AÇÃO DE COBRANÇA - DÍVIDA PECUNIÁRIA - CHEQUES EM CÓPIA EM PODER DO CREDOR - PROVA BASTANTE DE PARTE DA DÍVIDA - DOCUMENTOS UNILATERAIS E APÓCRIFOS IMPRESTÁVEIS COMO MEIO DE PROVA - DESNECESSIDADE DE JUNTADA DE NOTAS FISCAIS - JUNTADA PÓSTUMA DE CHEQUE - POSSIBILIDADE - PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA
- Os cheques, em poder do credor, mesmo em cópias, são hábeis para embasar a ação de cobrança, máxime quando outras provas evidenciam a existência da dívida.
- Desnecessária a juntada de notas fiscais para comprovação da compra e venda, se o comprador reconhece a operação e confessa a dívida.
- A juntada póstuma de cheque não nulifica o julgado, visto que assim autoriza o art. 398 do CPC.
- Documentos expedidos de forma unilateral e apócrifos não se prestam a comprovar dívida.
Apelação Cível nº 1.0024.07.568254-2/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelantes: 1ª)Talento Joias Ltda., 2ª) Fernanda Gomes Lessa - Apeladas: Fernanda Gomes Lessa, Talento Joias Ltda. - Relator: Des. Paulo Mendes Álvares
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar arguida pela segunda apelante e negar provimento a ambos os recursos.
Belo Horizonte, 17 de julho de 2014. - Paulo Mendes Álvares - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Sessão do dia 10.07.2014
Proferiram sustentações orais, pela 1º apelante, o Dr. Fábio Joseph de Souza Andrade e Murad e, pela 2º apelante, o Dr. Hugo Leonardo Teixeira.
DES. PAULO MENDES ÁLVARES - Sr. Presidente, ouvi as sustentações orais que foram proferidas da tribuna.
Cuidam estes autos de duas apelações interpostas em face da sentença de f. 251/254, proferida pelo MM. Juiz da 7ª Vara Cível de Belo Horizonte, nos autos da ação de cobrança movida pela autora Talento Joias Ltda., primeira apelante, em desfavor de Fernanda Gomes Lessa, segunda apelante, e que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando esta a pagar àquela a importância de R$62.351,00, devidamente atualizada pelos índices da CGJ e acrescida de juros legais, desde as respectivas datas de emissão dos cheques que representam a dívida, ficando ratificadas as medidas liminares deferidas no processo cautelar.
Inconformadas, recorrem elas a esta instância, pugnando pela reforma da sentença, a primeira para que se reconheça que o débito da segunda seja no valor de R$132.781,32, apurado em meados de 2006, quantia esta representada pelos cheques devolvidos por falta de fundos e por carnês que foram emitidos sem garantia e, por via de consequência, condenar a ré ao pagamento dele.
A ré, segunda apelante, alegando preliminar de nulidade da sentença e rechaçando o mérito, pugna pela improcedência do pedido inicial ao argumento de que nada deve à primeira.
O recurso apresentado pela ré foi respondido às f. 301/307 e da autora o foi às f. 309/311.
É o relatório.
Da apelação da ré Fernanda Gomes Lessa.
Preliminar de nulidade da sentença.
Examino, por primeiro, a apelação apresentada pela ré por conter ela questão prejudicial que, se acolhida, pode contaminar todo o julgado.
Sustenta ela, em preliminar, que a sentença recorrida é nula de pleno direito, por ausência de fundamentação, uma vez que deixou de se pronunciar sobre questões relevantes por ela arguidas, quais sejam a imprescindibilidade de apresentação dos originais dos cheques para a cobrança da dívida por eles representada, a necessidade de apresentação das notas fiscais para comprovar as compras e vendas e a intempestividade da juntada aos autos dos documentos de f. 114.
Esclarece que tais questões foram deduzidas nos embargos declaratórios que apresentou, mas, ao apreciá-los, o MM. Juiz sentenciante negou-se a supri-las, limitando-se a negar, genericamente, a existência delas.
Dos cheques em cópias.
Aduz a ré que a sentença, embora tenha reconhecido ser ônus da autora demonstrar a existência da dívida em questão, deixou ela de ponderar que os cheques que instruem a cobrança são títulos de apresentação; e, não estando eles em sua forma original, poderá ela ser demandada novamente a pagar a quantia por eles representada.
Sem razão a ré, ao sustentar que a ação de cobrança deveria ter sido instruída com os cheques em sua forma original.
Com efeito, tratando-se de ação de cobrança ou monitória, podem ser elas ajuizadas com base em cheques até mesmo prescritos, desde que a causa debendi esteja demonstrada por outros meios.
No caso em exame, a própria ré admite estar a dever à autora, chegando até mesmo a enviar-lhe e-mail, informando a situação por que ela estava passando, ressaltando, ainda, que não daria a ela um centavo de prejuízo, propondo-se até mesmo a devolver algumas das peças adquiridas.
É o que se tem do documento de f. 55.
Ora, se a ré admite a dívida e se propõe a pagá-la, desde que haja uma renegociação do valor dela, não há que se exigir que os cheques que a representam estejam em sua forma original.
Este, aliás, o entendimento desta Casa:
``Apelação - Ação de cobrança - Cheque - Causa debendi - Art. 333 do CPC. - Resultando evidenciado que o autor, a sustentar a cobrança deduzida nos autos, trouxe não só o título de crédito cobrado, mas também a declinação da causa debendi, que não restou derruída pelas alegações da requerida, que não logrou demonstrar a ocorrência de qualquer das causas descritas no art. 333 do CPC. - Apelo desprovido. (TJMG - Apelação Cível nº 1.0694.10.001690-6/001, 12ª Câmara Cível, Rel. Des. Nilo Lacerda, julgado em 27.06.2013, DJ de 03.07.2013.)
Acolhendo esse entendimento, rejeito tal alegação.
Da necessidade de apresentação das notas fiscais.
Alega a ré, em suas razões, que a autora não trouxe aos autos as notas fiscais hábeis a comprovar a dívida cobrada, daí a nulidade da sentença proferida na presente ação.
Mais uma vez, falta-lhe razão.
Sabe-se que a nota fiscal é um documento cuja finalidade é registrar a transferência de propriedade sobre um determinado bem ou para comprovar atividade comercial por uma empresa e uma pessoa física ou outra empresa, demonstrando o valor monetário de tal transferência de modo a se calcularem os impostos a serem recolhidos.
Essa é a finalidade principal da nota fiscal, ou seja, comprova a transferência de propriedade de um bem, de uma pessoa jurídica para uma pessoa física ou para outra pessoa jurídica. Enfim, presta-se ela a comprovar a operação de transferência de propriedade de determinado bem.
No caso em análise, a própria ré, ora recorrente, reconhece que adquiriu as peças da autora, daí a desnecessidade de notas fiscais para comprovar a transação.
Tem-se, no entanto, que a autora acabou por juntar as notas fiscais de f. 120/125, embora o fizesse de maneira desnecessária.
Com essas considerações, rejeito tal alegação.
Da juntada intempestiva do documento de f. 114.
É certo que a inicial deve ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, visto que assim recomenda de forma cogente o art. 283 do CPC, mas é certo, também, que a parte pode juntar documentos novos, desde que deles se dê vista à outra parte, como dispõe o art. 398 do citado Código Instrumental.
Nessas condições, vejo que nenhuma razão tem a ré ao dizer que o cheque de f. 114 foi juntado de forma intempestiva, razão pela qual afasto tal alegação.
Por essas razões é que rejeito a preliminar de nulidade da sentença.
DES. EDISON FEITAL LEITE - Com o Relator, Excelência.
DES. MAURÍLIO GABRIEL - Também cumprimento o Dr. Fábio Joseph de Souza Andrade e Murad e o Dr. Hugo Leonardo Teixeira, que expuseram, com precisão, as questões colocadas nos autos, evidentemente cada um com a visão do seu cliente.
Exatamente devido a essas ponderações feitas da tribuna, vou pedir vista dos autos.
Sessão do dia 17.07.2014
DES. MAURÍLIO GABRIEL - Preliminar de nulidade da sentença.
Acompanho o culto Relator, Desembargador Paulo Mendes Álvares, para também rejeitar a preliminar de nulidade de sentença.
DES. PAULO MENDES ÁLVARES - Mérito.
Ao ferir o mérito, proclama a ré, ora apelante, que a autora não se desincumbiu de provar os fatos constitutivos de seu direito, uma vez que juntou à inicial, apenas, documentos unilaterais, sem qualquer serventia e cópia de cheques que totalizam a quantia de R$55.123,00, cheques estes que nem sequer foram apresentados ao banco sacado.
Lembra que, ao contestar a ação, requereu fosse ela instada a exibir os documentos fiscais e os comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias supostamente vendidas, juntando ela os documentos de f. 120/125, emitidos em 12 e 14 de junho de 2006, datas em que ela, ré, estava em Miami - EUA, não podendo, por isso, estar fazendo compras no estabelecimento da autora.
Demais disso, as mercadorias descritas nas notas fiscais de f. 120 e 123 não guardam relação alguma com aquelas mencionadas na inicial, e referidas notas informam o pagamento por meio de cheque e cartão, estando, por isso, devidamente pagas.
As notas fiscais de f. 121, 122, 124 e 125 têm como destinatário a sociedade VDL Fomento Mercantil Ltda., e não a ela, ré, e as mercadorias nelas descritas também não conferem com aquelas que a autora alega ter-lhe vendido.
Garante, assim, que tais documentos não retratam a realidade nem comprovam a alegada venda de mercadorias.
Lembra, ainda, que a perícia feita na fase de instrução da causa não encontrou na contabilidade da autora prova da compra e venda mercantil capaz de lastrear a presente cobrança nem a existência do débito que lhe é cobrado.
Por fim, enfatiza que a sentença se baseou no documento de f. 55, para condená-la a pagar o débito, mas tal documento se refere a débito já quitado por meio de cheques já compensados, enquanto aqueles juntados com a inicial nem sequer foram apresentados ao banco sacado.
Por fim, volta a dizer que o já citado cheque de f. 114 não poderia ter sido juntado aos autos, questão esta ventilada na preliminar e ali decidida.
São esses os argumentos lançados em suas razões recursais e com os quais pugna pela reforma da sentença, julgando improcedentes os pedidos iniciais ou, alternativamente, que seja decotado da condenação o valor do cheque de f. 114, que não instruiu a inicial.
Ao exame deles, no entanto, vejo que seu inconformismo não merece acolhida.
Revelam os autos que ela, ao longo de vários anos, adquiriu várias joias da autora, pagando, ora com cheques pré-datados, ora através de cartão e até mesmo à vista, mas, ao final, viu-se ela envolvida numa série de problemas particulares, enfrentando crise e não conseguiu honrar os compromissos assumidos com a autora.
Ela mesma admitiu e até confessou estar vivenciando tal situação e chegou a informá-la à autora, mas manifestando sempre seu propósito de pagar. É o que se colhe do e-mail de f. 55 que ela fez enviar à vendedora Germana, certamente a pessoa que a atendia.
As notas fiscais e os cheques que ela impugna veementemente apenas comprovam as várias compras feitas, como também não a socorre a falta de comprovante de entrega e recebimento das mercadorias, já que ela mesma confessa tê-las recebido, na medida em que se propõe a devolvê-las, se necessário.
Ora, se ela própria confessa a dívida e se propõe a renegociar a forma de quitá-la, como também se dispõe a devolver algumas joias adquiridas da autora, não se pode exigir desta que comprove a venda, a entrega e o recebimento das mercadorias.
Dispõe o art. 348 do CPC:
"Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial".
O citado dispositivo processual teve de Humberto Theodoro Júnior o seguinte comentário:
"Há confissão quando, segundo o art. 348, `a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. Pode ser feita em juízo ou fora dele (art. 348, in fine).
Para bem se alcançar o conceito desse meio de prova, deve-se recorrer à definição extraída dos clássicos ensinamentos de João Monteiro e Lessona, aproximadamente, nos seguintes termos: ``confissão é a declaração, judicial ou extrajudicial, provocada ou espontânea, em que um dos litigantes, capaz e com ânimo de se obrigar, faz da verdade, integral ou parcial, dos fatos alegados pela parte contrária, como fundamentais da ação ou da defesa".
E o festejado mestre prossegue:
"Como ensina Frederico Marques, a confissão tem valor de prova legal que obriga o juiz a submeter-se a seus termos para o julgamento da causa. Seus efeitos são análogos aos da revelia e do ônus da impugnação especificada dos fatos, isto é, as alegações da parte contrária passam a ser havidas, em razão dela, como verídicas.
Diante da confissão plena do fato básico da pretensão do autor, assim como na hipótese de confissão ficta (recusa de depoimento pessoal), o juiz pode dispensar as demais provas e enfrentar logo o mérito da causa, proferindo a sentença definitiva" (Curso de direito processual civil. 53. ed., p. 460/461).
No caso em análise, o MM. Juiz sentenciante, agindo com inegável acerto, embasou sua decisão na confissão extrajudicial feita pela ré, ora apelante, reconhecendo, por via de consequência, a dívida por ela confessada e apurada por meio da perícia, não merecendo, assim, qualquer reparo a decisão por ele proferida.
Da apelação da autora.
Informa a autora que confeccionou três peças, leia-se joias, e vendeu várias outras à ré, tudo conforme circunstanciada descrição constante da inicial, tornando-se credora dela pelo valor histórico de R$132.781,32, valor este que, atualizado e acrescido de juros na data do ajuizamento da presente ação, perfazia a importância de R$168.942,08.
Não conseguindo recebê-la, propôs contra ela uma ação cautelar de arresto, pedindo a constrição judicial de bens dela, de modo a garantir a dívida, sendo arrestados um veículo, várias joias e cotas sociais de uma empresa, da qual ela é sócia.
Nesta ação principal, pede a autora a condenação da ré ao pagamento da importância descrita na inicial, sustentando ser realmente o que a ré lhe deve.
A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido inicial, reconhecendo e condenando a ré a pagar-lhe apenas a quantia de R$62.351,00, devidamente atualizada e acrescida de juros, porquanto esta é a importância representada pelos cheques devolvidos por falta de fundos.
Sustenta ela, no entanto, que o valor devido pela ré é aquele informado na inicial e representado pelos cheques devolvidos e pelos carnês, valor esse que a própria ré reconhece e confessa, extrajudicialmente, em mensagens eletrônicas.
Lembra, ainda, que, ao enviar à ré o demonstrativo dele, conforme se tem às f. 56/57, ela não o impugnou, o que evidencia que ela o aceitou como correto, mesmo porque admite naquelas mensagens que as últimas compras feitas por ela geraram um débito de mais de R$150.000,00.
Arremata dizendo que na ação cautelar foram arrestadas 18 (dezoito) joias adquiridas e não pagas, sem que a ré contestasse aquela medida de constrição, o que também evidencia estar ela de acordo com a dívida que lhe é cobrada.
Com esses argumentos, pugna pela reforma da sentença, dando-se total procedência ao pedido inicial, reconhecendo-se que a dívida da ré é mesmo aquela informada na inicial - R$132.781,32 -, representada pelo total dos carnês emitidos, condenando-a ao pagamento dela, e não apenas aquela reconhecida naquele decisum, referente aos cheques sem fundos, no importe de R$62.351,00,
A meu ver, falta-lhe razão.
Ao pleitear o recebimento da dívida pela quantia de R$132.781,32, a autora, ora apelante, procura demonstrar e comprovar a existência dela por meio dos cheques emitidos pela ré e dos documentos de f. 38/54.
Estes, no entanto, como bem salientou o MM. Juiz sentenciante, não são hábeis a comprovar qualquer dívida da ré para com ela.
São mesmo documentos informais, unilaterais e apócrifos, não servindo, por isso, para demonstrar parte da dívida reclamada.
É certo que um dos principais requisitos dos documentos comprobatórios de dívidas é a assinatura do devedor, tal como se exige nos títulos de crédito e outros assemelhados, o que, no caso em exame, não foi observado pela autora, limitando-se ela a expedir, de forma unilateral, carnês que não informam a origem da dívida neles estampada.
Ademais, cabia à autora comprovar a entrega das mercadorias neles descritas, do que ela não se desincumbiu, não se podendo, assim, ter por comprovada a dívida por ela alegada, com base neles.
Os cheques não.
Foram eles emitidos pela ré e estão em poder da autora, o que comprova não terem sido pagos pelo banco sacado nem por ela, sendo, por isso, hábeis para comprovar a existência da dívida por eles representada.
Assim, apenas eles representam a dívida da ré.
Com essas considerações, vejo que a sentença de primeiro grau deu o correto desate à questão, razão pela qual nego provimento a ambos os recursos, mantendo-a integralmente.
Custas, pelas apelantes, na proporção de metade para cada uma.
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Edison Feital Leite e Maurílio Gabriel.
Pedi vista dos autos, na sessão anterior, para reexaminar as questões levantadas pelas partes.
Após o reexame, adoto integralmente o voto do zeloso Relator e, por via de consequência, nego provimento aos dois recursos de apelação.
Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR ARGUIDA PELA SEGUNDA APELANTE E NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.