forem firmados antes de sua aquisição.
O regular exercício da posse dos imóveis pelas geradoras de energia é imprescindível para que os parques eólicos se mantenham instalados e em atividade, de forma a evitar interrupções na produção e fornecimento de energia elétrica. Caso uma determinada empresa produtora de energia elétrica venha a perder a posse do imóvel em que seu parque eólico esteja instalado, em virtude de alienação do imóvel, seja ela feita de forma particular ou no curso de alguma ação judicial, esse parque poderá parar de produzir energia, implicando, inclusive, na possibilidade de aplicação de sanções administrativas e contratuais à detentora da outorga para exploração da EOL em decorrência do descumprimento dos contratos de comercialização de energia celebrados em ambiente livre e regulado.
Portanto, a exigência feita pelo Ministério de Minas e Energia e, consequentemente, pela ANEEL, visa a evitar indesejadas e repentinas interrupções na produção de energia elétrica, de modo a dar maior segurança ao SIN (Sistema Interligado Nacional), como um todo.
Tal segurança seria obtida juridicamente, mediante a comprovação de que o instrumento que legitime a ocupação do imóvel (seja ele próprio ou de terceiro) pela geradora de energia elétrica tenha sido, de certa forma, avalizado pelo registro de imóveis competente, mediante o seu registro nas matrículas dos imóveis em que estão instalados os parques eólicos.
Entretanto, a satisfação das exigências relacionadas à ocupação dos imóveis de terceiros não é tão simples, devido à forma pela qual a relação entre os proprietários dessas áreas se estabelece com as geradoras de energia e à natureza dos imóveis que mais comumente são utilizados para a instalação dos parques eólicos (imóveis rurais).
Isso porque algumas das modalidades de contratos, muito utilizadas atualmente, são incompatíveis com as atividades de produção de energia elétrica.
Ademais, embora comumente difundidos no mercado, vários dos tipos de contratos adotados não têm previsão legal de acesso ao registro de imóveis. A legislação que regulamenta quais os atos a serem praticados pelo registro de imóveis, a Lei 6.015/1973, de Registros Públicos, em seu artigo 167, estabelece um rol taxativo dos títulos que são passíveis de registro ou averbação pelo oficial do cartório. Por ser tal elenco de títulos taxativo, outros títulos que dele não constem não serão passíveis de registro ou averbação.
Dessa forma, há de se utilizar modalidades de contratos que tenham acesso previsto ao chamado fólio real, no intuito de evitar questionamentos que poderiam resultar na desocupação forçada do imóvel pelas empresas geradoras de energia.
Nesse sentido, visando à satisfação das exigências feitas pela EPE e a trazer maior segurança jurídica ao SIN (nele englobadas as empresas geradoras, transmissoras, distribuidoras, comercializadoras, consumidores e os financiadores), é importante a adequação da modalidade de contrato que legitima a ocupação de imóveis de terceiros à atividade a ser desenvolvida, bem como a viabilidade de seu registro pelo oficial de registro de imóveis seja observada.
Carolina Penteado da Costa Galvão e Thiago dos Santos Ikeda, sócia e advogado sênior do escritório Arap, Nishi & Uyeda Advogados